sábado, junho 29, 2019

O retrato triste mas fiel de um típico homem soviético

O visual do típico cidadão soviético das décadas de 1960-90 era simplesmente inconfundível. Principalmente nos homens: os fatos/ternos permanentemente amarrotados e mal feitos, dentes maus/ruins e ausência de um bom penteado.

Com apenas um reparo, na verdade, muitos cidadãos da URSS queriam ter uma outra vida melhor e após a queda da União Soviética começaram à viver de forma absolutamente diferente — se dedicar aos negócios, trabalhar para si mesmo, ganhar dinheiro, etc. Assim, o seu visual mudou radicalmente – eles começaram se vestir decentemente, arranjaram os dentes, seguiam as dietas e melhoraram a figura.
Ator britânico Jared Harris no papel do académico soviético Leonid Legasov
Na recente série sensacional “Chernobyl”, os atores britânicos e americanos conseguiram reencarnar, com a maior precisão possível, os cidadãos soviéticos. Os maquilhadores, figurinistas e produtores fizeram um trabalho incrível – reproduzindo os moradores da URSS de maneira absolutamente fidedigna.

1. Má figura e má pele

Os cidadãos soviéticos, em massa, não tinham nem o tempo, nem a motivação, nem as instalações para se dedicar ao desporto de forma a manter a sua saúde (alguns entusiastas claramente eram apenas a excepção da regra geral).
Uma cervejaria soviética sob o teto
Em segundo lugar (mas talvez é à razão principal), a má figura soviética era o fruto de uso, durante décadas, de alimentos de má qualidade – a boa carne ou frutos do mar eram um deficit terrível na URSS, a dieta soviética tinha pouquíssimos legumes frescos e um excesso de carboidratos: cereais, batatas e massas. Por isso, na idade de 35-40 anos, a figura de um homem soviético médio adquiria uma silhueta reconhecível – a barriga inchada, que se destacava ainda mais por causa de uma forte lordose lombar (por falta de exercícios físicos), e na parte superior do corpo havia ombros estreitos e braços magros.

Adicionando à isso a má aparência, a pele cor de cinza amarelado ou cinza “cor-da-terra” e má pele. Na URSS a maioria absoluta de homens e um número considerável de mulheres fumavam, naturalmente os cigarros soviéticos desagradáveis ​​com tabaco extremamente prejudicial, com uma grande percentagem de substâncias carcinógenos e alcatrão. Além disso, o tabaco soviético era cultivado e secado com a ajuda de agro-químicos, que ingeridos com o fumo também não aumentavam a saúde dos fumadores. Acrescente a isso o trabalho prejudicial à saúde e pesado nas fábricas soviéticas – e você entenderá por que as pessoas tinham toda essa aparência.

Dentes maus/ruins 
A venda da "boa carne" soviética em algum mercado kolkhoziano
Na URSS os alimentos e a situação ecológica geral eram bastante más/ruins, mas a odontologia era REALMENTE péssima. Por causa da má qualidade nutricional e da ecologia pobre, os cidadãos médios começavam à perder os dentes aos 35-40 anos, ou mesmo antes – e a ausência de odontologia de qualidade apenas reforçava este estado de coisas. URSS fabricava os mísseis e foguetes, mas não conseguia fabricar uma prótese dental ou uma pasta dentífrica em condições.
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Até a década de 1990, a URSS produzia e comercializava o “pó dentífrico” – um abrasivo que gastava os dentes quase até a raiz, razão pela qual os dentes mais ou menos saudáveis ​​se transformaram numa espécie de presas cinzentas. Mesmo as estrelas de cinema soviético – cuja aparência era o seu ganha-pão – raramente tinham bons dentes, e quase em todos os filmes soviéticos o povo sorria ao estilo “cú de frango”, timidamente escondendo os dentes estragados.
Ao mesmo tempo, a propaganda soviética ridicularizava, por todos os meios, o modo de vida e os sorrisos saudáveis dos americanos – “eles estão sorrindo com todos os dentes, provavelmente não são pessoas, mas robôs!” (o conto soviético Secretário Capaz de 1959).

Má roupa, mau calçado e maus acessórios

As roupas soviéticas comuns eram uma merda, pareciam uma merda e eram feitas dos materiais mais ruins e baratos. Os fatos/ternos masculinos eram castanhos/marrom-acinzentados e pareciam algum tipo de roupa de trabalho, os fatos/ternos femininos também não eram melhores. Tudo era feito de tecidos pesados ​​de lã com a adição de materiais sintéticos – eram simplesmente insuportáveis.
A compra de leite ou de kvas ao céu aberto
As mulheres tentavam costurar algo, usando tecidos mais ou menos decentes, partilhando e trocando os padrões de costura que valiam seu peso em ouro. Um bom paletó só podia ser encomendado no ateliê e custava desde 150 rublos (desde 2 salários mínimos ou um médio, desde 254 dólares ao câmbio oficial). Roupas bonitas começaram a aparecer apenas no fim da década de 1980 – quase no fim da URSS.

O calçado soviético deixava entrar água, era feio e custava caro – as botas femininas minimamente atraentes custavam desde 80 rublos. O sonho do homem soviético era “conseguir” sapatilhas/tênis checoslovacos “Botas” ou sapatos Salamander produzidos na RDA. A URSS era simplesmente era incapaz de produzir o calçado decente.

Mas o verdadeiro horror eram os acessórios. Basta recordar os horríveis óculos soviéticos “à Chikatilo”, pesados, eles pressionavam fortemente o nariz e cobriam metade do rosto – transformando até mesmo um homem bonito numa aberração com dois “televisores” na face.

Desarrumação geral

Além disso, existia nos cidadãos uma certa desarrumação geral – no “país dos sovietes”, ter uma boa aparência considerava-se um “mau tom”, uma espécie de desafio público ao Estado dos operários e camponeses, o cidadão soviético médio procurava se parecer bastante cinzento – para não ser considerado um stilyaga.
Uma cervejaria soviética ao céu aberto
No cinema soviético, até a época da Perestroika, uma personagem de boa aparência e de boas maneiras sempre era um herói negativo – e/snobe, arrogante, tentando de todas as maneiras romper com o “coletivo” e fugir ao seu honroso dever de construir o comunismo. Ainda na década de 1970-80 as patrulhas da juventude comunista Komsomol, podiam cortar, à força, os cabelos “demasiadamente cumpridos” dos rapazes ou rasgar/estragar as suas roupas se as considerar “indecentes”. 
Stilyagi na URSS, última foto é de 1984
As meninas podiam ser e eram fortemente criticadas nas reuniões do Komsomol pela sua “aparência imprópria burguesa” [as roupas elegantes e bonitas, corte de cabelo “demasiadamente ocidental”, unhas bem cuidadas e pintadas]. Ao contrário, os tipos bêbados e desleixados eram considerados algo como “proletários” e da “classe trabalhadora”.

O país da legítima infelicidade. Em jeito de epílogo.

Ao tudo o que foi descrito acima, é necessário acrescentar a humildade e opressão geral – o cidadão soviético médio sempre teve medo dos chefes e diretores, tentava, de todas as maneiras possíveis e imaginárias, ser indistinguível da multidão. O fato/terno amassado e mal ajustado acinzentado, uma camisa ligeiramente amarfanhada e amarelada, devido às numerosas lavagens, um cinto de cabedal/couro gasto, o relógio com uma pulseira oxidada, óculos de aro de tartaruga, sapatos gastos e empoeirados.

Essa aparência de cidadãos soviéticos foi ditada, em primeiro lugar, pelo baixo padrão de vida real na URSS e, em segundo lugar, pela memória genética das repressões estalinistas – quando Estado matou todos os melhores e mais brilhantes. Não se destaque, seja mais cinzento possível, tente ser invisível aos olhos das autoridades, não expresse a sua opinião, não sorria, tente parecer infeliz – e então o Estado não te tocará...

Fotos: arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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