O
especialista de armas químicas soviético/russo Vil Mirzayanov falou
sobre o caso do envenenamento o ex-coronel do GRU Sergey
Skripal e explicou por que as autoridades russas exigem constantemente que
Grã-Bretanha “age em estrita conformidade com a Convenção de Armas Químicas”,
informa o serviço russo da VOR.
VOR:
Você participou do desenvolvimento de agentes soviéticos de guerra química: “Substância
33”, “A-232” e “A-234”, conhecidos hoje como “Novichok”. Ao mesmo tempo, você
diz que essas armas são únicas e não existem em nenhum país fora da Rússia.
Como, então os investigadores britânicos foram capazes de determinar que tipo
de material foi usado para envenenar Sergei Skripal?
Vil
Mirzayanov: Para estabelecer que tipo de “substância” foi utilizada neste caso,
você precisa ter acesso à um poderoso espetrómetro de massa de alta resolução,
na “biblioteca” do qual existem espetros de todos os compostos actualmente
conhecidos. Amostra colhida é comparada com a já conhecida, e o computador
indica um espectro com uma probabilidade de 96%. Ou seja, não pode haver erro
aqui.
VOR:
Mas para isso, os investigadores devem ter algum tipo de amostra?
VM:
Esses são os procedimentos usuais. Podem ser usados as amostras de sangue,
urina, amostra de vestuário. Existem muitas maneiras.
VOR:.
As autoridades russas têm repetidamente afirmado que o produto químico usado
para envenenar o ex-coronel do GRU Sergei Skripal, poderia ser produzido em
outros países, inclusive no Reino Unido. Você diz que na Inglaterra existiam
amostras do “Novichok”.
VM:
Os britânicos poderiam facilmente sintetizá-lo com base em fórmulas por mim
publicadas no meu livro em 2008 (State Secrets: An Insider's Chronicle of the
Russian Chemical Weapons Program Secrets / Segredos de Estado: uma crónica de
insider dos segredos do programa russo de armas químicas). Cada país tem de
cuidar de sua própria segurança, e poderia criar uma amostra no estudo de
possíveis ameaças. Estes protótipos poderiam existir em muitos países, mas a
produção foi depurada apenas na URSS e da Rússia.
VOR:
Você publicou essas fórmulas completamente?
VM:
Completamente. Eu suspeitava que algo como isso (atentado contra Skripal)
poderia acontecer, e assim desde 1992, tentava a inclusão de “Novichok” na
lista de produtos químicos proibidos. Mas isso pode fazer apenas a Organização
para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ),
coordenando a sua decisão com todos os países membros. Após a publicação do meu
livro, a questão foi discutida numa reunião da OPAQ, e, tanto quanto eu sei,
não foi tomada qualquer decisão.
VOR:
O ministro dos Negócios Estrangeiros / Relações Exteriores da Rússia, Sergei
Lavrov, em resposta às reclamações britânicas, acusou Londres de não cumprir os
requisitos da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas.
VM:
A OPAQ, na estrutura desta Convenção, só pode trabalhar com substâncias que
estão na lista de substâncias proibidas. “Novichok” não está nesta lista e,
portanto, a sede da OPAQ não possui métodos para reconhecer a “substância”.
VOR:
Pela primeira vez você anunciou a existência de “Novichok” em 1992. Essas armas
poderiam ter sido aprimoradas desde então? Como você pode ter certeza de que
neste caso, não estamos falar numa substância diferente com características semelhantes?
VM:
Claro, poderíamos melhorar, mas o “esqueleto” da substância permanece
inalterado. “Novichok” difere de todos os gases nervosos conhecidos na medida
em que é baseado na junção entre fósforo e nitrogénio. Todos os outros agentes
tóxicos não têm essa conexão, de modo que “Novichok” é uma classe
fundamentalmente nova de compostos químicos.
VOR:
“Novichok” foi criado no Instituto Estatal de Pesquisa Científica Química e
Tecnologia Orgânica (GSNIIOHT) no final dos anos 1980. Trabalhando neste projeto,
você assumiu que ele pode ser usado em situações como o “caso da Skripal”?
VM:
Na era soviética, sempre trabalhámos em conjunto com o KGB. Quando foi
assassinado Markov (o escritor dissidente búlgaro Georgi Markov,
assassinado em Londres em 1978), a ricina obtida no nosso laboratório foi usada
no ataque. Mas não nos envolvemos em armas de assassinato, para isso a KGB
tinha o seu próprio laboratório.
VOR:
As autoridades russas alegaram que a “substância” que você criou poderia estar disponível
nas repúblicas da ex-URSS. Como fonte de origem, por exemplo, eles citaram Geórgia
e Uzbequistão.
VM:
Isso é uma falácia. A União Soviética colapsou há 27 anos, e se em algum lugar
nas repúblicas havia um “Novichok” limpo, ele havia se desintegrado há muito
tempo, e não seria útil como uma arma. Qualquer agente químico venenoso se
decompõe e não há compostos que retenham suas propriedades por muito tempo. No
primeiro ano perde 2% das suas capacidades letais, no segundo – 3% e os
produtos de decomposição resultantes aceleram o processo de decomposição. É por
isso que o armazenamento e uso de substâncias tóxicas é um grande problema,
que, além disso, são mais cara do que a sua produção.
VOR:
Você disse que no assassinato de Skripal e da sua filha, poderiam ser usadas as
armas binárias...
VM:
Sim, por causa das dificuldades de armazenamento e do uso, ninguém hoje
produzirá o chamado “produto final”. Produzirá componentes individuais,
relativamente inofensivos, que são unidos imediatamente antes do seu uso.
VOR:
E essa produção pode ser escondida?
VM:
Sim, por exemplo, simultaneamente ao desenvolvimento de uma substância [venenosa]
promissora, na época dos testes já em andamento, está sendo desenvolvido um
pesticida agrícola, que basicamente repete essa substância em suas
características. Ou seja, a produção dos chamados “semi-produtos”, que são
componentes de armas binárias, pode ser conduzida de maneira bastante oficial.
Em algumas empresas, eles podem executar um plano de produção de pesticidas,
mesmo sem perceber que estão realmente produzindo armas químicas.
VOR:
Do seu ponto de vista, até que ponto foi fácil transportar essas substâncias
através das fronteiras e depois usá-las?
VM:
Não é muito difícil. Você precisa de duas ampolas de vidro, um agente de alta
pressão, por exemplo – a gasolina leve e volátil. As ampolas devem ser
quebradas antes do uso, e as substâncias misturadas darão a mistura desejada.
Então, o resultado pode ser pulverizado como um aerossol. Mas esta é uma opção
muito básica, e tenho certeza de que o FSB poderia criar uma maneira mais
sofisticada.
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Especialistas britânicos junto ao banco em que foram achados os Skripal |
VOR:
Você acha que o atentado contra o ex-coronel Skripal foi “enfaticamente
demonstrativo”. Ou seja, os responsáveis contaram que os vestígios do “Novichok”
serão encontrados?
VM:
Eu não penso assim. Isso é realmente uma punição demonstrativa, mas na minha
opinião, Moscovo tinha certeza de que ninguém encontraria vestígios da
substância. Esta “substância” não existe oficialmente, não é mencionada em
nenhuma das listas da OPAQ. Quase 30 anos, ninguém se envolveu no seu
desenvolvimento. É óbvio para mim que Moscovo estava contando com o facto de
que ninguém os apanharia.
VOR:
Após o incidente com Sergei Skripal, você, como um dos criadores do “Novichok”
foi contatado pela OPAQ ou por alguma outra organização internacional?
VM:
Não, ninguém falou comigo, exceto os jornalistas.
Bónus
A
polícia britânica encontrou o local primário do envenenamento
O
ex-agente do GRU Sergei Skripal e sua filha Julia foram expostos pela primeira
vez ao veneno na casa do ex-espião em Salisbury. A maior concentração desta
substância foi detectada na porta de entrada do edifício, segundo
a polícia britânica.
Vestígios
do agente nervoso, que foi usado no envenenamento dos Skripal foram encontrados
em vários outros endereços, mas em menor concentração, disse o
vice-comissário-adjunto da Polícia, Dean Haydon. O trabalho de especialistas
nesses locais é concluído, o mesmo será aberto à presença dos policiais de Wiltshire.
A
investigação estabeleceu o alegado local de envenenamento como resultado de
exames detalhados. Nas próximas semanas e, talvez, meses, os investigadores
continuarão estudando a casa completamente, tanto no interesse da investigação,
quanto por razões de segurança, explicou Haydon.
Investigadores
continuam estudando a gravação de câmaras de segurança com uma duração total de
mais de 5.000 horas e estudam mais de 1.350 pistas. Eles encontraram cerca de
500 testemunhas e gravaram os testemunhos de centenas de pessoas.
Blogueiro: a última
informação da polícia britânica apenas confirma a tese do Vil Mirzayanov,
possivelmente não houve nenhum ataque direto e tudo foi feito para que os
vestígios não fossem encontrados.