terça-feira, junho 25, 2019

A história real dos três mergulhadores de Chornobyl

A entrada dos três “mergulhadores suicidas” na cave alagada e radioativa do 4º reator de Chornobyl foi um dos momentos mais brilhantes e tensos da série “Chernobyl”. A operação realmente ocorreu em maio de 1986, embora de forma menos dramática.

O serviço ucraniano da BBC falou com um dos verdadeiros participantes daquele evento – Oleksiy Ananenko, ex-engenheiro-mecânico sénior da unidade de reatores da estação/usina nuclear de Chornobyl.

“Os suicidas”

No segundo episódio da série “Chernobyl”, académico Valery Legasov explica ao Mikhail Gorbachev o perigo de uma nova explosão na estação/usina, caso a “lava” do reator destruído chegar à piscina debaixo do mesmo. Se isso acontecer, poderá se dar uma nova explosão que lançara a radiação que cobrirá a metade do continente europeu.
“Solicitamos a sua permissão matar três pessoas”, – diz Valery Legasov e recebe a permissão do Secretário-geral do PCUS e líder soviético.

“Os voluntários”

Oleksiy Ananenko de 59 anos conta que na realidade nem sequer se perguntaram pelos voluntários, ele estava trabalhando na estação, quando recebeu o telefonema com a descrição da tarefa para cumprir (recordações não lhe são muito fáceis, em 2017 ele sofreu um acidente – foi atropelado por uma caro, passou 36 dias em coma induzido).
Ator que interpreta Oleksiy Ananenko na série
A tese dos voluntários foi inventada pelos jornalistas do jornal soviético “Trud” (Trabalho), que em 16 de maio de 1986 publicou no artigo chamado “Chornobyl: endereço da coragem” a seguinte passagem: “Eles se voluntariaram – o chefe do turno da estação/usina nuclear de Chornobyl B. Baranov, o engenheiro sénior da unidade de turbinas № 2 V. Bespalov e o engenheiro-mecânico sénior da unidade do reator № 2 O. Ananenko”.
Oleksiy Ananenko real na década de 1980, o seu bigode foi cortado após
acidente de Chornobyl para não capturar a radiação
Depois, a mesma tese foi copiada por outros jornais soviéticos.

Na realidade, a tarefa foi formulada pela comissão estatal – temia-se que o contato da “lava” do reator explodido com água poderá levar à segunda explosão de Chornobyl (a hipótese defendida pelo académico belaruso Vassili Nesterenko – protótipo da personagem Ulyana Khomyuk/atriz Emily Watson).
O artigo da imprensa soviética chamado “Rapazes heróicos”, baseado no texto
inicial do jornal soviético “Trud” de 16/05/1986
Para que isso não aconteça, era necessário drenar água das piscinas debaixo do 4º reator. Algo que podia ser feito apenas manualmente, numa cave alagada, três metros abaixo da superfície da estação. A missão calhou ao Baranov, Bespalov e Ananenko simplesmente porque era o seu turno laboral. Uma pessoa de fora dificilmente encontraria as escotilhas. Não foi lhes oferecida absolutamente nenhuma recompensa (na série se fala sobre o prémio de 400 rublos (equivalentes aos 678 dólares ao câmbio oficial) e uma subida na carreira).

Descida

Alguns anos atrás, Oleksiy Ananenko contou detalhadamente sobre a sua descida debaixo do reator (texto pode ser lido em russo AQUI).

As memórias do Oleksiy Ananenko:

Para manipular as escotilhas 4GT-21 e 4GT-22 era necessário descer ao corredor “zero zero um”, alagado por água radioativa. [...] O fator de risco foi a irradiação da água, uma vez que ninguém sabia como sua atividade mudaria pelo caminho ao longo do corredor, e, portanto, era impossível prever a magnitude da dose [da radiação que será] recebida”.
Reservatórios com água localizados imediatamente sob o reator (no esquema do Relatório do Grupo Consultivo Internacional sobre Segurança Nuclear são referidos como "capacitores do sistema de localização de acidentes"). Os mergulhadores de Chornobyl abriram as escotilhas num dos corredores próximos, o que permitiu o bombeamento de água fora dessas bacias.
Oleksiy Ananenko pediu que lhes sejam fornecidos os fatos de mergulho – para se proteger minimalmente contra água radioativa. Embora os fatos não tapavam os seus rostos, como na série, na realidade os mergulhadores usaram apenas as máscaras respiratórias soviéticas das mais primitivas, do tipo Lepestok
Máscaras da série "Chornobyl"
Essa foto é geralmente usada na Internet para ilustrar a história dos mergulhadores de Chornobyl. Na verdade, não são eles. No entanto, os mergulhadores usaram as máscaras semelhantes. Oleksiy Ananenko não sabe se eles foram fotografados ou não. Nos jornais soviéticos não foram localizadas as fotografias reais dos três mergulhadores.
Este tipo de máscaras defende apenas contra poeira e aerossóis, e não dificulta a comunicação (mais um mito, criado pelo mesmo artigo do jornal “Trud”).
Antes da entrada na cave, série "Chernobyl"
Cada mergulhador recebeu dois dosímetros de ionização: um colocado ao peito, o outro – no tornozelo para medir a radiação da água.
Na série Ananenko, Baranov e Bespalov usam os fatos de mergulho com garrafas de oxigénio.
Na verdade, eles usaram os fatos de mergulho com simples máscaras respiratórias.
As memórias do Oleksiy Ananenko:

A operação em si foi rápida e sem complicações [...] O último medo – de que nas escotilhas não haveria volantes ou que estes ficassem enganchados – também não se materializou. Eles os abriram com relativa facilidade, a chave inglesa não foi necessária. [...] De acordo com o ruído característico da água que fluía da piscina, ficamos convencidos de que a tarefa foi cumprida e a piscina foi esvaziada”.

As memórias do Valery Bespalov:

Eu olhei através do ombro de Baranov nos indicadores do instrumento [dosímetro militar DP-5] – a escala do dispositivo foi ultrapassada em todas as sub-bandas. Então veio um comando curto: mover-se muito rápido!

Correndo pela área perigosa, eu não resisti, olhei para trás e vi um gigantesco cone preto de fragmentos de reator explodido misturado com o miolo de concreto, que caia pela abertura tecnológica da sala central.

Na boca surgiu o sabor familiar metálico do fluido de radiólise”.

Apesar disso, os mergulhadores conseguiram evitar a exposição séria à radiação: “Eu não me lembro que leituras tivemos naquela época, e isso significa que eles não eram muito más/ruins”, – conta Oleksiy Ananenko.
Na cave, série "Chernobyl"
Além disso ninguém lhes aplaudiu após o seu retorno da cave e eles não se sentiam como heróis: “era um trabalho normal [...] sentimo-nos como de costume”, – conclui ele.

“Estou vivo e isso me basta”

Os mergulhadores de Chornobyl não morreram da doença de radiação aguda (a série informa disso nos seus momentos finais) e continuaram à trabalhar em Chornobyl.
Oleksiy Ananenko no seu apartamento em Kyiv, 2019
Borys Baranov morreu de enfarte em 2005, mas Oleksiy Ananenko e Valeriy Bespalov vivem em Kyiv. Oleksiy Ananenko trabalhou em Chornobyl até 1989, depois se transferiu para uma outra organização, ligada à segurança da energia atómica. A União Soviética lhe concedeu a ordem civil “Distintivo de Honra, e em 2018, o Presidente da Ucrânia Petró Poroshenko concedeu-lhe a ordem “Pela Coragem” do III grau.
Ordem “Distintivo de Honra” (em cima) e ordem “Pela Coragem” (em baixo)
Em 2017 Oleksiy Ananenko foi atropelado em Kyiv por um carro, numa passagem de peões. Ficou 36 dias no coma induzido com trauma severo da cabeça e do pé. Conseguiu manter o seu emprego, embora não voltou à trabalhar: “É preciso ficar feliz que pelo menos estou vivo. Não morri antes – ainda bem. Eu vivo e vivo, isso já é o suficiente”, acrescenta o mergulhador de Chornobyl.
Oleksiy Ananenko com esposa Valentyna em Kyiv, 2019
Blogueiro: a série anglo-americana não apenas foi a mais fiel aos acontecimentos da tragédia de Chornobyl (usando, naturalmente, uma certa dramatização dos eventos, coisa própria à “sétima arte”). A série até suavizou a realidade soviética, apresentando-a mais light e até mais simpática, em vários aspetos, do que essa mesma realidade era no quotidiano das pessoas que viviam e sobreviviam na URSS...

1 comentário:

Johnny disse...

Verdadeiros Heróis!