sexta-feira, março 23, 2018

Ivan Ilyin, o filósofo do fascismo russo de Putin

O filósofo russo Ivan Ilyin, conhecido, sobretudo pela sua defesa do fascismo, defendia que o fracasso do Estado de Direito é uma virtude. Hoje, a cleptocracia russa, incluindo Vladimir Putin, usa as suas ideias para retratar a desigualdade económica como uma inocência nacional, argumenta o historiador Timothy Snyder.

Nos últimos anos, Putin usou algumas das ideias mais específicas de Ilyin sobre geopolítica no seu esforço para transformar a tarefa da política russa de continuar as reformas em casa para a [ideia] de exportação de virtudes [russas] ao exterior. Ao transformar a política internacional em uma discussão sobre “ameaças espirituais”, as obras de Ilyin ajudaram as elites russas a retratar a Ucrânia, a Europa e os Estados Unidos como perigos existenciais para a Rússia.

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Segundo Ilyin, os nazis estavam certos em boicotar os negócios judaicos e culpar os judeus como uma coletividade pelos males que se abateram sobre a Alemanha. Acima de tudo, Ilyin queria convencer os russos e outros europeus de que Hitler estava certo em tratar os judeus como agentes do bolchevismo. Essa ideia “judeobolchevique”, como Ilyin entendia, era a conexão ideológica entre os russos monárquicos e os nazis. A alegação de que os judeus eram bolcheviques e bolcheviques eram judeus era propaganda monárquica durante a guerra civil russa [da década] de 1920.

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Ilyin escrevia sobre os “ucranianos” entre aspas, já que em sua opinião eles faziam parte do organismo russo. Ilyin estava obcecado pelo medo de que as pessoas no Ocidente não entendessem isso e viu qualquer menção à Ucrânia como um ataque à Rússia. Porque a Rússia é um organismo, ela “não pode ser dividida, apenas dissecada”.
Timothy Snyder: na Ucrânia aconteceu uma revolução popular
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O caso da influência de Ilyin talvez seja mais fácil de rever na perspetiva da nova orientação da Rússia em relação à Ucrânia. [...] Nas primeiras duas décadas após a dissolução da União Soviética, as relações russo-ucranianas foram definidas por ambos os lados, de acordo com o direito internacional, com os advogados russos sempre insistindo em conceitos muito tradicionais, como soberania e integridade territorial. Quando Putin voltou ao poder em 2012, o legalismo deu lugar ao colonialismo. Desde 2012, a política russa para a Ucrânia tem sido feita com base nos primeiros princípios, e esses princípios têm sido os de Ilyin. A União Eurasiana de Putin, um plano que ele anunciou com a ajuda das ideias de Ilyin, pressupunha aderência da Ucrânia. Putin justificou a tentativa da Rússia de atrair a Ucrânia para a Eurásia pelo “modelo orgânico” de Ilyin, que fez da Rússia e da Ucrânia “um só povo”.

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Quando as tropas russas entraram na Ucrânia em fevereiro de 2014, a retórica civilizacional russa (da qual Ilyin era a maior fonte) capturou a imaginação de muitos observadores ocidentais. No primeiro semestre de 2014, as questões debatidas eram se a Ucrânia era ou não parte da cultura russa, ou se os mitos russos sobre o passado eram de alguma forma uma razão para invadir um estado soberano vizinho. Ao aceitar a maneira que Ilyin colocou a questão, por uma questão de civilização e não de lei, os observadores ocidentais perderam os interesses do conflito para a Europa e os Estados Unidos. Considerar a invasão russa da Ucrânia como um choque de culturas era torná-la distante, colorida e obscura; vê-lo como um elemento de um ataque maior ao estado de direito teria sido perceber que as instituições ocidentais estavam em perigo. Aceitar o enquadramento civilizacional era também ignorar a questão básica da desigualdade. O que os ucranianos pró-europeus queriam era evitar a cleptocracia ao estilo russo. O que Putin precisava era demonstrar que tais esforços eram infrutíferos.

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No esquema de Ilyin, o Soberano (Gosudar) seria pessoalmente e totalmente responsável por todos os aspectos da vida política, como diretor executivo, chefe legislador, chefe de justiça e comandante das forças armadas. Seu poder executivo é ilimitado. Qualquer “seleção política” deve ocorrer “numa base formalmente antidemocrática”. As eleições democráticas institucionalizam a noção perversa da individualidade. “O princípio da democracia”, escreveu Ilyin, “era o átomo humano irresponsável”. Contar os votos era aceitar falsamente “a compreensão mecânica e aritmética da política”. Seguiu-se que “devemos rejeitar a fé cega no número de votos e seu significado político”. A votação pública com boletins assinados permitirá que os russos renunciarem à sua individualidade. As eleições eram um ritual de submissão de russos antes do seu líder, escreve Timothy Snyder para a New York Review of Books...
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O primeiro estudioso que escreveu sobre importância das ideias do Ilyin no projeto do Putin foi o historiador Walter Lequeur no seu livro Putinism.