sexta-feira, julho 26, 2019

Ucrânia apreende navio russo usado no bloqueio do Mar Azov em 2018

A secreta ucraniana SBU e Procuradoria/Promotoria Militar apreenderam o petroleiro russo “Nika Spirit” que sob o nome de “Neyma” participou do bloqueio dos barcos ucranianos “Nikopol”, “Berdyansk” e “Yani Kapu” no estreito de Kerch que resultou na prisão dos 24 marinheiros ucranianos em 25 de novembro de 2018.
“Nika Spirit” apreendido no porto de Izmail, 25/07/2019
Na altura, “Neyma” executou a ordem para fechar o estreito de Kerch para a passagem dos navios ucranianos. O navio, de jure, pertence à agência de navegação FOS Shipping Management/Altomar Shipping, mas de facto, desde de janeiro de 2018 é uma propriedade da empresa “Yuvas Trans”, da cidade de Kerch, detida pelos Yaroslav Naroditsky e Roman Teplukhin, ambos residentes da Crimeia ocupada, escreve Yuriy Butusov.

Por iniciativa da Procuradoria/Promotoria Militar, de acordo com a decisão do Conselho Nacional da Defesa e Segurança (RNBO) da Ucrânia e o decreto do Presidente da Ucrânia de 19 de março de 2019, contra empresa “Yuvas Trans” foi imposta uma sanção com duração de 3 anos, que previa a detenção de todos os bens da empresa.
Oficiais ucranianos da Procuradoria/Promotoria Militar ao bordo de “Nika Spirit”,
apreendido no porto de Izmail, 25/07/2019
Na noite de 24 a 25 de julho, o petroleiro “Nika Spirit” navegou sob a bandeira da federação russa até o porto ucraniano de Izmail. Era “Neyma” com um novo nome – mas o código de identificação da embarcação é o mesmo – IMO – 8895528, de acordo com dados do sistema internacional EQUASIS (o Ministério do Negócios Estrangeiros/Relações Exteriores da Rússia já confirmou que “Nika Spirit” anteriormente se chamava “Neyma”).
Tripulação de “Nika Spirit” deixa Ucrânia rumo à Moldova | SBU
O navio foi apreendido e 10 membros da sua tripulação foram detidos, mas dado que armador fez a questão de mudar toda a tripulação anterior, antes da sua saída de Kerch e que não há evidências de seu envolvimento no ataque aos marinheiros ucranianos no Estreito de Kerch, todos os marinheiros russos foram libertados pelas autoridades ucranianas.
A navegação entre Kerch e Izmail decorreu durante três dias, durante bastante tempo o petroleiro ficou parado perto das águas territoriais da Ucrânia. É provável que os serviços especiais russos esperassem uma captura forçada do navio nas águas internacionais, querendo verificar a reação ucraniana. Nada aconteceu e navio entrou em Izmail sob duas bandeiras – ucraniana na proa e russa na popa. Ou seja, o armador da “Nika Spirit”/“Neyma” sabia dos possíveis problemas e tentou camuflar o barco.

Além disso, em 24 de julho, as autoridades russas do porto de Eysk detiveram o navio ucraniano “Lizori” com 14 marinheiros ao bordo, sob acusação de “condições técnicas insatisfatórias” e “atrasos no pagamento de salários” (Sic!) Não é de excluir que as autoridades russas, tentaram mostrar que estão prontos para deter qualquer navio ucraniano sob qualquer pretexto se “Nika Spirit”/“Neyma” for detido em Izmail.

“Nika Spirit” entrou em Izmail para os trabalhos de reparação nas instalações que são a propriedade do Anatoly Urbansky – o chefe do Conselho Regional de Odessa, que no domingo passado (21/07/2019) venceu as eleições ao Parlamento da Ucrânia.

O petroleiro veio sem carga, o navio provavelmente poderia ser reparado em Kerch. Muito possivelmente as autoridades russos e o armador verificavam, dessa maneira, a possibilidade de uso dos portos ucranianos, para as ações de contrabando entre Crimeia ocupada e Ucrânia, face as recentes mudanças políticas no país, testando a reação do SBU.

Mas enquanto o navio-tanque navegava ao Izmail, a Procuradoria/Promotoria militar, o departamento de contra-inteligência do SBU e a sua sede regional de Odessa receberam informações operacionais e prepararam a detenção de “Nika Spirit”/“Neyma”. Pelo menos 20 pessoas tinham informações sobre a operação – não houve nenhum “vazamento”.
“Nika Spirit” ainda “Neyma”
Após a detenção do petroleiro, SBU e Procuradoria/Promotoria militar apreenderam os diários de bordo e as gravações de comunicações de rádio, interrogaram os membros da tripulação. SBU pretende submeter ao tribunal um pedido formal de detenção do petroleiro como prova no âmbito da investigação do bloqueio de navios ucranianos no Estreito de Kerch.

Apenas 20 minutos após a detenção do navio, surgiu a primeira reação da imprensa/mídia russa, a agência de notícias RIAN publicou um comentário do senador russo Vladimir Dzhabarov, que disse: “Se Kiev quer melhorar um pouco as nossas relações, eles devem liberar imediatamente o petroleiro”.

Em 2018 por violações das leis ucranianas, Ucrânia deteve dois navios russos “Mechanic Pogodin” e “Nord”, até hoje sob a custódia. Agora “Nika Spirit” lhes fará a companhia.

A decisão da detenção foi aprovada pelo presidente Zelensky no dia anterior, em 24 de julho, a decisão não foi fácil, já que era óbvio que a detenção do navio poderá levar às ações de retaliação por parte da federação russa.

A detenção de Neyma é a resposta lógica à recusa da federação russa em cumprir a decisão do Tribunal Marítimo Internacional, que acusou a federação russa de deter ilegalmente 24 marinheiros e 3 barcos ucranianos, aprisionados no Mar Azov em 25 de novembro de 2018, e exigiu a sua libertação imediata.
“Neyma” à bloquear o estreito de Kerch em 25 de novembro de 2018
Por sua vez, as autoridades russas efetuaram as buscas no escritório da empresa armador de “Nika Spirit” em Gelendzhik. Como informa agência russa TASS, as autoridades russas querem perceber “razões para o envio do petroleiro para Ucrânia”.

Blogueiro: o sucedido se pode explicar por 3 teorias principais. 1) “O efeito Trump”, quando após se eleger e ganhar a maioria simples no parlamento, o presidente Zelensky já não precisa da cartada de “melhoramento das relações com Rússia”. 2) “Birra do menino Ze”: aparentemente houve a promessa russa de bastidores (verbal e simplesmente esquecida no dia seguinte) do que os 24 marinheiros ucranianos capturados no Estreito de Kerch serão libertados à troco da posição permissiva do presidente da Ucrânia na questão da reentrada da Rússia na OSCE; 3) “Teatro para os crédulos”: quando as duas administrações, russa e ucraniana, fazem o teatro para preparar a opinião pública à ideia da troca necessária dos POW (mas a libertação dos marinheiros russos pelo SBU enfraquece bastante essa teoria).

As vossas teorias, queridos leitores, são bem-vindas! ;-)

quinta-feira, julho 25, 2019

Áustria anuncia a procura internacional do espião russo do GRU

As autoridades austríacas anunciaram publicamente a busca internacional do cidadão russo Igor Yegorovich Zaitsev (65), sob acusação formal de espionagem e serviço à favor da secreta militar russa, GRU.

De acordo com a imprensa austríaca, o caso Zaitsev (06.04.1954) está relacionado com o caso do coronel do exército austríaco, residente em Salzburg, já reformado/aposentado, de 70 anos, suspeito de espionagem à favor da Rússia, caso que se tornou público no final de 2018.

O coronel começou a trabalhar para a inteligência militar russa desde 1988, recrutado em Teerão, recebendo, pelo seu serviço a quantia global de 300.000 euros de recompensa, escreve jornal austríaco Kronen Zeitung. Até ultimamente coronel não aceitava reconhecer a sua culpa.

Segundo o jornal, a Áustria conseguiu deter o espião graças à ajuda de serviços de inteligência estrangeiros amigáveis. Segundo alguns relatos, a contra-inteligência militar austríaca recebeu informações sobre o suposto espião da Alemanha. Durante a detenção do espião, foi-lhe apreendido um laptop, estudado agora por especialistas. Um processo foi instaurado contra o coronel nos termos do artigo 319º do Código Penal austríaco (serviço de inteligência militar no interesse de um Estado estrangeiro), sendo a pena máxima de apenas dois anos de prisão.

O suspeito de espionagem ocupava um “posto discreto” na sede do exército austríaco, segundo o Kronen Zeitung. A cada duas semanas ele entrava em contato com seu curador russo, chamado Yuri. Em cartas criptografadas ou através de comunicações via satélite, o coronel transmitia aos russos as informações secretas sobre os sistemas militares de aviação e da artilharia na Áustria, bem como sobre a situação dos migrantes no país. Além disso, ele preparava os dossiers detalhados sobre oficiais austríacos de alta patente. Em 2006, o coronel tentou abandonar seu trabalho de inteligência, mas a inteligência russa o “persuadiu” a continuar trabalhando. Quando na Rússia perceberam que o seu espião provavelmente será descoberto, ele recebeu a ordem de destruir todos os materiais comprometedores. Mas foi detido antes que ele pudesse fazê-lo...

quarta-feira, julho 24, 2019

O dia em que a bandeira nacional da Ucrânia foi erguida em Kyiv

No dia 24 de julho de 1990, pela primeira vez e oficialmente, após 70 anos de ocupação comunista, na capital da Ucrânia foi erguida a bandeira ucraniana azul-amarela. 13 meses antes da proclamação da Independência da Ucrânia em 24 de agosto de 1991.

Kyiv não foi a primeira cidade ucraniana que ergueu a bandeira nacional. Primeira bandeira foi erguida em Lviv, sobre o edifício histórico da Ratusha, no dia 3 de abril de 1990. As bandeiras da Ucrânia também foram erguidas em edifícios municipais de algumas cidades da Ucrânia Ocidental e Central: Striy, Ivano-Frankivsk, Zhytomyr.
Bandeira nacional em Lviv, praça Rynok, 2/04/1990
A câmara municipal de Kyiv era composta por 300 deputados, efetivamente eleitos foram 291, em 9 circunscrições não houve as eleições, também havia deputados que ao mesmo tempo foram eleitos ao Parlamento da Ucrânia, etc. No verão de 1990 o município de Kyiv realmente contava como cerca de 270 deputados: 110 pertenciam ao Bloco Democrático, 130 – ao bloco comunista, chamado de “Bloco dos comunistas e dos sem-partido” e 30 deputados criaram o Centro Democrático.
Bandeira nacional da Ucrânia nas ruas de Kyiv, atual Maydan, 24/07/1990
Foto: nazarenko.ucoz.ua
No dia 24 de julho de 1990 começou a reunião da liderança do município de Kyiv. O comité municipal do partido comunista da Ucrânia estava categoricamente contra a votação e aprovação da bandeira nacional da Ucrânia. O comité do PC até organizou naquele dia uma greve fake dos condutores dos troleicarros, tudo para interromper a secção e impedir a decisão sobre a bandeira.  
Bandeira nacional da Ucrânia em Catedral de Santa Sofia, 24/07/1990
Foto: nazarenko.ucoz.ua
Neste mesmo tempo, a bandeira nacional da Ucrânia, trazida clandestinamente de Lviv recebia a bênção no complexo de Santa Sofia, conjuntamente pelos sacerdotes da Igreja Ortodoxa Autocefálica da Ucrânia e pela Igreja Greco-Católica da Ucrânia.  
Bandeira nacional da Ucrânia nas ruas de Kyiv, 24/07/1990
Milhares de ucranianos acompanharam a bandeira, alguns eram vestidos de cossacos. [A própria bandeira erguida em Kyiv foi trazida de Lviv pelo Orest Karelin (1950), entusiasta da heráldica ucraniana, injustamente esquecido e ignorado por ser um monárquico e um sonhador acima da média. Mas as fotos testemunham, Orest está em quase todas as fotos da bandeira nacional erguida em Kyiv, amarrado à ela, e com uma cruz nas sua mãos].
Bandeira nacional da Ucrânia nas ruas de Kyiv, 24/07/1990Orest Karelin, no centro, único com a camisa bordada
Foto: nazarenko.ucoz.ua
O deputado-jurista Mykola Hrabar, funcionário da Procuradoria de Kyiv, fez a proposta original: “tomar a decisão protocolar”. Isso é, decisão que não precisava de ter quórum, nem de ser votada no plenário.
Foto: nazarenko.ucoz.ua
A decisão de erguer a bandeira ucraniana foi tomada imediatamente, e a bandeira foi erguida no mastro do Município de Kyiv, sobre a rus Khreschatyk. O coro Leopold Yaschenko começou a cantar o hino nacional da Ucrânia e o hino ucraniano religioso “Deus Grande, nos protege Ucrânia”:
Três semanas depois, já no dia 4 de setembro, foi votada a decisão oficial da Câmara Municipal de Kyiv, chamada “Sobre a legalização dos símbolos nacionais no território da cidade de Kyiv”. A decisão recebeu até o voto favorável de um único comunista: Mykola Nesterenko.
Bandeira nacional da Ucrânia erguida sobre avenida Khreshatyk em Kyiv, 24/07/1990
Faltavam 13 meses até a proclamação da Independência da Ucrânia, qua adoptou a bandeira ucraniana azul-amarela como a bandeira oficial do país recém-independente. Embora ainda antes do dia 24/08/1991, a bandeira azul-amarela foi votada favoravelmente e erguida em pelo menos dois conselhos distritais de Kyiv.
Bandeira nacional da Ucrânia erguida sobre avenida Khreshatyk em Kyiv, 24/07/1990
Foto: nazarenko.ucoz.ua
Nos próximos 13 meses, a bandeira sobre Khreschatyk tornou-se um local de peregrinação. Os recém-casados, anteriormente, no dia do casamento colocavam as flores junto ao monumento do Lenine, agora colocavam as flores junto à bandeira ucraniana. Era um lugar de adoração, um pequeno pedaço da Ucrânia independente na sua própria capital.

Como na ciência militar, os ucranianos naquele dia conseguiram assegurar um pequeno ponto avançado, personificado pela bandeira, erguida em 24 de julho de 1990, junto ao Conselho Municipal de Kyiv.

Depois disso, a bandeira ucraniana, foi de fa(c)to, legalizada em Kyiv. Cessaram quaisquer represálias da polícia e do KGB contra a bandeira ucraniana e dos seus portadores, porque a bandeira já pairava sobre as autoridades em Kyiv. À partir daquele momento, em todos os jogos de futebol do Dynamo Kyiv, o Estádio Republicano estava cheio de bandeiras azul-amarelas. Algo que nunca aconteceu antes.

terça-feira, julho 23, 2019

O livro “sagrado” dos rituais da ideologia comunista soviética

O livro “Ritualidade socialista” foi publicado em 1986 na Ucrânia soviética e explicava, detalhadamente, como realizar todos os tipos de rituais soviéticos “ideologicamente corretamente”, como adorar os ídolos e heróis soviéticos, como realizar ações ritualísticas para honrar vários cultos soviéticos, como o culto de pão.

O  livro é uma prova real do que a ideologia e sistema comunista é uma fé e uma seita religiosa — com os seus rituais, profetas (Marx e Engels), Messias (Lenine), cultos, paraíso (comunismo) e inferno (capitalismo).

Parcialmente é por isso se torna quase impossível convencer à realidade os amantes da URSS, anti-americanos ou anti-capitalistas – os seus pontos de vista não fazem parte do domínio de conhecimento, são a fé religiosa, que não necessita de provas e não segue a lógica linear.

02. A capa do livro “Ritualidade socialista” é feita de chita vermelha com as letras douradas, debaixo do título aparece o emblema do “ritualista socialista” – foice e martelo, embutidos numa base da estrela pentagonal. A estrela é um repto da cruz no Cristianismo, e o próprio livro deveria ser uma espécie de Auto da Fé – a publicação solene que explica como adorar apropriadamente as forças comunistas superiores.

03. Dividimos a análise do livro “Ritualidade socialista” em duas partes — textual e visual. A parte textual explica como devem ser feitos, corretamente, determinados rituais socialistas, a parte visual mostra a performance dos mesmos.

04. Praticamente todo o livro está escrito numa espécie de novilíngua bolchevique, que usa a sintaxe da língua russa, mas as frases criadas ficam sem nenhum nexo, descrevendo uma realidade paralela, inventada pelo autores da obra:
É excepcionalmente grande o papel dos feriados e rituais soviéticos na formação da consciência comunista dos trabalhadores, a mais alta qualidade característica do povo soviético.

05. O livro informa que calendário soviético possui 67 datas festivas (mais de uma por cada semana do ano), que, de acordo com os seus autores devem substituir os feriados cristãos. Os autores não escondem que querem substituir a “má religião cristã” pela “boa fé comunista”:
As tradições, feriados e cerimónias soviéticas, contribuem para a formação da cosmovisão científica e materialista dos soviéticos e são um meio eficaz de superar feriados e cerimónias religiosas.

Os autores, sem hesitar, proclamam que desde o seu nascimento, as mentes dos jovens estarão bombardeadas pela ideologia comunista, dizendo aos cidadãos que devem “avaliar os eventos” não do ponto de vista da realidade racional, mas do ponto de vista da propaganda soviética:
PCUS educará os soviéticos com um alto grau de consciência política e a capacidade de avaliar fenómenos sociais com posições de classe claras e defender os ideais e valores espirituais da sociedade socialista.

06. Um dos capítulos é chamado de “Formação e desenvolvimento de ritualidade soviética” e tem a subseção “Pré-requisitos para o surgimento e estágio inicial da formação de ritualidade soviética”. Na URSS neste tipo de pseudo-ciência eram engajados os institutos inteiros, foram defendidas milhares de “teses científicas” – tudo isso também se assemelha aos tratados teológicos, onde a “verdade” ou a “falsidade” é verificada apenas pela sua conformidade com os cânones religiosos.

07. Capítulos inteiros são dedicados à técnica do discurso ou a maneira correta de caminhar durante a execução dos ritos soviéticos:
Os ritualistas se movem não apenas no plano geral, mas também podem subir as escadas. Ao subir, é necessário colocar apenas os dedos e a base do pé no degrau, enquanto o peso do corpo se move no pé colocado no degrau superior.

08. Os cenários dos rituais soviéticos são desenhados em detalhes e são compostos de tal forma que levam as pessoas a ter sentimentos puramente religiosos – uma sensação de santidade do poder soviético e de blasfémia perante quaisquer tentativas de resistir ao sistema soviético.
Para isso às cerimónias são introduzidas os personagens puramente religiosas – o Mentor Estatal (uma espécie do Padre), Veterano (uma espécie de Ancião de cabelos grisalhos) e a Colectividade dos Trabalhadores (Povo) – perante qual é realizado este ou aquele rito e que promete punir severamente os camaradas desobedientes (hereges). É a mais pura religião medieval arcaica.

09. No final da parte textual aparecem uma espécie de orações soviéticas – dirigidas ao Comunismo e ao Culto do Pão:
Toda a terra nativa
É aquecida pelo sol do Kremlin.

Trator combinado – nos campos
Colheita – nos armazéns.

Onde os kolkhozianos se ajudarão –
Os rendimentos aparecerão.

Pão é a cabeça de tudo.
Pão é pai, água é a mãe.

Pelo curso de Lenine os povos foram –
Felicidade e liberdade  acharam.

Parte visual do livro

10. O rico material ilustrativo mostra exatamente como adorar corretamente os símbolos soviéticos e como se comportar adequadamente em vários feriados comunistas. O culto dos mortos está constantemente presente, são retratadas vários casos de caminhadas, em massa, rumo às sepulturas militares da época da II G.M.:
O ritualista, apontando para a tocha de casamento, diz: “Queridos recém-casados! Aceitem este fogo sagrado e carreguem-no através de seus corações ao longo de sua vida, multiplicando a glória de nossa Grande Pátria Soviética! Agora todos os participantes na cerimónia do casamento irão para a sepultura comum [militar].

11. Todos os feriados soviéticos também são descritos em detalhes. Onde deve ficar a mesa, a bandeira, o brasão de armas e os antepassados mortos encabeçados pelo vovô Lenine, onde devem ficar as pessoas, o que devem pensar e o que devem dizer. Dia do conhecimento. Festa popular comunista do Conhecimento Comunista:

12. Festa da Colheita – a celebração do arcaico culto de Pão, que foi celebrado na URSS.

13. O registo solene do casamento soviético.

14. Festa, detalhadamente descrita e chamada “Acompanhamento às fileiras das Forças Armadas da URSS”, se transforma num ritual completo. Citação: “O rito de passagem para as fileiras das Forças Armadas da URSS mobiliza jovens para adquirir os conhecimentos do equipamento militar moderno”.

15. Esboço gráfico da festa: “Iniciação ao operário”:

16. Esboço gráfico da “Festa do Primeiro Sino” [início do ano letivo escolar do 1º e 2º ciclo]:

17. Esboço gráfico da jubileu da “Grande Guerra Patriótica” [a guerra nazi-soviética de 1941-45. O início de uso da “fita da guarda”, que na década de 2010 se transforma em “fita de São George”]: 

18. Design do carro de transporte para os recém-casados [reles Gaz-21/24] e “estrelinhas nominais para os recém-nascidos”, uma espécie de crucifixos cristãs para a cerimónia do “estrelismo soviético”. Você recebeu uma estrela no seu nascimento, como você pode se rebelar contra o Comunismo?

19. Uma espécie de sacerdotes e sacerdotisas soviéticas – ritualistas em trajes solenes com medalhão da religião soviética:

20. [As colunas comunistas festivas no centro de Kyiv – na avenida Khreschatyk, no dia 1 de maio de 1986 vários presentes nesta coluna foram coagidos – “ou estarás presente, ou serás expulso do PCUS...”]

21. O livro era publicado “para uso oficial” dos diversos comités executivos do nível provincial, distrital e local. Para a leitura e assimilação dos diversos parasitas soviéticos. A sua tiragem inicial foi de 115.000 exemplares, a 2ª edição chegou aos 150.000 exemplares.

Imagens e texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

segunda-feira, julho 22, 2019

Ucrânia fez a sua escolha, é menos má, podia ser muito pior

As legislativas ucranianas decorreram neste domingo, partido do presidente eleito ganha a maioria dos mandatos, mas fica abaixo da maioria simples (226 deputados), abstenção histórica foi superior aos 50%.
Boa notícia é que todos aqueles que nos últimos 5 anos se dedicaram à propaganda anti-Poroshenko não entram no futuro parlamento ucraniano: coronel Hrytsenko, presidente do conselho municipal de Lviv – Andriy Sadoviy (seu partido Samopomich consegue apenas 0,6% de votos), nacionalistas com slogans e ideias esquerdistas, encabeçados pelo Oleh Tiahnybok (a sua lista conjunta dos nacionalistas unidos consegue cerca de 2% de votos), o ultra-populista Oleh Liashko, populista georgiano Mikheil Saakashvili... Todos foram dispensados e todos vão para uma espécie de lixeira política.

É especialmente caricato, se recordarmos, que muito recentemente Andriy Sadoviy sonhava com o posto do Primeiro-ministro (e em 2014 era uma figura presidenciável).

As próximas eleições municipais, muito possivelmente também antecipadas, poderão mudar, por completo, a composição política da Ucrânia.

Bónus

Prognóstico das eleições, dado pelo mentor e financiador do presidente Zelensky – oligarca ucraniano Ihor Kolomoysky nas vésperas das eleições:
Pelo meu prognóstico o Empregado/Servidor do Povo irá eleger 115-125 deputados pela listas partidárias, outros 40-70 deputados elegerá pelos circuitos uninominais (são 199 mandatos). Para a maioria faltarão cerca de 50 votos.

Significa que terá que formar a coligação/coalizão. Não se pode fazer coligação com Poroshenko ou Plataforma de Oposição, então sobram Vakarchuk (Holos) e Tymoshenko (Batkivshyna).

A opção mais preferida é a coligação com Vakarchuk, mas Tymoshenko também é uma boa possibilidade, se apresentará as exigências razoáveis aos postos governamentais. Nem podemos descartar, de tudo, mesmo a Plataforma de Oposição, se eles optarem pelo rebranding (fonte).

Bónus II
Na cidade de Lisboa votaram apenas 729 eleitores (dos cerca de 50.000 ucranianos residentes em Portugal); em Roma também votaram menos de 1.000 eleitores dos 8.009 lá registados. Na Austrália votaram apenas 4% dos 1.541 eleitores registados.

domingo, julho 21, 2019

Batalha na IOR: patriarca Kirill vs «confessor do Putin»

O líder da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), patriarca Kirill/Cirilo iniciou a guerra sem quartel contra o poderosíssimo metropolita Tikhon, conhecido como «confessor do Putin». Neste momento, as chances da vitória final dos dois poderosos apparatchik da IOR são sensivelmente iguais.

De acordo com análise do jornal russo Novaya Gazeta, o metropolita de Pskov, Tikhon (Shevkunov), é o mais forte candidato para se tornar o próximo líder da IOR. Possuindo uma espécie de “livre-trânsito” para entrar nos mais altos gabinetes do Kremlin e da Lubyanka (sede do FSB), tendo a reputação de “confessor do Putin” (que Tikhon e Putin nem confirmam, mas também não desmentem), criador de um mosteiro e seminário exemplar de Sretensky (com uma editora e um coro também exemplares), ele acumulou biliões de rublos estatais e de patrocínios privados, para a construção de grandiosos “parques históricos” por toda a Rússia (levando os russos à uma ideologia “certa”), sendo alegado autor do bestseller “Santos profanos” – o livro ortodoxo com a maior tiragem de toda a história soviética e pós-soviética. Parecia que nada pararia a ascensão do “arquimandrita de Lubyanka”, que se tornou o metropolita de Pskov, aos mais altos patamares da IOR.

Até que o patriarca Kirill decidiu agir, antes que seja demasiadamente tarde.

O que aconteceu?

Em 9 de julho de 2019, o sínodo da IOR decorreu, pela primeira vez na história, na ilha remota de Valaam, sob as fortes medidas de segurança prestadas pelo Serviço Federal da Proteção (FSO), organismo estatal russo que zela pela proteção física das altas personalidades do Estado e do governo russo.
Igreja do eskete de São Vladimir, onde pela primeira vez na história, em 9 de julho de 2019, foi realizada uma reunião do sínodo da IOR. No centro está o patriarca Kiril. Foto: o serviço de imprensa do patriarca Kirill/Cirilo
Uma das decisões mais sensacionais deste sínodo foi a decisão unilateral do Kirill de iniciar o processo de «optimização» do sistema de educação eclesiástica da IOR. Cujo primeiro passo será a unificação compulsiva e urgente (com apresentação das medidas à seguir já no dia 1 de agosto de 2019) do seminário de Sretensky e academia de Moscovo.

O que seguirá?

O sistema da educação eclesiástica russa está numa crise profunda. Para garantir a não-fuga dos alunos, IOR introduziu uma espécie de “servidão” – quando graduados de academias e seminários da IOR assinam obrigações legalmente válidas, se comprometendo, de, por, pelo menos três anos, após receber o diploma, trabalhar na igreja ou então devolver à IOR as quantias astronómicas gastas na sua formação.
Seminário Sretensky em Moscovo. Foto: Victoria Odissonova / Novaya Gazeta
Quer o seminário de Sretensky, quer academia de Moscovo possuem os programas educativos equiparados ao nível do bacharelato e à magistratura. Os seus diplomas possuem o valor igual, embora, o seminário Sretensky detinha o estatuto não oficial de exemplar e constantemente apresentava o aproveitamento escolar superior à academia moscovita.

Mas na lógica implacável dos apparatchik da IOR, o arquirrival pessoal do patriarca tem que ser aniquilado, o ninho de Tikhon (Shevkunov) tem que ser completamente devastado.

Quo Vadis?

Durante os dez anos da sua liderança da IOR, o patriarca Kirill conseguiu erradicar, quase completamente, todos e quaisquer bolsas de oposição dentro da igreja e construir um forte vertical de poder – talvez até mais forte do que na própria Rússia de Putin. Ninguém de seu séquito se atreve a contradizê-lo.

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O metropolita derrotado Tikhon, está tentando se desdobrar em Pskov, transformando-o em um centro alternativo da IOR. Ele está lá construindo o maior de seus “parques históricos”; conseguindo atrair os fundos de ricos patrocinadores moscovitas para o restauro dos mosteiros-chave da região e da catedral da diocese. Neste outono Tikhon pretende abrir um seminário local no mosteiro Pskov-Pechora, onde está planeando construir um análogo de Sretensky. Tikhon é um perfeccionista, mas em Pskov falta-lhe o “material humano”. Em Moscovo quase cinco mil fieis se consideravam seus paroquianos, em Pskov, em todos os 26 templos da cidade, há apenas 1.600 paroquianos cativos. Um número ínfimo deles são jovens.

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Tikhon (Shevkunov) é adepto do “projeto neo-bizantino” da Rússia (parte da agressiva doutrina do mundo russo), ele promulga o mito da “unção divina” do Putin e defende a sucessão espiritual da história soviética e imperial russa. Mas o ataque que ele vive no seio da IOR não está ligado à ideologia. O patriarcado russo, de igual modo, esmagaria qualquer outro notável, com quaisquer tendências ideológicas, se a sua importância e influência pudessem, de alguma forma, ameaçar o poder quase absoluto do patriarca russo.
Putin e metropolita Tikhon. Foto: RIAN
Conhecendo as extensas conexões do metropolita Tikhon no topo das estruturas de poder estatal russo, é difícil livrar-se da impressão de que o que está acontecendo com ele é uma projeção na vida da IOR da “batalha dos titãs”, que já se desenrola em torno da “transferência de poder” nas vésperas do fim da era Putin. Tal como é impossível prever o resultado da batalha entre os clãs, elites e grupos de influência do poder russo, também é impossível prever o desfecho da luta na IOR. As chances das partes, por enquanto, são sensivelmente iguais.