terça-feira, junho 11, 2019

Dossier secreto do KGB sobre Chornobyl

Ucrânia publicou uma nova colectânea de documentos secretos do KGB, dedicados ao Chornobyl. O nosso blogue já publicava a informação do KGB sobre a estação nuclear antes de 1986, os novos documentos pertencem ao período do pós-acidente.
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No dia 6 de junho em Kyiv foi apresentada a colectânea “Dossier do KGB de Chernobyl” — que reúne e sistematiza os documentos da secreta soviética sobre o período após 26 de abril de 1986 — uma parte destes documentos foi consultada pelos criadores da série “Chernobyl”. Os documentos mostram claramente toda a falsidade do regime comunista e sistema político soviético, a sua atitude de desprezo total para com as pessoas e, de fa(c)to, ajudam à responder a questão principal da série – “Qual é o preço de uma mentira”?

O dossier online foi preparado e publicado pela Current Time.tv

1. As roupas de crianças da manif de 1 de maio de 1986 em Kyiv eram altamente radiotivas

Este episódio deveria entrar, mas não entrou na série.
Kyiv, avenida Khreschatyk, manif do 1 de maio, 1/05/1986 | arquivo
Durante o período de preparação para a manifestação do 1 de maio, os alunos das escolas receberam roupas nas quais ensaiaram o programa [nos dias] 27, 28, 29 [de abril]. De 5 à 8 de maio, essas roupas foram devolvidas às escolas. A roupa possui o nível [radioativo] bastante alto. As escolas pretendem entregar roupas ao Palácio dos Pioneiros. É necessária a descontaminação”.

Do informe do 6º Departamento do KGB de Kyiv e da região (oblast) de Kyiv sobre a situação operacional na capital da Ucrânia e nos locais de colocação dos evacuados, 8 de maio de 1986.

2. Estrangeiros foram impedidos de deixar a URSS

Os cidadãos estrangeiros que estavam em Kyiv durante a tragédia de Chornobyl em visita turística, de fa(c)to se tornaram reféns da União Soviética – não foi permitida a sua saída do país, eles até foram forçados a participar nas “excursões programadas”. Imediatamente após acidente no Chornobyl os estudantes do Iraque, Serra Leoa, Quénia e outros países quiseram deixar Kyiv, mas os operativos do KGB os “persuadiam” à permanecer na cidade:

Os turistas do grupo dos Estados Unidos (31 pessoas), nota I-4812, morando no hotel “Rus”, tentaram conseguir ingressos para Leninegrado para sair de Kyiv antecipadamente, na manhã de 29 de abril de 1986, pressionando a administração do hotel. Pelas medidas tomadas pelo ODR [“oficial da reserva funcional”, ex-oficial do KGB na reserva] e pelos agentes, a situação foi normalizada, o grupo saiu à uma excursão”.

Do informe do 2º Departamento do KGB da Ucrânia Soviética de Kyiv e da região (oblast) de Kyiv sobre a situação entre os estrangeiros em Kyiv, 29 de abril de 1986.

3. Os médicos soviéticos efetuavam os diagnósticos falsos
 
RIP Valeriy Khodemchuk | arquivo
Isso foi feito, provavelmente, sob as ordens do KGB, já que de acordo com a falsa versão soviética do acidente, apenas o operador sénior da bomba circular do IV reator nuclear Valeriy Khodemchuk [cujo corpo nunca foi recuperado] foi considerado oficialmente morto no acidente, o resto morreu por “problemas de saúde”. Os propagandistas soviéticos tentaram de todas as formas minimizar e esconder as reais consequências do acidente e, portanto, forçaram os médicos soviéticos a escrever todo tipo de diagnósticos falsos nos processos médicos dos doentes. O número exato de pessoas mortas e contaminadas durante esse tratamento inadequado ainda é desconhecido:

Segundo os dados da Direcção Distrital do KGB, a administração do Hospital regional de Kyiv e de 25 hospitais, referindo-se às instruções do Ministério da Saúde da URSS (alegadamente a ordem № 24s de 11 de maio de 1986), nos casos de pacientes com sinais de doença de radiação, indicam no diagnóstico a “distonia vascular”. Segundo o médico-chefe do hospital regional, Klymenko A.M., tal questão, pode, mais tarde, levar à confusão na prescrição dos tratamentos, no diagnóstico e na decisão sobre a questão da deficiência e do estabelecimento de uma reforma/pensão”.

Do informe do 6º Departamento do KGB de Kyiv e da região (oblast) de Kyiv, 11 de maio de 1986.

4. Os dosímetros soviéticos mentiam

Tragicómico – mas na URSS mentiam não apenas as pessoas, mas também as máquinas. A série “Chernobyl” mostra com precisão que os dosímetros disponíveis na estação nuclear (apenas um par de peças) mostraram apenas o “limite superior de seu padrão de medição” – 3,6 Röntgen / hora. É o mesmo que fabricar um termómetro com um “limite superior” de 36,6 Cº. Mais tarde, quando chegaram os dosímetros militares descobriu-se que o nível de radiação nos arredores do IV bloco energético chegava aos cerca de 15.000 Röntgen / hora.

Segundo o agente “Mokvichev”, os instrumentos dosimétricos utilizados pelas sedes da Defesa Civil (GO) não estão alinhados, o que leva a uma diferença de indicações. Há casos da entrega de dispositivos defeituosos”.

5. Mentiras e desinformação total

Os mentirosos da propaganda soviética que cobriam o acidente de Chornobyl começaram a mentir para sua própria população – o acidente, cujas consequências já eram conhecidas ao segundo dia após o desastre (a cidade de Pripyat foi evacuada em 27 de abril), foi chamado na imprensa/mídia soviética de “um pequeno incidente quase eliminado sob a liderança do Partido e do Governo”, os cidadãos não foram informados sobre as medidas de precaução – o que ajudaria a evitar milhares de mortes por cancro/câncer.

Os mentirosos da propaganda soviética também fizeram de tudo para enganar os jornalistas estrangeiros – o que é descrito diretamente nos novos documentos desclassificados. Os oficiais da inteligência soviética se faziam passar pelos “simples citadinos de Kyiv”, falando com os correspondentes estrangeiros e impedindo que estes falem com a população real.

Dado que, imediatamente após o acidente de Chornobyl, os correspondentes estrangeiros mostram uma certa desconfiança dos relatórios oficiais, em 1987, quando visitaram a zona [de exclusão de 30 km em redor do Chornobyl], a ênfase foi colocada na criação de uma aparência de liberdade de movimentos, ações, contatos, num clima de total confiança”.

Do relatório do Chefe do Departamento do KGB de Kyiv e da região (oblast) de Kyiv Yuriy Shramko [dirigido] ao Primeiro Secretário do Comité Regional do Partido Comunista de Kyiv, G. Revenko, sobre os resultados do trabalho em proporcionar um impacto positivo aos estrangeiros que visitam a zona da Central Nuclear de Chornobyl em 18 de Fevereiro de 1988.

Em outubro de 1987, Jean-Pierre Vaudon, repórter do jornal francês L’Humanité, recolheu, com artimanhas, as amostras de solo e água na área “Abrigo”, na cidade de Pripyat, e também ao longo de caminho na área de aldeia de Priborsk (50 km da central de Chornobyl). Durante a execução do evento “D” (busca e verificação não oficial), as amostras colhidas pelo estrangeiro foram encontradas e secretamente substituídas por radioativamente limpas”.
Um dos artigos do Jean-Pierre Vaudon no jornal L'Humanité sobre Chornobyl
[É notável que Jean-Pierre Vaudon era um comunista francês ativo, e o jornal L'Humanité, órgão oficial do Partido Comunista Francês, naquela época recebia a assistência financeira da URSS.]

Da orientação do vice-presidente da KGB da Ucrânia Soviética Yuriy Petrov ao chefe do 6º Departamento do KGB da Ucrânia Soviética de Kyiv e da região (oblast) de Kyiv S[erhiy] Nahiba sobre as aspirações identificadas do inimigo (Sic!) às questões de eliminação das consequências do acidente na central nuclear de Chornobyl, 8 de julho de 1988.

Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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