No
dia 24 de junho, a Duma estatal (Câmara baixa do parlamento russo) aprovou o
projecto final de várias leis ditas antiterroristas, apresentadas pela deputada
Irina Yarovaya. Embora os legisladores tinham removido, no último minuto, muitas das alterações
mais odiosas desta nova legislação, a nova lei emenda dezenas
de leis existentes de formas que podem ter as consequências profundas na vida das
pessoas que vivem na Rússia. Para que a “legislação da Yarovaya” se tornar a
lei, o Conselho da Federação deve aprova-la, e, em seguida, o presidente Putin
precisa de promove-la. Não há dúvida de que isso irá acontecer. A página Meduza
oferece um breve resumo da nova legislação que chama de “leis mais repressivas
da história pós-soviética”.
A
nova legislação, diga-se de passagem, recebeu a desaprovação mais que veemente do
Edward Snowden que
escreveu no seu twitter: “A nova lei Big Brother da Rússia é inviável, uma violação injustificável de direitos que nunca deveria ser assinada”.
Dado
que o ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA que denunciou
as práticas muito mais liberais dos EUA, se encontra em asilo na Rússia, ele já
recebeu algumas ofertas dos internautas que seguem o seu microblogue. Por
exemplo, como escreve Prophet of [OMITTED] “Bro, se você acabar no meu país
como resultado deste tweet, eu tenho um quarto vago”.
Falta
de comunicação de um crime
À
partir do dia 20 de julho de 2016 “a falha de denunciar um crime” se tornará,
por si só, uma ofensa criminal. Os russos serão obrigados a informar as
autoridades sobre qualquer coisa que sabem sobre os preparativos dos ataques
terroristas, rebeliões armadas e mais de meia dúzia de crimes diferentes.
Qualquer um que não denunciará tais atividades, poderá ser condenado à pena
prisional de até um ano de prisão.
Justificando
o terrorismo na mídia social
A
publicação de incitações ao terrorismo online, ou mesmo expressão da aprovação
do terrorismo na Internet, será equiparado, legalmente, à publicação de tais
comentários na mídia geral, sujeitando os indivíduos às mesmas penalidades
rigorosas agora impostas aos meios de comunicação social. A pena máxima por
incitar ou justificar o terrorismo publicamente é de sete anos de prisão.
Os
registos telefónicos e os SMS, o acesso policial à estes dados
Uma
parte da legislação da Yarovaya que passou pela Duma quase sem revisões foi a
criação de novos requerimentos de armazenamento de dados de telecomunicações.
Agora, empresas de telefonia móvel russas terão armazenar os registos de todas
as chamadas e mensagens de texto trocadas entre os clientes por um período de
seis meses. E por três anos, as empresas terão de manter os metadados sobre
todas as chamadas e mensagens de texto (a informação de quando e entre quem as
mensagens foram trocadas, mas não o conteúdo real das mensagens). As mesmas
regras se aplicam aos “organizadores da distribuição de informação na Internet”.
(Os reguladores estaduais irão identificar os recursos da Web que se qualificam
como “organizadores de divulgação da informação”). Enquanto as empresas de
telecomunicações terão de armazenar os metadados por três anos, “os
organizadores” só precisarão manter a informação durante um ano.
A
encriptação de dados
Há
uma outra alteração importante destinada a “organizadores de distribuição de
informação na Internet”: se um serviço online, um aplicativo messenger, uma
rede social, um cliente do e-mail, ou mesmo apenas um sítio criptografa os seus
dados, os seus proprietários serão obrigados, ao pedido do Serviço de Segurança
Federal (FSB), à decifrar qualquer mensagem enviada por seus usuários. A multa
por se recusar a cooperar pode ir até um milhão de rublos (mais de 15.000
dólares).
O
trabalho missionário
A
legislação da Yarovaya aperta regulamentos na esfera da vida religiosa da
Rússia, criando uma definição completamente ampla do trabalho missionário, que
à partir de agora será praticamente impossível de exercer por qualquer um que
não seja formalmente afiliado às organizações ou grupos registados. E qualquer
tipo de trabalho missionário será agora restrito à áreas especialmente
designadas. As multas por violar estas novas regulamentações podem chegar à 1
milhão de rublos.
As
punições mais duras contra o extremismo
A
nova legislação prevê que as pessoas condenadas por extremismo irão para a
prisão mais vezes e com as penas mais longas. Aqueles que não vão acabar atrás
das grades vão pagar as multas maiores. Em alguns casos, as mudanças são
extraordinárias. Por exemplo, pessoas que atualmente são condenadas por
financiar as atividades extremistas (artigo 282.3 do código penal russo),
recebem as penas até três anos de prisão, nem sempre estas penas são efetivas. A
nova legislação prevê a pena máxima de oito anos e a pena mínima de três anos.
|
"O meu bisavô foi preso por uma anedota, eu serei presa por uma repostagem",
atualidade, piquete solitário, Rússia, cidade de São Petersburgo |
Induzindo
as pessoas a aderir à agitação em massa
A
legislação da Yarovaya introduz um novo artigo do código penal que proíbe “induzir,
recrutar ou de outra forma, envolver” outros na organização de distúrbios em
massa. A pena máxima por desobedecer essa lei é de dez anos e a pena mínima é
de cinco anos.
A
responsabilidade criminal à partir de 14 anos de idade
A
legislação da Yarovaya expande a responsabilidade penal dos adolescentes com
mais de catorze anos. Atualmente, as pessoas nessa faixa etária podem ser
processadas ao abrigo de 22 artigos diferentes do código penal russo. O número
subirá para 32. Será possível processar os jovens de 14 anos de idade pelo
terrorismo internacional, a participação em comunidades terroristas,
organizações terroristas e grupos armados ilegais; pela participação nos campos
de treino terrorista, por participar na agitação em massa, por atentar contra a
vida de um oficial do estado, por atacar um funcionário ou a unidade que goza
de protecção internacional. A legislação diz mesmo o jovem de 14 anos de idade
pode ser processado por não denunciar um crime.
O
terrorismo internacional
O
código penal russo também está recebendo um novo artigo “contra o terrorismo
internacional”, que os promotores podem usar contra as pessoas acusadas de
realizarem ataques terroristas além das fronteiras do país, em qualquer ataque
que matou ou feriu cidadãos russos. A lei também se aplica à qualquer pessoa
acusada de atos de financiamento do terrorismo. Este crime prevê a pena máxima
de prisão perpétua.
Inspeções
de encomendas postais
A
legislação vai obrigar “os operadores postais” (o serviço russo de correios e
todas as empresas postais privadas) à garantir que eles não estão enviando nada
de ilegal. A lista de itens proibidos inclui dinheiro, armas, narcóticos,
venenos, produtos perecíveis e as substâncias que possam prejudicar os
funcionários do serviço postal ou danificar outras encomendas. Os custos da
realização dessas inspeções cairá sobre os operadores postais.
O
que foi excluído desta legislação?
A
revogação da cidadania das pessoas. No texto inicial, Yarovaya e os seus
co-autores propuseram vários motivos para revogar a cidadania russa. Este acto
teria sido aplicado em várias circunstâncias, incluindo à qualquer um condenado
por crimes terroristas ou extremistas, e mesmo aos russos que cooperariam com
certos tipos de organizações internacionais.
A
revogação do direito dos cidadãos a deixar o país. A primeira proposta da
legislação também proponha a proibição de viagem ao exterior ao qualquer um que
recebeu a “advertência oficial” sobre “a inadmissibilidade de ações ilegais
cometidas”. Isso deveria ser aplicado extrajudicialmente. Na proposta final os
legisladores mudaram a alteração, propondo restrições de viagem ao estrangeiro
só para os cidadãos russos com as condenações pendentes ou não prescritas dos
certos crimes (o terrorismo e o extremismo). No final, a Duma decidiu abandonar
estas emendas.
Para
já não há nenhuma explicação das razões por que que estas alterações foram
introduzidas na primeira proposta da legislação para depois desaparecerem da
proposta final.
Blogueiro:
analisando a nova legislação draconiana russa, se pode chegar a simples conclusão
que o país, está, lentamente, mas seguramente, derivar ao novo e profundíssimo totalitarismo
estalinista. A nova legislação permite, de forma legal, condenar quase qualquer
um, por quase por qualquer coisa. Ora vejamos: “a falta de comunicação de um
crime” permite condenar qualquer pessoa da lista dos contactos de qualquer um
que cometeu um “crime extremista” de postar na rede social qualquer publicação em
apoio da Ucrânia no âmbito da atual guerra russo-ucraniana. Basta recordar o
caso da cidadã russa Yekaterina Vologzhennikova (a
terrorista russa das redes sociais), que foi condenada à 250 horas de
trabalhos forçados pelo “incitamento de ódio por motivos étnicos contra os
grupos sociais, voluntários-milicianos da Rússia que lutam de lado das milícias
(Sic!) e por [incitamentos contra] às autoridades atuais da Rússia”. Tudo isso,
pela postagem de 6 (seis) publicações em apoio da Ucrânia na sua página da rede
social “VK”.
O artigo contra “o terrorismo
internacional” seguramente poderá ser aplicado contra qualquer ucraniano, civil
ou militar, que no decorrer da Operação Antiterrorista liquidar algum
terrorista russo. Por exemplo, caso as forças ucranianas liquidarem Igor “Strelkov”
Girkin ou famigerado Arseniy “Motorola” Pavlov que já mataram ou mandaram matar
os cidadãos ucranianos na Ucrânia, estes serão acusados ao abrigo da nova lei
russa. Não é preciso dizer que nem Girkin, nem Pavlov, nem outros 7291
terroristas russos que vieram a Ucrânia para matar os ucranianos não são e
não serão perseguidos pela justiça russa, nem com a legislação corrente, nem
com a nova...