segunda-feira, março 19, 2018

Ucrânia: uma fixer ucraniana na linha de frente

Numa série de três episódios que contam sobre o trabalho dos fixers (aranjadores), Al Jazeera falou com uma profissional que cobre a guerra russo-ucraniana no leste da Ucrânia.

por: Amira Abujbara, Aljazeera English

Para os fixers, as notícias são muitas vezes pessoais. Eles são residentes locais, às também vezes são jornalistas, que servem como guias para correspondentes estrangeiros.

Equipados com conhecimentos locais íntimos, encontram histórias, asseguram entrevistas e traduzem para correspondentes que podem ter pouca experiência do país do qual estão fazer as suas reportagens. Muito depois de os correspondentes terem ido embora, os fixers permanecem nas suas comunidades.

Se eles fossem associados à uma história controversa, as consequências podem ser severas – desde perseguição da opinião pública, prisão ou mesmo pior – independentemente, de o fixer tiver (ou não) alguma influência sobre como a história foi contada.

Em 2017, os 450 fixers e repórteres dos 70 países foram perguntados sobre o seu relacionamento com os jornalistas, no decorrer de uma pesquisa do Global Reporting Centre.

A maioria dos fixers disse que se sentiram que eles eram frequentemente ou sempre usados para obter orientação logística; muitos disseram acreditar que sua confiança tinha sido violada – alguns em termos de conteúdo editorial, para outros em assuntos financeiros. Muitos disseram que raramente receberam crédito por uma história e um pequeno número disse que eles – ou os seus parentes – foram colocados em posição prejudicial, no futuro.

Mas a possibilidade de ajudar a moldar a maneira como seus países estão representados na imprensa/mídia internacional pode ser uma atração poderosa, mesmo que isso signifique arriscar suas vidas.

Na primeira reportagem de uma série de três partes dedicada aos fixers, uma ucraniana fala sobre sua vida na linha da frente.

Desde a [Revolução de Dignidade / movimento Maydan] de 2014, Kateryna M., trabalhou com a BBC, Reuters, Al Jazeera e outros meios de comunicação social para cobrir [a guerra russo-ucraniana] no leste da Ucrânia.
Kateryna Malofeyeva (29) | foto @Roger Waleson
Não tenho medo de bombardeamentos, não tenho medo de balas. Tenho medo dos seres humanos, porque neste conflito você nunca sabe quem são seus amigos e quem são seus inimigos.

Foi muito fácil no início do conflito [ser um fixer] porque ambos os lados estavam normalmente interessados ​​em mostrar-lhe as coisas, eles queriam puxá-lo ao seu lado. Mas, mais tarde, uma vez que o conflito começou a se desenvolver, os serviços de segurança começaram a operar.

Os serviços de segurança podem considerar você como um espião, eles podem verificar seu telefone, verificar seus documentos, eles podem entrar na sua casa. Este é o ponto em que todas as organizações de mídia normalmente já estão ausentes, eles vêm cá por duas semanas, fazem as suas reportagens e você fica sozinha.

Os fixers são algumas das pessoas mais vulneráveis ​​neste conflito. Conheço muitas pessoas [de ambos os lados] ameaçadas ou detidas ou interrogadas. Emocionalmente é muito difícil.

Como fixer você sente uma responsabilidade para com seus jornalistas, porque você conhece a área melhor do que eles. Às vezes, eles não entendem a situação. Eu sempre confiei no meu sentido do perigo. Eu confio na minha intuição, então eu sabia quando era perigoso e quando não era, se devíamos ir ou se não deveríamos.

Tudo é feito na base da confiança pura. Você não possui nenhum seguro. Durante o meu primeiro ano, trabalhei sem um colete de prova de bala, sem equipamentos de segurança, sem kit médico, porque mesmo os meios de comunicação muito conhecidas não os forneciam.

A taxa diária normal para um fixer é entre 100 dólares e, ao máximo de 200-200 euros diários. Antes eu pensei que este era um dinheiro muito bom, mas agora já não [por causa de] aumento de custos e despesas de vida.

Conheço alguns jornalistas que começaram como fixers e acreditam em mim, 80% da história depende do fixer. O que é interessante é que você nunca é mencionado como contribuinte da matéria. Você ajuda os jornalistas a fazer grandes histórias, e você nunca obtém vantagens pelo seu trabalho. Talvez você não seja mencionado por razões de segurança. Mas as organizações de imprensa/mídia devem ajudar aos fixers com algum tipo de treino.
As dicas de segurança por Michelle Shephard (na foto)
foto @ijnet.org
Ser uma mulher na linha de frente é bastante fácil, porque [você pode] imaginar soldados que ficam na linha de frente por seis meses sem ver uma mulher. Eles sempre querem oferecer-lhe os [presentes], eles sempre querem mostrar-lhe coisas porque precisam de mulheres. Às vezes, nos pontos de controlo você não sabe o que esperar, pode haver um sujeito bêbado com uma arma, e ser uma mulher fixer ajuda porque basta apenas sorrir para eles e o nível de raiva diminui.

Eu não fui diretamente [sexualmente] assediada. Havia algumas coisas meio-nojentas, como quando um tipo começou a cheirar o meu cabelo e disse: “eu não cheirei uma mulher por seis meses, posso cheirar você?” Mas eu diria que aquilo não era um assédio.

Ontem falei com uma garota de 10 anos. Eu perguntei: “Como você estuda, você vai para a escola?
Ela me respondeu: “Eu estava sentada à mesa e fazendo a lição de casa e de repente houve uma explosão e as janelas tremeram e a porta foi aberta pela onda de explosão”.

Você pensa “oh, meu Deus, ela é um anjo completo”, e não sabe como ajudá-la. É uma situação irreal. E foi assim durante anos. E eles dizem que o conflito está congelado, mas não está congelado. Posso confirmar que não está congelado.

Esta entrevista foi editada [pela Aljazeera] para maior clareza e duração e traduzida ao português por @Ucrânia em África.