sábado, junho 25, 2016

Edward Snowden contra o Big Brother russo

No dia 24 de junho, a Duma estatal (Câmara baixa do parlamento russo) aprovou o projecto final de várias leis ditas antiterroristas, apresentadas pela deputada Irina Yarovaya. Embora os legisladores tinham removido, no último minuto, muitas das alterações mais odiosas desta nova legislação, a nova lei emenda dezenas de leis existentes de formas que podem ter as consequências profundas na vida das pessoas que vivem na Rússia. Para que a “legislação da Yarovaya” se tornar a lei, o Conselho da Federação deve aprova-la, e, em seguida, o presidente Putin precisa de promove-la. Não há dúvida de que isso irá acontecer. A página Meduza oferece um breve resumo da nova legislação que chama de “leis mais repressivas da história pós-soviética”.

A nova legislação, diga-se de passagem, recebeu a desaprovação mais que veemente do Edward Snowden que escreveu no seu twitter: “A nova lei Big Brother da Rússia é inviável, uma violação injustificável de direitos que nunca deveria ser assinada”.
Dado que o ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA que denunciou as práticas muito mais liberais dos EUA, se encontra em asilo na Rússia, ele já recebeu algumas ofertas dos internautas que seguem o seu microblogue. Por exemplo, como escreve Prophet of [OMITTED] “Bro, se você acabar no meu país como resultado deste tweet, eu tenho um quarto vago”.
Falta de comunicação de um crime
À partir do dia 20 de julho de 2016 “a falha de denunciar um crime” se tornará, por si só, uma ofensa criminal. Os russos serão obrigados a informar as autoridades sobre qualquer coisa que sabem sobre os preparativos dos ataques terroristas, rebeliões armadas e mais de meia dúzia de crimes diferentes. Qualquer um que não denunciará tais atividades, poderá ser condenado à pena prisional de até um ano de prisão.

Justificando o terrorismo na mídia social
A publicação de incitações ao terrorismo online, ou mesmo expressão da aprovação do terrorismo na Internet, será equiparado, legalmente, à publicação de tais comentários na mídia geral, sujeitando os indivíduos às mesmas penalidades rigorosas agora impostas aos meios de comunicação social. A pena máxima por incitar ou justificar o terrorismo publicamente é de sete anos de prisão.

Os registos telefónicos e os SMS, o acesso policial à estes dados
Uma parte da legislação da Yarovaya que passou pela Duma quase sem revisões foi a criação de novos requerimentos de armazenamento de dados de telecomunicações. Agora, empresas de telefonia móvel russas terão armazenar os registos de todas as chamadas e mensagens de texto trocadas entre os clientes por um período de seis meses. E por três anos, as empresas terão de manter os metadados sobre todas as chamadas e mensagens de texto (a informação de quando e entre quem as mensagens foram trocadas, mas não o conteúdo real das mensagens). As mesmas regras se aplicam aos “organizadores da distribuição de informação na Internet”. (Os reguladores estaduais irão identificar os recursos da Web que se qualificam como “organizadores de divulgação da informação”). Enquanto as empresas de telecomunicações terão de armazenar os metadados por três anos, “os organizadores” só precisarão manter a informação durante um ano.

A encriptação de dados
Há uma outra alteração importante destinada a “organizadores de distribuição de informação na Internet”: se um serviço online, um aplicativo messenger, uma rede social, um cliente do e-mail, ou mesmo apenas um sítio criptografa os seus dados, os seus proprietários serão obrigados, ao pedido do Serviço de Segurança Federal (FSB), à decifrar qualquer mensagem enviada por seus usuários. A multa por se recusar a cooperar pode ir até um milhão de rublos (mais de 15.000 dólares).

O trabalho missionário
A legislação da Yarovaya aperta regulamentos na esfera da vida religiosa da Rússia, criando uma definição completamente ampla do trabalho missionário, que à partir de agora será praticamente impossível de exercer por qualquer um que não seja formalmente afiliado às organizações ou grupos registados. E qualquer tipo de trabalho missionário será agora restrito à áreas especialmente designadas. As multas por violar estas novas regulamentações podem chegar à 1 milhão de rublos.
Agente estrangeiro! A inscrição na perede do escritório da ONG "Mulheres do Don" (Rússia) encabeçada pela Valentina Cherevatenko, acusada oficialmente de "recusa aguda" de cumprir os requisitos da lei sobre os "agentes estrangeiros".
As punições mais duras contra o extremismo
A nova legislação prevê que as pessoas condenadas por extremismo irão para a prisão mais vezes e com as penas mais longas. Aqueles que não vão acabar atrás das grades vão pagar as multas maiores. Em alguns casos, as mudanças são extraordinárias. Por exemplo, pessoas que atualmente são condenadas por financiar as atividades extremistas (artigo 282.3 do código penal russo), recebem as penas até três anos de prisão, nem sempre estas penas são efetivas. A nova legislação prevê a pena máxima de oito anos e a pena mínima de três anos.
"O meu bisavô foi preso por uma anedota, eu serei presa por uma repostagem",
atualidade, piquete solitário, Rússia, cidade de São Petersburgo
Induzindo as pessoas a aderir à agitação em massa
A legislação da Yarovaya introduz um novo artigo do código penal que proíbe “induzir, recrutar ou de outra forma, envolver” outros na organização de distúrbios em massa. A pena máxima por desobedecer essa lei é de dez anos e a pena mínima é de cinco anos.

A responsabilidade criminal à partir de 14 anos de idade
A legislação da Yarovaya expande a responsabilidade penal dos adolescentes com mais de catorze anos. Atualmente, as pessoas nessa faixa etária podem ser processadas ao abrigo de 22 artigos diferentes do código penal russo. O número subirá para 32. Será possível processar os jovens de 14 anos de idade pelo terrorismo internacional, a participação em comunidades terroristas, organizações terroristas e grupos armados ilegais; pela participação nos campos de treino terrorista, por participar na agitação em massa, por atentar contra a vida de um oficial do estado, por atacar um funcionário ou a unidade que goza de protecção internacional. A legislação diz mesmo o jovem de 14 anos de idade pode ser processado por não denunciar um crime.

O terrorismo internacional
O código penal russo também está recebendo um novo artigo “contra o terrorismo internacional”, que os promotores podem usar contra as pessoas acusadas de realizarem ataques terroristas além das fronteiras do país, em qualquer ataque que matou ou feriu cidadãos russos. A lei também se aplica à qualquer pessoa acusada de atos de financiamento do terrorismo. Este crime prevê a pena máxima de prisão perpétua.

Inspeções de encomendas postais
A legislação vai obrigar “os operadores postais” (o serviço russo de correios e todas as empresas postais privadas) à garantir que eles não estão enviando nada de ilegal. A lista de itens proibidos inclui dinheiro, armas, narcóticos, venenos, produtos perecíveis e as substâncias que possam prejudicar os funcionários do serviço postal ou danificar outras encomendas. Os custos da realização dessas inspeções cairá sobre os operadores postais.

O que foi excluído desta legislação?
A revogação da cidadania das pessoas. No texto inicial, Yarovaya e os seus co-autores propuseram vários motivos para revogar a cidadania russa. Este acto teria sido aplicado em várias circunstâncias, incluindo à qualquer um condenado por crimes terroristas ou extremistas, e mesmo aos russos que cooperariam com certos tipos de organizações internacionais.

A revogação do direito dos cidadãos a deixar o país. A primeira proposta da legislação também proponha a proibição de viagem ao exterior ao qualquer um que recebeu a “advertência oficial” sobre “a inadmissibilidade de ações ilegais cometidas”. Isso deveria ser aplicado extrajudicialmente. Na proposta final os legisladores mudaram a alteração, propondo restrições de viagem ao estrangeiro só para os cidadãos russos com as condenações pendentes ou não prescritas dos certos crimes (o terrorismo e o extremismo). No final, a Duma decidiu abandonar estas emendas.

Para já não há nenhuma explicação das razões por que que estas alterações foram introduzidas na primeira proposta da legislação para depois desaparecerem da proposta final.

Blogueiro: analisando a nova legislação draconiana russa, se pode chegar a simples conclusão que o país, está, lentamente, mas seguramente, derivar ao novo e profundíssimo totalitarismo estalinista. A nova legislação permite, de forma legal, condenar quase qualquer um, por quase por qualquer coisa. Ora vejamos: “a falta de comunicação de um crime” permite condenar qualquer pessoa da lista dos contactos de qualquer um que cometeu um “crime extremista” de postar na rede social qualquer publicação em apoio da Ucrânia no âmbito da atual guerra russo-ucraniana. Basta recordar o caso da cidadã russa Yekaterina Vologzhennikova (a terrorista russa das redes sociais), que foi condenada à 250 horas de trabalhos forçados pelo “incitamento de ódio por motivos étnicos contra os grupos sociais, voluntários-milicianos da Rússia que lutam de lado das milícias (Sic!) e por [incitamentos contra] às autoridades atuais da Rússia”. Tudo isso, pela postagem de 6 (seis) publicações em apoio da Ucrânia na sua página da rede social “VK”.
O artigo contra “o terrorismo internacional” seguramente poderá ser aplicado contra qualquer ucraniano, civil ou militar, que no decorrer da Operação Antiterrorista liquidar algum terrorista russo. Por exemplo, caso as forças ucranianas liquidarem Igor “Strelkov” Girkin ou famigerado Arseniy “Motorola” Pavlov que já mataram ou mandaram matar os cidadãos ucranianos na Ucrânia, estes serão acusados ao abrigo da nova lei russa. Não é preciso dizer que nem Girkin, nem Pavlov, nem outros 7291 terroristas russos que vieram a Ucrânia para matar os ucranianos não são e não serão perseguidos pela justiça russa, nem com a legislação corrente, nem com a nova...

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