O
visual do típico cidadão soviético das décadas de 1960-90 era simplesmente
inconfundível. Principalmente nos homens: os fatos/ternos permanentemente amarrotados
e mal feitos, dentes maus/ruins e ausência de um bom penteado.
Com
apenas um reparo, na verdade, muitos cidadãos da URSS queriam ter uma outra vida
melhor e após a queda da União Soviética começaram à viver de forma absolutamente
diferente — se dedicar aos negócios, trabalhar para si mesmo, ganhar dinheiro,
etc. Assim, o seu visual mudou radicalmente – eles começaram se vestir decentemente,
arranjaram os dentes, seguiam as dietas e melhoraram a figura.
Ator britânico Jared Harris no papel do académico soviético Leonid Legasov |
Na
recente série
sensacional “Chernobyl”, os atores britânicos e americanos conseguiram
reencarnar, com a maior precisão possível, os cidadãos soviéticos. Os maquilhadores,
figurinistas e produtores fizeram um trabalho incrível – reproduzindo os moradores
da URSS de maneira absolutamente fidedigna.
1.
Má figura e má pele
Os
cidadãos soviéticos, em massa, não tinham nem o tempo, nem a motivação, nem as
instalações para se dedicar ao desporto de forma a manter a sua saúde (alguns
entusiastas claramente eram apenas a excepção da regra geral).
Uma cervejaria soviética sob o teto |
Em
segundo lugar (mas talvez é à razão principal), a má figura soviética era o
fruto de uso, durante décadas, de alimentos de má qualidade – a boa carne ou frutos
do mar eram um deficit terrível na URSS, a dieta soviética tinha pouquíssimos legumes
frescos e um excesso de carboidratos: cereais, batatas e massas. Por isso, na
idade de 35-40 anos, a figura de um homem soviético médio adquiria uma silhueta
reconhecível – a barriga inchada, que se destacava ainda mais por causa de uma
forte lordose lombar (por falta de exercícios físicos), e na parte superior do
corpo havia ombros estreitos e braços magros.
Adicionando
à isso a má aparência, a pele cor de cinza amarelado ou cinza “cor-da-terra” e má
pele. Na URSS a maioria absoluta de homens e um número considerável de mulheres
fumavam, naturalmente os cigarros soviéticos desagradáveis com tabaco
extremamente prejudicial, com uma grande percentagem de substâncias carcinógenos
e alcatrão. Além disso, o tabaco soviético era cultivado e secado com a ajuda
de agro-químicos, que ingeridos com o fumo também não aumentavam a saúde dos
fumadores. Acrescente a isso o trabalho prejudicial à saúde e pesado nas
fábricas soviéticas – e você entenderá por que as pessoas tinham toda essa
aparência.
Dentes
maus/ruins
A venda da "boa carne" soviética em algum mercado kolkhoziano |
Na
URSS os alimentos e a situação ecológica geral eram bastante más/ruins, mas a odontologia
era REALMENTE péssima. Por causa da má qualidade nutricional e da ecologia
pobre, os cidadãos médios começavam à perder os dentes aos 35-40 anos, ou mesmo
antes – e a ausência de odontologia de qualidade apenas reforçava este estado
de coisas. URSS fabricava os mísseis e foguetes, mas não conseguia fabricar uma
prótese dental ou uma pasta dentífrica em condições.
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Até
a década de 1990, a URSS produzia e comercializava o “pó dentífrico” – um abrasivo
que gastava os dentes quase até a raiz, razão pela qual os dentes mais ou menos
saudáveis se transformaram numa espécie de presas cinzentas. Mesmo as estrelas
de cinema soviético – cuja aparência era o seu ganha-pão – raramente tinham
bons dentes, e quase em todos os filmes soviéticos o povo sorria ao estilo “cú
de frango”, timidamente escondendo os dentes estragados.
Ao
mesmo tempo, a propaganda soviética ridicularizava, por todos os meios, o modo de vida e os sorrisos
saudáveis dos americanos – “eles estão sorrindo com todos os dentes,
provavelmente não são pessoas, mas robôs!” (o conto soviético Secretário Capaz de 1959).
Má
roupa, mau calçado e maus acessórios
As
roupas soviéticas comuns eram uma merda, pareciam uma merda e eram feitas dos
materiais mais ruins e baratos. Os fatos/ternos masculinos eram castanhos/marrom-acinzentados
e pareciam algum tipo de roupa de trabalho, os fatos/ternos femininos também
não eram melhores. Tudo era feito de tecidos pesados de lã com a adição de
materiais sintéticos – eram simplesmente insuportáveis.
A compra de leite ou de kvas ao céu aberto |
As
mulheres tentavam costurar algo, usando tecidos mais ou menos decentes, partilhando
e trocando os padrões de costura que valiam seu peso em ouro. Um bom paletó só
podia ser encomendado no ateliê e custava desde 150 rublos (desde 2 salários mínimos
ou um médio, desde 254 dólares ao câmbio oficial). Roupas bonitas começaram a aparecer apenas no fim da década de 1980
– quase no fim da URSS.
O
calçado soviético deixava entrar água, era feio e custava caro – as botas
femininas minimamente atraentes custavam desde 80 rublos. O sonho do homem
soviético era “conseguir” sapatilhas/tênis checoslovacos “Botas” ou sapatos Salamander
produzidos na RDA. A URSS era simplesmente era incapaz de produzir o calçado decente.
Mas
o verdadeiro horror eram os acessórios. Basta recordar os horríveis óculos
soviéticos “à Chikatilo”,
pesados, eles pressionavam fortemente o nariz e cobriam metade do rosto –
transformando até mesmo um homem bonito numa aberração com dois “televisores”
na face.
Desarrumação
geral
Além
disso, existia nos cidadãos uma certa desarrumação geral – no “país dos sovietes”,
ter uma boa aparência considerava-se um “mau tom”, uma espécie de desafio público
ao Estado dos operários e camponeses, o cidadão soviético médio procurava se
parecer bastante cinzento – para não ser considerado um stilyaga.
Uma cervejaria soviética ao céu aberto |
No
cinema soviético, até a época da Perestroika,
uma personagem de boa aparência e de boas maneiras sempre era um herói negativo
– e/snobe, arrogante, tentando de todas as maneiras romper com o “coletivo” e
fugir ao seu honroso dever de construir o comunismo. Ainda na década de 1970-80
as patrulhas da juventude comunista Komsomol,
podiam cortar, à força, os cabelos “demasiadamente cumpridos” dos rapazes ou
rasgar/estragar as suas roupas se as considerar “indecentes”.
Stilyagi na URSS, última foto é de 1984 |
As meninas podiam ser e eram fortemente criticadas nas reuniões do Komsomol pela sua “aparência imprópria burguesa” [as roupas elegantes e bonitas, corte de cabelo “demasiadamente ocidental”, unhas bem cuidadas e pintadas]. Ao contrário, os tipos bêbados e desleixados eram considerados algo como “proletários” e da “classe trabalhadora”.
O
país da legítima infelicidade. Em jeito de epílogo.
Ao
tudo o que foi descrito acima, é necessário acrescentar a humildade e opressão geral
– o cidadão soviético médio sempre teve medo dos chefes e diretores, tentava,
de todas as maneiras possíveis e imaginárias, ser indistinguível da multidão. O
fato/terno amassado e mal ajustado acinzentado, uma camisa ligeiramente amarfanhada
e amarelada, devido às numerosas lavagens, um cinto de cabedal/couro gasto, o
relógio com uma pulseira oxidada, óculos de aro de tartaruga, sapatos gastos e
empoeirados.
Essa
aparência de cidadãos soviéticos foi ditada, em primeiro lugar, pelo baixo
padrão de vida real na URSS e, em segundo lugar, pela memória genética das
repressões estalinistas – quando Estado matou todos os melhores e mais
brilhantes. Não se destaque, seja mais cinzento possível, tente ser invisível
aos olhos das autoridades, não expresse a sua opinião, não sorria, tente
parecer infeliz – e então o Estado não te tocará...
Fotos:
arquivo | Texto: Maxim
Mirovich e [Ucrânia em África]
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