domingo, junho 09, 2019

A verdadeira história dos «gatos do telhado» de Chornobyl

O trabalho mais pesado e terrível de liquidação da catástrofe do Chornobyl eram as operações de limpeza no telhado do III bloco energético e na casa de máquinas. De acordo com o plano de recuperação pós-desastre, todos os fragmentos do núcleo do reator (blocos de grafite, tubos de montagem de combustível) deveriam ser recolhidos e atirados ao colapso resultante da explosão do IV reator.
Os trabalhos nos telhados da estação nuclear de Chornobyl eram executados pelos dosimetristas, operários, engenheiros – chamados de “gatos do telhado”, por terem que trabalhar nas alturas entre 30 à 70 metros, nos locais altamente contaminados pela radiação. Isso às vezes exigia velocidade e agilidade do gato; e como se sabe, acredita-se, popularmente, que “um gato tem sete vidas” [além disso, possivelmente é uma alusão ao filme americano Cat on a Hot Tin Roof (1958) – Gata em Teto de Zinco Quente (no Brasil) e Gata em Telhado de Zinco Quente (em Portugal), estrelado por Elizabeth Taylor e Paul Newman].

02. Vejamos os equipamentos individuais de proteção dos “gatos do telhado”. União Soviética, que se preparava à uma guerra nuclear contra EUA e que desenvolvia energia nuclear, simplesmente não fabricava nenhum tipo de equipamentos especiais para trabalhar em condições de alta radiação.
Na realidade, os “gatos do telhado” fabricavam os seus próprios equipamentos. No corpo eram usadas as roupas de tecido grosso, as folhas finas de chumbo (2-4 mm) protegeram o peito, costas e virilha, por cima se colocava um avental de lona. O rosto era protegido por um respirador e óculos de proteção que protegiam da radiação beta, que é muito má/ruim para os olhos e rapidamente causa turvação da lente.

Os próprios liquidantes diziam que os equipamentos eram muito mais a “proteção psicológica” do que realmente protegiam de alguma coisa.

03. Antes de trabalhar diretamente na limpeza dos telhados, era necessário descobrir os níveis e manchas de radiação em que os liquidatários iriam trabalhar. Este trabalho inicial, talvez o mais perigoso, foi realizado por dosimetristas – eles passaram pelos telhados e desenharam o mapa de poluição, observaram os pontos e lugares mais radioativos e os possíveis pontos de “proteção de sombra” – todos os tipos de protuberâncias que poderiam ser usados como a cobertura contra a radiação, por um curto período de tempo. Durante os trabalhos, era possível mover-se, correndo, “da sombra à sombra”.
Os níveis de radiação no teto variavam de 2-3 a 10.000 Röntgen / hora [a dose de cerca de 500 R em 5 horas é letal para os humanos], e muitas vezes até mesmo os poderosos dosímetros militares DP-5 não eram suficientes para medir níveis tão altos (o seu ponto máximo era de 200 Röntgen), dosimetristas determinavam o nível da radiação “ao olho”, de acordo com a força com que a agulha do dosímetro batia o limite máximo da sua escala.

04. A unidade, informalmente chamada de “gatos do telhado”, estava subordinada ao Yuri Samoilenko – este engenheiro foi um dos líderes da liquidação do acidente de Chornobyl e correu muito sobre os telhados. No filme documental soviético “O Sino de Chornobyl” há uma entrevista com Eng. Samoilenko num dos telhados de Chornobyl, às 6'20'' ele explica que tipo de trabalhos devem ser feitos pelos “gatos do telhado”:

No vídeo, a propósito, é muito visível o princípio de “proteção de sombra” – no lugar onde a reportagem começa, os níveis de radiação não chegam à 1 Röntgen/hora, mas fora da protusão de concreto, à um passo do local da filmagem, sobem imediatamente para 10 Röntgen/hora.

05. O turno durava apenas 2 minutos, e nas áreas mais perigosas – somente 40 segundos, que alguém dos liquidatários estava contando, em voz alta, se protegendo num lugar de “proteção de sombra” mais seguro. Durante esses 2 minutos ou 40 segundos, as pessoas recebiam uma dose de radiação comparável com àquela que uma pessoa comum recebe, de forma natural, durante toda a sua vida.

06. Reparem nas listras iluminadas na parte inferior da foto – assim a radiação afetou a película de fotografia.
Os detritos leves eram simplesmente despejados com uma pá diretamente ao buraco no local do IV bloco energético, e os maiores tiveram que ser carregados por duas pessoas em macas de construção. A URSS pediu e recebeu, para este trabalho, os robôs apropriados da Alemanha. Mas o total secretismo soviético ditou, que ao encomendar os robôs, foram ocultados os níveis de radiação reais e no terreno os robôs simplesmente queimaram, permanecendo nos telhados como a carga inútil.

07. Mais um grupo de liquidadores recebe a instrução antes de ir para o telhado – eles já estão vestidos com roupas de trabalho, mas ainda sem a proteção de chumbo, não se sabe, ao certo, se eles usavam as folhas de chumbo novas ou as reutilizavam.

08. O trabalho de “gatos do telhado” foi baseado no princípio de “uma pessoa – uma peça”. Pessoa entrava no talhado, levantava uma peça contaminada, a atirava ao buraco, ia embora. Por um minuto passado nos ambientes tão elevados de radiação, naquela época, as pessoas tinham o direito a “folga e 100 rublos de prémio” [cerca de 170 dólares ao câmbio oficial da época].
No total, 3.828 pessoas passaram pelos telhados de Chornobyl, limparam as seções mais perigosas dos telhados e tornaram possível continuar o trabalho para eliminar as consequências do acidente.
A maioria das fotografias desta postagem foi feita pelo fotógrafo ucraniano Igor Kostin – em 1986 ele visitou as partes mais perigosas de Chornobyl e tirou uma série de fotografias, recebendo uma dose total de radiação de cerca de 150 Rem [a dose de 150 Rem ao ano já é perigosa ao ser humano].

Fotos: Igor Kostin/arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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