Libertados
no dia 14 de junho, os POW
ucranianos aceitaram contar as suas experiências como prisioneiros dos
atual sistema judicial russo, sem grandes mudanças, naquilo que é essencial, desde
os tempos da União Soviética. Os seus depoimentos poderão ser úteis, pois
descrevem a captividade russa real – sem nenhuns condições especiais e sem a
atenção especial da imprensa internacional. Tête-a-tête com regime que tem um
único objetivo: quebrar qualquer resistência do prisioneiro.
Neste
momento, ambos estão hospitalizados, pela frente estão os exames e tratamento médicos,
retorno à vida civil na Ucrânia. Eles realmente têm dificuldades de falar, os
médicos pedem para não serem perturbados. Mas Gennady e Yuri falam muito e
emocionalmente: “as pessoas devem saber sobre isso”, – explicam eles. Por bem dos
ucranianos que ainda permanecem nas prisões russas, alguns detalhes ainda não podem
ser reveladas. No entanto, esperamos que um dia todos os pormenores poderão ser
divulgados, escreve
Pravda.com.ua (todas as fotos do Yuri Soloshenko e Gennadiy Afanasyev no hospital @Dmytro Larin, UP).
Gennadiy
Afanasyev (25) veste uma T-shirt com tridente ucraniano, tem o mesmo tridente
no fio ao pescoço, ao lado – a bandeira da Ucrânia. Ele pede desculpa por falar
ucraniano de forma mais lenta, não tinha como exercitar a língua. Mas declina
categoricamente a proposta falar a língua que lhe é mais fácil [russo]: “Não,
ucraniano é uma questão de princípio”.
Gennadiy
Afanasyev
Nasceu
em novembro de 1990 na cidade de Simferopol. Foi graduado pela faculdade do
direito na Universidade Nacional de Tavria (Crimeia). Trabalhava como
fotógrafo. Durante a ocupação russa da Crimeia, apoiava os militares ucranianos
entrincheirados nos seus quartéis, participava nas manifestações pró-Ucrânia.
Em 2014, quando foi preso, tinha 23 anos, hoje tem 25.
Foi
preso na via pública pelas pessoas à civil armadas com as espingardas
automáticas, a prisão foi filmada pelos jornalistas. Colocaram um capuz na sua cabeça,
o atiraram ao chão, pontapeavam na cabeça e na barriga, faziam perguntas sobre
diversas pessoas e ameaçavam que estão o levar para o mato, obrigar a cavar a
sua própria sepultura. No fim levaram para o seu próprio apartamento, fizeram
lá as buscar e sem achar nada o transportaram ao FSB e de lá para o local onde
Gennadiy passou os primeiros 10 dias da sua detenção.
Não
havia advogado, apenas os investigadores de Moscovo e do Cáucaso, funcionários
do FSB. Gennadiy era algemado à uma mesa metálica, primeiro lhe faziam as
ameaças e perguntas, depois o espancavam. Percebendo que ele não sabia nada
daquilo que lhes interessava, exigiam “confessar” a intenção de dinamitar o
monumento da “Chama eterna” (memorial soviético da II G.M.). O batiam com as
luvas de boxe, para não deixar as hematomas. Tudo isso aconteceu no 1º dia da
sua detenção.
Depois
Gennadiy foi levado ao local, onde passou 10 dias, não sabe onde ficava, apenas
era local frio, parecia uma cave. Lá não o deixavam nem comer, nem dormir, não
havia nem o papel higiénico. Nos primeiros 5 dias colocavam na cabeça o saco
plástico e o sufocavam. Usavam a pressão psicológica, levaram à sua cela uma
pessoa que Gennadiy conhecia (Oleksiy Cherniy), este testemunhou contra ele,
contando as coisas que sabia ao seu respeito. Os investigadores diziam que
Gennadiy não tinha chances: “Serás condenado à 20-25 anos, se vais confessar,
receberás menos”.
Cineasta ucraniano Oleg Sentsov |
Assim, Gennadiy achou que seria salvo, confessando uma ação menor, o fogo posto (danos
no valor de cerca de 860
dólares, pagos na totalidade pela sua mãe). Depois o começaram perguntar
sobre Olexandr Kolchenko
e Oleg Sentsov,
iniciaram as torturas severas. Colocavam a máscara anti-gás na cabeça, metiam
nela a gás pimenta, Gennadiy sufocava no seu próprio vomito, lhe tiravam a
máscara, davam cheirar amoníaco
e repetiam o processo. Colocavam os fios elétricos nos genitais e davam
descargas elétricas. Como diz Gennadiy: “se o sufocamento é possível aguentar,
este já era o outro tipo de dor. Assim, obrigaram à assinar os documentos. Todo
o texto já lá estava escrito, exigiam apenas assinar aquilo”.
Ativista ucraniano Oleksandr "Tundra" Kolchenko |
Quase
no fim, quando os russos queriam chegar à um acordo, Gennadiy foi despido,
colocado no chão, agarrado e os torturadores aproximavam ao seu corpo nu um
ferro de soldar e prometiam o estuprar com o ferro ardente. Ameaçavam chegar à
sua mãe...
Após
assinar os documentos, Gennadiy Afanasyev foi levado à Moscovo e obrigado à declarar
perante as câmaras tudo que lhe foi exigido. Lembrando o que lhe fizeram nos últimos
dias, Gennadiy não acreditava que alguém o poderia defender. Os torturadores diziam:
“[Assina] e assim estarás calmamente numa prisão perto de casa, [num local] quente
e bom, senão – acabarás em lugares muito maus”.
No
tribunal, Gennadiy Afanasyev contou tudo sobre
as torturas e desmentiu as declarações arrancadas sob a coação. Logo
depois, foi espancado pelos operacionais do FSB na cidade de Rostov, mas graças
à presença no seu processo dos advogados e defensores dos direitos humanos, conseguiu-se
documentar os traumas que lhe foram infringidos.
Chateados,
os russos levaram Afanasyev para a colónia penal na República de Komi, o
GULAG da Rússia atual. No local, após “acharem” uma lamina nos seus pertences,
colocaram Gennadiy no isolamento penal e depois na “barraca de regime severo”. É
uma grande barraca, que abrigava cerca de 100 pessoas em 150 m², as paredes
externas e as celas eram separadas com as grades de ferro, este espaço era patrulhado
constantemente pelos guardas armados. Os presos não tinham nenhuma privacidade,
não havia as cadeiras, era proibido se deitar.
Depois
de mais uma provocação, quando nos seus pertences foi colocado um cartão SIM,
Gennadiy foi levado à colónia penal feminina №31 na cidade de Mikun, onde passou 2 meses e 15
dias numa cela solitária, apenas na companhia de livros. As cartas não lhe eram
entregues, as suas cartas não eram mandadas: “talvez foram perdidas” ou “foram
perdidas”, nas explicações dos seus carcereiros.
É
impossível contar a vida de dois anos e dois meses em apenas 10-20 minutos, –
diz Gennadiy Afanasyev no fim da conversa. Então, vocês perguntam, o que aconselhar
aos outros ucranianos que podem cair no cativeiro russo? Melhor simplesmente não
parar lá, porque é inútil contar com um julgamento justo e com um tratamento
humano. Se um ucraniano está em desesperança é melhor que ele salve a sua vida
e [o país] o salvará do cativeiro. Não se deve morrer, não se deve entregar a
sua vida, se você sente que não a consegue manter.
Faça click na imagem para ver o vídeo |
O
prisioneiro político Gennady Afanasyev especialmente para os jornalistas, recitou
um poema do poeta ucraniano Vasyl
Stus, dissidente e prisioneiro político, que morreu após uma greve de fome no
campo de concentração soviético em setembro de 1985.
Yuriy
Soloshenko
Natural
da região de Poltava, foi graduado pela Universidade Nacional de Kharkiv, 48
anos trabalhou na fábrica “Znamya” (Bandeira) que pertencia ao complexo militar
soviético e depois ucraniano. Em 2010 Yuriy Siloshenko se reformou, a fábrica se
fechou mais tarde, mas continuava à vender o seu stock, muitas vezes com a sua
ajuda, graças aos contactos no Ministério da Defesa da Rússia. No momento da
sua prisão tinha 72 anos, recentemente completou 74.
Em
2014, Yiriy recebeu o telefonema de um antigo amigo russo, coronel do exército e chefe do departamento de aquisições de defesa
na empresa “Roselectronika”, que o pediu para testar os equipamentos produzidos
pela fábrica ucraniana que a sua empresa, alegadamente, adquiriu recentemente.
Yuriy Soloshenko conhecia o coronel Konstantin Kollegov nos últimos 12 (!) anos e não desconfiou
de qualquer más intenções deste pedido.
O coronel Konstantin Kollegov |
Após
ser algemado e fotografado Soloshenko foi levado à direção de investigação do
FSB em Moscovo e de lá à um juiz que lhe aplicou a pena de prisão preventiva de
2 meses na cadeia moscovita de Lefortovo. O seu investigar
lhe propôs pedir a cidadania russa: “Caso receber a cidadania russa lhe será atribuído
o estatuto de testemunha. Nós não seguimos você, seguimos Kolegov. [...] Se
você aceitar a cidadania [russa] terá o estatuto da testemunha, estará sob a
proteção da lei russa da protecção de testemunhas”.
Passados
dois meses, a sua detenção é prorrogada para mais dois. Soloshenko entra no
estado pré-ataque cardíaco. Um mês depois, os carcereiros lhe indicam um
advogado, alegando que o advogado inicial desapareceu. O novo advogado, após
receber os honorários pagos pela família do Soloshenko lhe propôs duas
escolhas: “Se declarar culpado e ser condenado à 10 anos de cadeia ou não se
declarar culpado e receber 20”. Soloshenko respondeu que na sua idade 10 ou 20
anos não lhe fariam nenhuma diferença. Tudo isso, tendo em conta que 10 meses
Yuriy estava sem advogado e 8 meses sem as visitas do Cônsul da Ucrânia.
Numa
das ocasiões Soloshenko recebe uma nova proposta de acordo pré-julgamento: “Caso
se declarar culpado de espionagem, uma semana depois será transferido para a prisão
domiciliária”, – na casa de um amigo seu que vivia nos arredores de Moscovo. Na
prisão Yiriy foi visitado pela, então, Comissária dos Direitos Humanos na federação russa, Ella Pamfilova,
que disse-lhe que só lhe poderá ajudar apenas após o julgamento.
O
chefe do departamento investigativo do FSB, coronel Igor Rastvorov confirmou a
oferta do seu investigador, apresentando ao Yuriy Soloshenko uma declaração,
por escrito, do tal amigo, em que este possuía o alojamento adequado e que
confirmava a sua concordância em receber Yuriy para este lá passar a prisão
domiciliária. Após assinar a sua “confissão”, o mesmo coronel do FSB informou
Yuri: “a sua prisão domiciliária é impossível, dado que você não possui o
registo domiciliar na Rússia”...
Um
dos investigadores, uma vez disse ao Yuri, num rasgo de sinceridade: “se eu o
declarar inocente, significaria que foi ao departamento de RH pedir a minha
demissão. A questão da sua detenção foi decidida ao nível do Gabinete do
Procurador-Geral e da liderança do FSB”.
Soloshenko
sentia que não tinha nenhuma chance. Rapidamente assinou 4 volumes do seu processo,
lendo apenas um, sonhando com a possibilidade prometida da condenação com a
pena suspensa. O seu julgamento foi marcado para o dia 1 de outubro de 2015.
O
julgamento foi fechado, não foi permitida a presença nem dos jornalistas, nem
do Cônsul da Ucrânia. Após ouvir as explicações do Yuri, o juiz mandou escrever
no processo que as suas palavras foram consideradas pelo “tribunal de forma crítica”.
No dia 14 de outubro foi lida a sentença, era único dia onde os defensores dos
direitos humanos e Cônsul da Ucrânia estavam presentes.
No
dia 10 de dezembro de 2015, quando lhe prometeram que a Comissária dos Direitos
Humanos, Ella Pamfilova,
discutiria o seu caso com o presidente Putin, Soloshenko foi levado pelo
comboio prisional à colónia penal em Nijni Novgorod. Sentiu-se mal no caminho e
ficou 2 semanas no hospital da Cadeia do Isolamento Operativo (SIZO) e depois, 2,5
meses no hospital prisional provincial. De lá, foi transferido para a colónia
penal.
Nunca
o batiam, tentavam o quebrar psicologicamente. O investigador dizia: “Claro, é
melhor morrer em casa”. Yuriy queria ver os seus netos. Recebia as cartas, das
ONG´s russas “Prisioneiro russo”, Rússia
aprisionada, das pessoas anónimas, da Diáspora ucraniana. Uma parte das
cartas só recebeu no processo da sua troca pelos separatistas ucranianos
entregues à Rússia, em junho de 2016...
Na
Rússia é absolutamente impossível contar com qualquer tipo de humanismo. Este
monstro, a Rússia, tem um poder, do autocrata de Toda a Rússia e da sua guarda
pretoriana, FSB. Aos aqueles que agora são mantidos como reféns na federação russa,
gostaria de dizer, para se manterem, para acreditarem, porque a Ucrânia não se
esqueceu de vocês – ela está lutando por todos os seus cidadãos.
Não
se pode perder a fé. Se eu não acreditasse que um dia estaria em casa – não sei
se chegaria vivo à este dia. Eu adormecia e acordava com esta ideia, ela se
tornou a minha oração, conta Yuri Soloshenko, de forma emocional.
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