quinta-feira, março 29, 2018

Criador do agente químico “Novichok” sobre o envenenamento do Sergey Skripal

O especialista de armas químicas soviético/russo Vil Mirzayanov falou sobre o caso do envenenamento o ex-coronel do GRU Sergey Skripal e explicou por que as autoridades russas exigem constantemente que Grã-Bretanha “age em estrita conformidade com a Convenção de Armas Químicas”, informa o serviço russo da VOR.

VOR: Você participou do desenvolvimento de agentes soviéticos de guerra química: “Substância 33”, “A-232” e “A-234”, conhecidos hoje como “Novichok”. Ao mesmo tempo, você diz que essas armas são únicas e não existem em nenhum país fora da Rússia. Como, então os investigadores britânicos foram capazes de determinar que tipo de material foi usado para envenenar Sergei Skripal?
Vil Mirzayanov: Para estabelecer que tipo de “substância” foi utilizada neste caso, você precisa ter acesso à um poderoso espetrómetro de massa de alta resolução, na “biblioteca” do qual existem espetros de todos os compostos actualmente conhecidos. Amostra colhida é comparada com a já conhecida, e o computador indica um espectro com uma probabilidade de 96%. Ou seja, não pode haver erro aqui.

VOR: Mas para isso, os investigadores devem ter algum tipo de amostra?
VM: Esses são os procedimentos usuais. Podem ser usados as amostras de sangue, urina, amostra de vestuário. Existem muitas maneiras.

VOR:. As autoridades russas têm repetidamente afirmado que o produto químico usado para envenenar o ex-coronel do GRU Sergei Skripal, poderia ser produzido em outros países, inclusive no Reino Unido. Você diz que na Inglaterra existiam amostras do “Novichok”.
Ler mais e/ou comprar o livro
VM: Os britânicos poderiam facilmente sintetizá-lo com base em fórmulas por mim publicadas no meu livro em 2008 (State Secrets: An Insider's Chronicle of the Russian Chemical Weapons Program Secrets / Segredos de Estado: uma crónica de insider dos segredos do programa russo de armas químicas). Cada país tem de cuidar de sua própria segurança, e poderia criar uma amostra no estudo de possíveis ameaças. Estes protótipos poderiam existir em muitos países, mas a produção foi depurada apenas na URSS e da Rússia.

VOR: Você publicou essas fórmulas completamente?
VM: Completamente. Eu suspeitava que algo como isso (atentado contra Skripal) poderia acontecer, e assim desde 1992, tentava a inclusão de “Novichok” na lista de produtos químicos proibidos. Mas isso pode fazer apenas a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), coordenando a sua decisão com todos os países membros. Após a publicação do meu livro, a questão foi discutida numa reunião da OPAQ, e, tanto quanto eu sei, não foi tomada qualquer decisão.

VOR: O ministro dos Negócios Estrangeiros / Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, em resposta às reclamações britânicas, acusou Londres de não cumprir os requisitos da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas.
VM: A OPAQ, na estrutura desta Convenção, só pode trabalhar com substâncias que estão na lista de substâncias proibidas. “Novichok” não está nesta lista e, portanto, a sede da OPAQ não possui métodos para reconhecer a “substância”.

VOR: Pela primeira vez você anunciou a existência de “Novichok” em 1992. Essas armas poderiam ter sido aprimoradas desde então? Como você pode ter certeza de que neste caso, não estamos falar numa substância diferente com características semelhantes?
VM: Claro, poderíamos melhorar, mas o “esqueleto” da substância permanece inalterado. “Novichok” difere de todos os gases nervosos conhecidos na medida em que é baseado na junção entre fósforo e nitrogénio. Todos os outros agentes tóxicos não têm essa conexão, de modo que “Novichok” é uma classe fundamentalmente nova de compostos químicos.

VOR: “Novichok” foi criado no Instituto Estatal de Pesquisa Científica Química e Tecnologia Orgânica (GSNIIOHT) no final dos anos 1980. Trabalhando neste projeto, você assumiu que ele pode ser usado em situações como o “caso da Skripal”?
Edifício do GSNIIOHT em Moscovo
VM: Na era soviética, sempre trabalhámos em conjunto com o KGB. Quando foi assassinado Markov (o escritor dissidente búlgaro Georgi Markov, assassinado em Londres em 1978), a ricina obtida no nosso laboratório foi usada no ataque. Mas não nos envolvemos em armas de assassinato, para isso a KGB tinha o seu próprio laboratório.

VOR: As autoridades russas alegaram que a “substância” que você criou poderia estar disponível nas repúblicas da ex-URSS. Como fonte de origem, por exemplo, eles citaram Geórgia e Uzbequistão.
VM: Isso é uma falácia. A União Soviética colapsou há 27 anos, e se em algum lugar nas repúblicas havia um “Novichok” limpo, ele havia se desintegrado há muito tempo, e não seria útil como uma arma. Qualquer agente químico venenoso se decompõe e não há compostos que retenham suas propriedades por muito tempo. No primeiro ano perde 2% das suas capacidades letais, no segundo – 3% e os produtos de decomposição resultantes aceleram o processo de decomposição. É por isso que o armazenamento e uso de substâncias tóxicas é um grande problema, que, além disso, são mais cara do que a sua produção.

VOR: Você disse que no assassinato de Skripal e da sua filha, poderiam ser usadas as armas binárias...
Arma binária do KGB que matou em 1959 o líder nacionalista ucraniano Stepan Bandera
VM: Sim, por causa das dificuldades de armazenamento e do uso, ninguém hoje produzirá o chamado “produto final”. Produzirá componentes individuais, relativamente inofensivos, que são unidos imediatamente antes do seu uso.

VOR: E essa produção pode ser escondida?
VM: Sim, por exemplo, simultaneamente ao desenvolvimento de uma substância [venenosa] promissora, na época dos testes já em andamento, está sendo desenvolvido um pesticida agrícola, que basicamente repete essa substância em suas características. Ou seja, a produção dos chamados “semi-produtos”, que são componentes de armas binárias, pode ser conduzida de maneira bastante oficial. Em algumas empresas, eles podem executar um plano de produção de pesticidas, mesmo sem perceber que estão realmente produzindo armas químicas.

VOR: Do seu ponto de vista, até que ponto foi fácil transportar essas substâncias através das fronteiras e depois usá-las?
VM: Não é muito difícil. Você precisa de duas ampolas de vidro, um agente de alta pressão, por exemplo – a gasolina leve e volátil. As ampolas devem ser quebradas antes do uso, e as substâncias misturadas darão a mistura desejada. Então, o resultado pode ser pulverizado como um aerossol. Mas esta é uma opção muito básica, e tenho certeza de que o FSB poderia criar uma maneira mais sofisticada.
Especialistas britânicos junto ao banco em que foram achados os Skripal
VOR: Você acha que o atentado contra o ex-coronel Skripal foi “enfaticamente demonstrativo”. Ou seja, os responsáveis contaram que os vestígios do “Novichok” serão encontrados?
VM: Eu não penso assim. Isso é realmente uma punição demonstrativa, mas na minha opinião, Moscovo tinha certeza de que ninguém encontraria vestígios da substância. Esta “substância” não existe oficialmente, não é mencionada em nenhuma das listas da OPAQ. Quase 30 anos, ninguém se envolveu no seu desenvolvimento. É óbvio para mim que Moscovo estava contando com o facto de que ninguém os apanharia.

VOR: Após o incidente com Sergei Skripal, você, como um dos criadores do “Novichok” foi contatado pela OPAQ ou por alguma outra organização internacional?
VM: Não, ninguém falou comigo, exceto os jornalistas.

  
Bónus

A polícia britânica encontrou o local primário do envenenamento
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O ex-agente do GRU Sergei Skripal e sua filha Julia foram expostos pela primeira vez ao veneno na casa do ex-espião em Salisbury. A maior concentração desta substância foi detectada na porta de entrada do edifício, segundo a polícia britânica.

Vestígios do agente nervoso, que foi usado no envenenamento dos Skripal foram encontrados em vários outros endereços, mas em menor concentração, disse o vice-comissário-adjunto da Polícia, Dean Haydon. O trabalho de especialistas nesses locais é concluído, o mesmo será aberto à presença dos policiais de Wiltshire.

A investigação estabeleceu o alegado local de envenenamento como resultado de exames detalhados. Nas próximas semanas e, talvez, meses, os investigadores continuarão estudando a casa completamente, tanto no interesse da investigação, quanto por razões de segurança, explicou Haydon.

Investigadores continuam estudando a gravação de câmaras de segurança com uma duração total de mais de 5.000 horas e estudam mais de 1.350 pistas. Eles encontraram cerca de 500 testemunhas e gravaram os testemunhos de centenas de pessoas.

Blogueiro: a última informação da polícia britânica apenas confirma a tese do Vil Mirzayanov, possivelmente não houve nenhum ataque direto e tudo foi feito para que os vestígios não fossem encontrados.