segunda-feira, março 31, 2025

Shevchenko e Aldridge: a amizade entre o poeta ucraniano e o grande trágico negro

A improvável amizade entre o poeta nacional ucraniano Taras Shevchenko (1814-1861) e o ator afro-americano Ira Aldridge (1807-1867) oferece uma boa oportunidade para revisitar esta história notável e a sua ilustração da relação simbólica entre Ucrânia e Estados Unidos da América. 

Imagine: nos meados do século XIX, um lendário ator afro-americano que escapou da escravatura para ir ao outro lado do globo conhecer um grande poeta ucraniano – um antigo servo e prisioneiro político do regime czarista russo. Imagine a compreensão mútua interna e a solidariedade na interação criativa entre dois artistas extraordinários.

por: Olga Kerziouk, Curadora de Estudos Ucranianos, Londres 

O retrato de um homem muito simpático, com olhos grandes e bigodes, adornava todos os livros sobre o poeta nacional da Ucrânia, Taras Shevchenko. Foi pintado a lápis italiano preto e branco e finalizado por Shevchenko a 25 de dezembro de 1858.

Retrato de Ira Aldridge da autoria do Taras Shevchenko (Wikimedia Commons)

A 10 de novembro de 1858, Ira Aldridge interpretou Otelo pela primeira vez num dos teatros de São Petersburgo, na altura a capital russa, e Taras Shevchenko, um ávido leitor de Shakespeare e fervoroso espectador de teatro, estava na plateia, juntamente com os seus amigos (a família do conde Fiódor Tolstoy e outros). Ficou muito entusiasmado com a atuação e começou a chorar. 

Página de rosto de 'Um breve livro de memórias e carreira teatral de Ira Aldridge'

A 12 de novembro, Shevchenko encontrou-se pessoalmente com Aldridge na casa do Conde Tolstoi, onde Shevchenko era um convidado frequente. Tornaram-se grandes amigos (Aldridge chamava “artista” ao Shevchenko, tendo dificuldade em pronunciar o seu apelido ucraniano). Duas jovens filhas do Conde Tolstoi, Katya (Ekaterina Tolstoy Junge) e Olya, serviam frequentemente de intérpretes para eles. A 6 de dezembro, Shevchenko enviou uma carta ao seu amigo ator russo (nascido como semi-escravo, o servo, como o próprio Shevchenko) Mikhail Shchepkin, cheia de admiração pelo talento de Aldridge, “que faz milagres em palco”. “Ele mostra Shakespeare ao vivo”, escreveu Shevchenko. O amigo do Kobzar, Mikhail Mikeshin, fez um esboço satírico de Shevchenko em admiração diante de Aldrigde e o próprio Shevchenko acrescentou “O meu mudo espanto perante Ira Aldridge” (imagem abaixo). 

Taras Shevchenko desenhado por Mikhail Mikeshin

Em 1913, o pintor russo Leonid Pasternak fez o seu desenho de Aldridge e Shevchenko, que está reproduzido em livros sobre eles. O original está guardado no Museu do Teatro Central Estatal de Bakhrushin, em Moscovo.

Leonid Pasternak: «Shevchenko e Aldridge em São Petersburgo», 1913

Em 1861-1866, Aldridge visitou muitos lugares na Ucrânia: Kyiv, Kharkiv, Odessa, Zhytomyr e Kropyvnytskiy (na altura Elisavetgrad). Aprendeu russo e alemão e também se apresentou com sucesso utilizando esses idiomas. As suas apresentações atraíram grandes públicos em todos os lugares. O famoso dramaturgo ucraniano Ivan Karpenko-Karyi caminhou quilómetros desde a aldeia de Bobryntsi até Elisavetgrad para assistir à sua apresentação. 

Taras Shevchenko and Ira Aldridge: (The Story of Friendship between the Great Ukrainian Poet and the Great Negro Tragedian), by Demetrius M. Corbett, The Journal of Negro Education, Vol. 33, No. 2 (Spring, 1964), pp. 143-150 (8 pages)

A biografia deste extraordinário ator afro-americano (especialmente famoso pelos papéis shakespearianos) é fascinante e continua a atrair a merecida atenção. O seu bicentenário em 2007 foi celebrado em muitos países e os anais de um seminário sobre o mesmo foram publicados na Alemanha em 2009: Ira Aldridge 1807-1867. The Great Shakespearean Tragedian on the Bicentennial Anniversary of his Birth (Frankfurt am Main, 2009; YD.2009.a.9405). 

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Em 2012, Red Velvet, uma peça de Lolita Chakrabarti sobre Aldridge e a sua interpretação do papel de Otelo (publicada como livro; Londres, 2014; YK.2013.a.13939) estreou no Tricycle Theatre em Londres, com Aldridge interpretado por Adrian Lester. Cada vez mais pessoas estão a descobrir a vida extraordinária de Aldridge.

 

Foram publicadas mais diversos livros sobre Ira Aldridge em várias línguas, na sua maioria em inglês, mas também em ucraniano: editora Mystetstvo (Arte): «Aira Oldridzh: nehrytianskyi trahik» (Kyiv, 1966) X.898/2832); «Poet i trahik» (Kyiv, 1964; X. 908/1462), de Ivan Kulinych, os autores ucranianos exploraram, sobretudo a amizade de Taras Shevchenko e Ira Aldridge. 

Ivan Kulinych: «Poet i tragik», Kyiv, 1964

Este viajado e muito amado ator (também atuou na Alemanha, Áustria, Holanda, Hungria, Sérvia, Súiça) morreu durante uma digressão na Polónia a 7 de agosto de 1867. Os seus planos de regressar aos EUA, a sua terra natal, após o fim da Guerra Civil (era também um abolicionista assumido) nunca se concretizaram. Aldridge recebeu um funeral de Estado na Polónia e o seu túmulo encontra-se no Cemitério Antigo em Łódź. 

Túmulo de Ira Aldridge em Łódź (foto: Jan W. Raczkowski, Wikimedia Commons)

É emocionante prestar homenagem a esta grande vida que tocou a vida e a imaginação de outras pessoas em muitos países e culturas. Taras Shevchenko, cujos 213º aniversário celebramos este ano, foi um deles.

Faça click para ver as fotos e excepto da peça

Em 2014-16, em Nova Iorque, a companhia teatral Yara Arts Group, residente no Teatro Experimental La MaMa e liderada pela ucraniano-americana Virlana Tkacz, apresentou a sua peça teatral, «Dark Night Bright Stars», especialmente dedicada à amizade entre Shevchenko e Aldridge. Yara Arts Group é a companhia que lida frequentemente com uma ideia complexa e historicamente contingente da cultura ucraniana. Tkacz é muito conhecida na cena teatral do centro de Nova Iorque, bem como pelas suas colaborações com a lenda da Broadway Andre DeShields.

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História da Ucrânia e dos cossacos ucranianos, 1796

O historiador austríaco Johann Christian Engel escreveu em 1796: «A UCRÂNIA, do ponto de vista do seu território, é igual a um reino; é uma terra fértil, generosamente dada pela natureza; é a fronteira entre a Europa culta e a Ásia incivilizada, o pasto e a porta de inúmeras hordas asiáticas que tentaram inundar a Europa, e só por essa razão merece grande atenção. 

Agora UCRÂNIA faz parte do grande império russo. Mas como é que isso foi parar ao domínio russo? Como aconteceu que os cossacos independentes se encontraram sob o jugo de Moscovo? Como é que os MOSCOVITAS (não os russos!) tiveram a sorte de colocar correntes nos cossacos?» 

Hetman da Cossacos de Zaporizhia Bohdan Chmelnytskiy

Como podem ver, Lenine não inventou Ucrânia, nem os ucranianos (como disse o «grande historiador» putin), como escreve a ativista ucraniana Ala Zarvanytska. 

A sua obra «História da Ucrânia e dos Cossacos Ucranianos, e também do Reino da Galícia e Wladimir» (Die Geschichte der Ukraine und der ukrainischen Kosaken, wie auch der Königreiche Halitsch u. Wladimir) foi publicada em 1792 em Halle. 

Faça click para ler o texto original

Johann Christian Engel estudou filologia clássica e história na Universidade de Göttingen, foi aluno do historiador alemão August-Ludwig Schlotzer, um dos fundadores da teoria «normandista» da origem do estado Rus' de Kyiv (não confundir com o estado russo). Primeira obra independente de Engel foi «Comentário sobre a república militar ou uma comparação entre Espartanos, Cretenses e Cossacos» (Commentatio de republica militari seu comparatio Lacedaemoniorum, Cretensium, Cosaccorum; Göttingen, 1790) mostrou a influência de Heyne e Schlözer.

Os voluntários brasileiros na Legião Internacional da Ucrânia

Imagem ilustrativa: Facebook do Rafael Leite

O voluntário brasileiro Rafael Leite que nunca foi militar no Brasil conta a sua história da participação na defesa da Ucrânia, desde a sua chegada à Ucrânia até ingressar na Legião Internacional.

 

O voluntário Jeferson, do 2º Batalhão da Legião Internacional, é um outro civil brasileiro, formado em agropecuária, com experiência de pequeno empresário, também nunca foi militar no Brasil:

domingo, março 30, 2025

Confirmada a morte de 100 mil soldados russos na guerra contra Ucrânia

Jornalistas da Mediazona e do serviço russo da BBC, juntamente com uma equipa de voluntários, com base em fontes abertas, estabeleceram os nomes exatos de 100.001 militares russos mortos na guerra na Ucrânia (atualizado em 27 de março de 2025). 

“Mesmo de acordo com a nossa metodologia, este está longe de ser um número completo: os voluntários acumularam mais de 10 mil (10.269) obituários “em análise”. Nem todos são únicos, e é impossível simplesmente somar estes dois números, uma vez que algumas das entradas ali contidas são duplicadas”, observa Mediazona. 

Perdas russas na valiação do Estado Maior-general das FAU.
O número de baixas é a soma de KIA, MIA, WIA e POW

No terceiro aniversário da invasão em grande escala da rússia contra Ucrânia, a Meduza e a Mediazona publicaram um estudo que mostrava que entre 160.000 à 165.000militares russos morreram na guerra (última atualização da estimativa do número de mortos: 24 de fevereiro de 2025, a estimativa em si é do final de 2024). Este número é uma estimativa estatística do excesso de mortalidade masculina durante a guerra. Foi o resultado de uma comparação e análise de documentos específicos: as listas de nomes dos mortos, compiladas por voluntários desde o início da invasão, e o Registo de Casos de Herança, que publica informação sobre todos os herdeiros russos. A avaliação não inclui cidadãos de outros países que lutaram ao lado da Rússia, incluindo residentes dos territórios temporariamente ocupados (TOT) de Luhansk, Donetsk e outras regiões da Ucrânia. O número também se limita aos mortos e não inclui os feridos. 

O Mediazona publicou também uma lista de militares russos mortos na guerra, que os jornalistas têm mantido há três anos, juntamente com o serviço russo da BBC e uma equipa de voluntários. 

Blogueiro 

Em termos de comparação, em 10 anos da guerra no Afeganistão, a União Soviética teve 15.051 baixas mortais, deles — 14.427 militares do exército soviético (as perdas separadas do KGB — 576 pessoas, incluindo 514 de tropas da guarda-fronteira, subordinadas ao KGB e 28 do Ministério do Interior) e 53.753 feridos (contusões, ferimenos militares e quotidianos). O número de perdas irrecuperáveis ​​não incluia 417 militares desaparecidos ou que foram capturados durante os combates, até 1999, 287 destas pessoas não tinham regressado à URSS, rússia ou outros estados do espaço pós-soviético. Os números finais de militares mortos não incluem os que morreram devido aos ferimentos e doenças, após a sua evacuação do Afeganistão, nos hospitais do território da URSS.

Dmytro Dontsov, o pai do «nacionalismo integral» ucraniano

A 30 de março de 1973, em Montreal, no Canadá, aos 90 anos, faleceu o destacado jornalista, ensaista, criítico literário, político, ideólogo e fundador do nacionalismo integral ucraniano, Dmytro Dontsov (1883 - 1973).

Nascido em Melitopol, no sul da Ucrânia, estudou em São Petersburgo e cedo se envolveu na política, passando do ideal socialista e social-democrata ao nacionalismo ucraniano: voluntarista, embutido no poder e através da «violência criativa da uma minoria com a iniciativa».

Dmytro Dontsov, estudante em S. Patersburgo, 1902-1908

Em 1939, nas vésperas da ocupação soviética da Ucrânia Ocidental, Dontsov deixou Ucrânia, vivendo em em várias capitais europeias: Bucareste, Praga, Berlim e Paris. Mais tarde, mudou-se para os Estados Unidos e daí para o Canadá, onde viveu em Montreal de 1947 até à sua morte. Aí permaneceu de 1947 a 1953. Lecionou literatura ucraniana na universidade local. No entanto, não foi sepultado em Montreal, mas sim nos Estados Unidos – no cemitério ucraniano de South Bound Brook.

Por ocasião do aniversário do destacado político e publicista, recordaremos uma das suas coletâneas de artigos, escritos e publicados no Canadá. Assim, os artigos nele incluídos foram escritos entre 1948 e 1954 e publicados em 1955 em Toronto.

O título, de forma concentrada, transmite a ideia principal da coleção e apela às palavras sobre o veneno «do cálice moscovita», sobre o qual Taras Shevchenko escreveu e que durante séculos mudou a consciência dos ucranianos, transformando-os em «pequenos russos» e súbditos do império. Dmytro Dontsov analisa como funciona este veneno e que consequências provoca.

Dmytro Dontsov: «Veneno moscovita», 1955

Tomemos a liberdade de expor uma breve citação do artigo «Apelo aos Hrytsis» (1952), que parece relevante no nosso tempo: «Em severa agonia, a ideia de nacionalismo nasce na Ucrânia, espancada e arranhada por golpes de fora, minada de dentro pelas minhocas «nativas».

Os três principais tipos de ucranianos, brilhantemente criados por Gogol, ainda vivem nesta terra. São eles, um cossaco, um «pequeno russo» sentimental (mortadela, copo, mulher, casa do campo) e um «desprezível pequeno russo», um informador, um especulador ou um gangster...» 

Dmytro Dontsov. «Veneno moscovita». – Toronto-Montreal, 1955. – 296 p.

Os textos da colectânea podem ser lidos, em ucraniano, AQUI. 

Fonte: Diáspora.ua

Entre acordos de paz e os crimes de guerra

Quando um europeu comum, ao pequeno-almoço, fica entre um croissant e leitura das notícias sobre prédios destruídos e escolas em chamas em Kharkiv, é improvável que isso lhe deixe uma impressão significativa, pois diz respeito a uma cidade desconhecida que fica muito longe.

No entanto, Kharkiv é a segunda cidade mais populosa da Ucrânia, com uma população de 1,5 milhões. Assim, um europeu médio pode facilmente imaginar cidades comparáveis, como Munique (1,5 milhões de pessoas), Marselha (1,6 milhões de pessoas) ou Barcelona (1,6 milhões de pessoas). Por outro lado, imaginar crianças a jogar futebol alegremente num estádio escolar em Marselha e, de repente, um drone de ataque ou um míssil balístico embater nesse mesmo local seria extremamente desagradável.

A 27 de março, as tropas russas voltaram a atacar Kherson (279.000 pessoas) em plena luz do dia, atacando a estação ferroviária e as infraestruturas circundantes, bem como o centro da cidade. Duas pessoas que aguardavam numa paragem de transporte público morreram instantaneamente, e outras foram hospitalizadas.

No dia anterior, a 26 de Março, drones kamikazes russos atacaram massivamente edifícios exclusivamente residenciais em Kharkiv, onde nunca existiram unidades militares ou fábricas. Como resultado, os incêndios devastaram a cidade durante toda a noite, vários prédios de apartamentos foram danificados e cerca de vinte civis ficaram feridos, entre eles um rapaz de 5 anos e uma rapariga de 14 anos.

No mesmo dia, Dnipro, a quarta maior cidade da Ucrânia, com uma população de quase 1 milhão de habitantes e um importante centro científico, de investigação e industrial, conhecida como a capital espacial da Ucrânia, foi atacada por drones e mísseis balísticos. Como resultado deste ataque, vários edifícios residenciais, 60 carros particulares e instituições de ensino foram destruídos e três civis sofreram ferimentos graves.

A 24 de março, em plena luz do dia, os russos lançaram um ataque com mísseis no centro de Sumy (com 256.000 habitantes), resultando em 108 pessoas gravemente feridas, incluindo 23 crianças. Um grande número de objectos completamente civis, que não tinham qualquer relação com as actividades de combate, sofreram danos significativos, três edifícios residenciais foram completamente destruídos e mais de 3.000 janelas foram partidas pela onda de explosão.

É também de realçar que as áreas povoadas nas regiões da linha da frente sofrem não só com mísseis e drones, que ameaçam todo o território da Ucrânia, mas também com as bombas voadoras e artilharia russa de longo alcance. Isto aplica-se às regiões de Kharkiv, Sumy, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, onde casas particulares, escolas, jardins de infância, empresas e quintas são destruídas diariamente.

Ao mesmo tempo, a guerra na Ucrânia está a acontecer, de facto, não muito longe da UE, mas bem ao longo das suas fronteiras orientais. Por exemplo, um voo de Kyiv à Paris demora três horas, enquanto um voo de Londres para Lisboa demora, em média, outras três horas. Portanto, o combate de alta intensidade que tem vindo a ocorrer na Europa de Leste há três anos afecta significativamente a situação em todo o continente europeu de uma forma ou de outra e, embora os residentes comuns possam não se aperceber deste facto, os líderes políticos da maioria dos países da UE, Reino Unido, Noruega, Islândia e Suíça estão ansiosos por um fim rápido para a guerra.

Paradoxalmente, nem todos os políticos ocidentais, particularmente nos EUA, percebem perfeitamente que a guerra foi iniciada pela rússia com a sua invasão em grande escala e sem provocação da Ucrânia, e que é precisamente a federação russa que pode pôr fim à guerra.

No entanto, como as últimas semanas mostraram, Moscovo não está interessada em pôr fim à guerra, uma vez que as delegações russas apenas participam formalmente em negociações mediadas pelos EUA e pela Arábia Saudita, demonstrando uma posição inflexível e apresentando a Kyiv exigências deliberadamente irrealistas que, de facto, significam uma capitulação completa. E embora tenha sido alcançado um acordo para proibir os ataques às infra-estruturas energéticas e civis, as tropas russas continuam a realizar ataques aéreos permanentes à Ucrânia, que afectam particularmente as infra-estruturas críticas das grandes cidades e a população civil.

Por exemplo, todos os ucranianos ficaram chocados com a notícia de que, no dia 23 de Março, uma menina de 5 anos e o seu pai foram mortos (enquanto a sua mãe estava hospitalizada em estado grave) num ataque de drones em Kyiv e que eram deslocados internos das áreas da linha da frente da região de Zaporizhzhia. Noutra zona, uma idosa foi queimada viva num incêndio ocorrido após um ataque de um drone armado com uma ogiva termobárica. No dia 25 de março, uma criança de 3 anos e a sua mãe de 36 foram mortas num ataque bombista na aldeia de Kurytivka, na região de Donetsk.

Os ucranianos têm lido diariamente uma série de notícias semelhantes nos últimos três anos. Seria absurdo pensar que, nestas condições, os cidadãos da Ucrânia não querem o fim imediato da guerra! No entanto, não procuram um cessar-fogo temporário, mas sim uma paz duradoura baseada na justiça, no direito internacional e no respeito pelos princípios da inviolabilidade das fronteiras e da integridade territorial dos Estados.

Por sua vez, a liderança da rússia não depende tanto da vitória das suas próprias tropas no campo de batalha, mas do método de pressão terrorista em todo o território da Ucrânia através de ataques aéreos permanentes que destroem implacavelmente as infraestruturas críticas e causam baixas significativas entre os civis. O Kremlin presume que o povo ucraniano fugirá para a Europa ou recorrerá à agitação política, exigindo que Kyiv cesse imediatamente a resistência ao agressor e conclua um acordo de paz com Moscovo em quaisquer termos, o que, de facto, significa a capitulação da Ucrânia à rússia.

Os mestres do Kremlin acreditam que, ao continuarem a matar ucranianos pacíficos, incluindo crianças, quebrarão o espírito de luta, a força de vontade e o desejo de liberdade da nação política ucraniana, independentemente da origem étnica dos seus representantes e da língua da sua comunicação quotidiana. Actualmente, o objectivo de Putin não é capturar rapidamente Kharkiv, Sumy, Dnipro e outras grandes cidades ucranianas (como espera fazer mais tarde), mas sim forçar os ucranianos à «paz» no sentido exacto que Moscovo dá à palavra, em vez de Ucrânia e dos seus aliados ocidentais.

Pela palavra «paz», o Kremlin quer dizer a demissão do Presidente Zelensky e do povo que está para vir, que concordaria com a anexação da Crimeia, Sebastopol, as regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson, que já foram incluídas na Constituição da federação russa, ao poder em Kyiv e, finalmente, a entrada de uma Ucrânia fantoche e diminuída no Estado da União da rússia e Belarus, bem como na União Económica Euroasiática.

Por conseguinte, putin ordenou não só lutar contra o exército inimigo, mas também realizar o genocídio da nação ucraniana por todos os meios disponíveis para atingir o seu objectivo. Como o Kremlin está convencido, quanto mais cidadãos ucranianos se tornarem refugiados nos países da UE, melhor será para as futuras autoridades de ocupação. Outros ucranianos pressionariam Ucrânia para assinar uma capitulação. Assim, enquanto o Ocidente pretende que Moscovo conclua um acordo de paz com Kyiv o mais rapidamente possível em termos mutuamente aceitáveis, a rússia prefere claramente continuar a cometer crimes de guerra.

sábado, março 29, 2025

A história do mercenário togolês capturado pelas FAU

O mercenário togolês Dosen Touseh (1998) procurava o emprego na rússia, assinou o contrato, foi enviando para a linha da frente. Foi atingido por um drone ucraniano. Sofreu a queimadura por frio. Foi capturado pelas FAU. Irá sofrer a amputação dos pés. 

Este é um resumo curto das aventuras de um cidadão togolês de 27 anos na rússia e na Ucrânia. Mais um africano que correu atrás do “rublo largo” e assinou um contrato com as forças armadas russas (sem saber ler russo) no dia 16 de dezembro de 2024, pensando que serviria algures na retaguarda. Neste caso, foi-lhe prometido um emprego como polícia (!) em Saratov (!!) Naturalmente, o mercenário não chegou ao Saratov, nem sequer poderia trabalhar na polícia, por não saber falar russo. Quando se aprecebeu o que realmente tinha assinado, o rapaz tentou fugir, mas já era tarde demais. 

Dois dias depos, no dia 18 de dezembro, já estive na linha da frente. No dia 16 de fevereiro de 2025, na sua primeira missão real de combate, o seu grupo internacional foi liquidado por um único ataque de drone ucraniano. Ferido, refugiou-se num abrigo, onde três dias depois os militares ucranianos o encontraram com os membros congelados. Os médicos ucranianos conseguiram salvar-lhe os braços, mas o mercenário teve muito menos sorte com as suas pernas – mais provavelmente terá os pés amputados. 

Apesar de receber uma parte do dinheiro prometido pelos russos, o togolês não está nada satisfeito. Foi enganado, ficou aleijado para sempre e não se sabe quanto tempo passará em cativeiro ucraniano – a parte russa deixou de precisar dele no preciso momento em que foi ferido em batalha. O contrato assinado valeu a pena dos pés perdidos? A resposta é óbvia.

Canto vermelho do Exército Lituano, 1940

«Viva o líder de todos os povos, o camarada Estaline»

Estamos no verão de 1940, no curtíssimo período de tempo, em que a Lituânia ainda era formalmente independente, mas de facto, já se tornou um satélite da URSS. 

Além de Estaline e Voroshilov, há retratos dos líderes interinos do estado lituano – Vincas Krėvė-Mickevičius (o primeiro-ministro da Lituânia «popular» entre 24 de junho de 1940 à 1 de julho de 1940) e Justas Paleckis (presidente da Lituânia «popular» entre 17 de junho de 1940 à 24 de agosto de 1940). O primeiro estudou em Kyiv (1904) e Lviv (doutoramento em filologia 1908). Durante a Segunda Guerra Mundial, foi para o Ocidente e morreu nos EUA em 1954. O segundo permaneceu como um influente funcionário do PC soviético durante muito tempo, escapou todas as repressões comunistas e morreu em 1980. 

O filho de Paleckis, Justas Vincas Paleckis, atualmente é eurodeputado social-democrata e membro do Partido dos Socialistas Europeus. O seu filho e neto de Justas, Algirdas Paleckis, é um ex-diplomata lituano e ativista pró-Kremlin, em julho de 2021 foi julgado e condenado à seis anos de prisão por espionagem à favor da rússia. O Tribunal de Recurso da Lituânia confirmou a sentença em maio de 2022, embora baixou o termo prisional para 5 anos e meio.

Foto: Lietuva senose fotografijose

Texto: Eduard Andruschenko

sexta-feira, março 28, 2025

Amigos Portugueses da Ucrânia [1956]

Em 1956 surgiu em Lisboa a iniciativa da criação do grupo chamado Amigos Portugueses da Ucrânia, a ideia conjunta dos ativistas ucranianos da Espanha e de um grupo de destacados dirigentes portugueses, ligados à vida política, à literatura e ao jornalismo de Lisboa. 

A iniciativa para a criação dos Amigos Portugueses da Ucrânia partiu de um grupo de destacados dirigentes portugueses em Lisboa, entre os quais o Monsenhor Avelino Gonçalves (1895 – 1981), diretor do diário lisboeta Novidades; Pedro Correia Marques (1890 – 1972), colunista, comentador e editor do diário lisboeta Voz; Dr. João Ameal (1902 – 1982), historiador e filósofo, membro do Parlamento português; Francisco Costa (1900 – 1988), poeta e romancista; Silva Dias, director da Rádio Nacional de Portugal (possivelmente José Sebastião da Silva Dias, 1916 — 1994, professor universitário, que também foi jornalista e inspector da Polícia Judiciária); Dr. R. Valadão do Secretariado Nacional da Informação (possivelmente Ramiro Machado Valadão, 1918 — 1997, jornalista e político, Presidente da RTP) e J. M. de Almeida, jornalista (possivelmente João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida, 1892 – 1972, diretor d'O Dia). 

O engenheiro ucraniano Andriy Kishka (1909– 2006) 
Foto: esu.com.ua

O engenheiro e economista ucraniano Andriy Kishka (1909 – 2006), que também era jornalista e político, entre 1951 e 1964 residiu na Espanha, onde representava o governo da Ucrânia no exílio (DT UNR), autor e promotor das Associações dos Amigos das Nações Oprimidas, ao comentar o estabelecimento dos Amigos Portugueses da Ucrânia declarou: «No meu contacto com os líderes portugueses, descobri que a abordagem pela qual os portugueses iniciaram este trabalho deve ser considerada única. Quando estava a caminho de Lisboa, apercebi-me de que Portugal está longe da Ucrânia e nunca tinha mantido relações com ela; sabia de muitos penitenciários notáveis como Sua Excelência Fernando Cento (1883 —1973) e Sua Excelência Ildebrando Antoniutti (1898 – 1974), Núncios Apostólicos em Lisboa e Madrid, respectivamente, demonstraram um interesse activo pela minha missão, mas eu também sabia que o estabelecimento de uma tal Associação em Portugal seria uma tarefa difícil. Disse aos meus Amigos Portugueses da Ucrânia que, ao criarem a Associação, mostraram que possuíam o talento tradicional para a descoberta inerente à nação portuguesa, porque tinham descoberto o facto real de que as dificuldades do mundo tinham as suas raízes na escravização da Europa de Leste», escreveu o jornalista, historiador e educador ucraniano Dr. Nicholas (Mykola) D. Chubaty (1889 – 1975), fundador e editor, até 1957, da revista ucraniana em língua inglesa, Ukrainian Quarterly, publicada nos EUA entre 1944 à 2010. 

Naquela altura, quer Eng. Kishka, quer os Amigos da Ucrânia em Lisboa, tinham a convicção, definitivamente ingénua de que, através da libertação das nações cativas do império soviético, a própria nação russa também seria libertada do fardo de subjugar mais de cem milhões de não russos e, assim, encontraria uma oportunidade favorável para desenvolver os seus próprios talentos e verdadeiras liberdades democráticas cristãs. 

Os propósitos e objectivos dos Amigos Portugueses da Ucrânia foram amplamente discutidos em jornais de Lisboa como a Voz, Novidades e Diário de Notícias, bem como na rádio portuguesa. Os seus propósitos foram resumidos da seguinte forma: «Fornecer ao mundo informações verdadeiras sobre a Ucrânia; contribuir para o estabelecimento de relações amistosas entre Portugal e a Ucrânia.» 

O plano de estabelecer uma Associação de amizade entre as nações livres do mundo ocidental e as nações actualmente escravizadas pela Moscovo comunista e seus associados foi o início de uma cruzada cristã idealista pela verdade, a fim de desmascarar a hipocrisia comunista da USSR. Na época, Moscovo/ou estva a esforçar-se por se posicionar como libertadora dos antigos povos coloniais que já foram libertados ou estavam a ser libertados, ao mesmo tempo que continuava uma opressão colonial de pelo menos quinze nações com uma tradição e cultura milenares. 

Ucrânia, potencialmente um dos países mais rico da Europa, em termos dos seus solos, recursos naturais e humanos, estava exposto à exploração mais brutal por parte do governo central do império colonial soviético. 

A criação desta associação de amizade para a Ucrânia em Portugal (a primeira do género) foi cordialmente acolhida por ucranianos em todo o mundo. O bispo grego-católico ucraniano, Neil Savaryn (1905 – 1986), do Canadá Ocidental, escreveu aos Amigos Portugueses da Ucrânia: «Nesta grande obra pode ser prevista a nossa próxima missão na Europa de Leste, que foi tão vigorosamente proclamada ao mundo pela Mãe de Deus em Fátima». O Comité do Congresso Ucraniano da América (UCCA), a organização central de um milhão de americanos de ascendência ucraniana, escreveu por ocasião da criação dos Amigos Portugueses da Ucrânia o seguinte: «Expressaste a tua convicção e sabedoria política de que a tua simpatia pela nação escravizada da Ucrânia é uma arma psicológica potente que, quando utilizada de forma adequada e sensata, pode revelar-se uma NATO invencível que conduza a uma guerra pacífica de libertação de todas as nações escravizadas pela União Soviética.» 

No entanto, o grupo Amigos Portugueses da Ucrânia não durou por muito tempo, nem se sabe se desenvolveu alguma atividade prática, devido a simples ausência dos ucranianos em Portugal. Enquanto na vizinha Espanha, a comunidade ucraniana, nas décadas de 1950-60, era composta por cerca de 50 pessoas, na sua maioria radicados em Madrid, em Portugal a situação era oposta. Faltavam cerca de duas décadas até a chegada da primeira ucraniana conhecida, estabelecida em Portugal, de forma permanente, Sra. Ludmila Gallasch-Hall, a futura «madrinha dos ucranianos», ou seja, da emigração ucraniana que se estabeleceu em Portugal, em massa, à partir de 1989-91, a mãe da Aline Gallasch-Hall de Beuvink, a destacada professora, investigadora e deputada na CML.

@Universo Ucraniano, quaisquer publicação somente mencionando a autoria do texto. 

quinta-feira, março 27, 2025

47ª Brigada Magura abre suas portas ao recrutamento

Os militares de outras unidades das FAU e civis que pretendam juntar-se à Magura, escrevam ao seguinte e-mail: magura.space

Se é civil, indique:

- Que serviços civis pode oferecer à Brigada?

- Está a pensar em ser voluntário civil? Se sim, quantas horas por semana está disposto a dedicar?

- Se oferece serviços pagos, descreva-os e indique o custo.

2. O único e-mail seguro para contacto com a 47ª OMBr: magura.space

Semper Audentes!

Bónus

Foi alargada a lista de brigadas das FAU que aceitam os jovens ao abrigo do «Contrato 18-24». Mais dez foram acrescentadas às seis brigadas iniciais com as quais os voluntários dos 18 aos 24 anos podem assinar um contrato:

  • 3ª Brigadas Separada de Assalto
  • 24ª Brigada Mecanizada Separada
  • 93ª Brigada Mecanizada Separada
  • 30ª Brigada Mecanizada Separada
  • 128ª Brigada de Assalto de Montanha Separada
  • 36ª Brigada de Fuzileiros Separada
  • 39ª Brigada de Defesa Costeira Separada do 30º Corpo de Fuzileiros Navais
  • 25ª Brigada Aerotransportada Separada
  • 80ª Brigada de Assalto Aerotransportada Separada
  • 59ª Brigada de Assalto Separada

Pode-se se inscrever no site 18-24.army.gov.ua ou através da aplicação Reserve+

Ver mais detalhes: https://bit.ly/3RjZ8Gr

terça-feira, março 25, 2025

Os militares portugueses ao serviço da propaganda do Kremlin

Do serviço militar ao servilismo ideológico: como dois militares portugueses reformados, major-general Agostinho Costa e o major-general Carlos Branco se tornaram marionetas do Kremlin e do seu esforço propagandístico na Europa. 

Texto de Artur Gomes, o título geral é de responsabilidade do nosso blogue 

«Se há algo mais perigoso do que um ignorante, é um ignorante com megafone. E em Portugal, infelizmente, existem dois majores-generais reformados que, em vez de honrarem a farda que vestiram, optaram por transformar-se em fantoches de narrativas duvidosas, mestres da desinformação e inimigos confessos da verdade. 

O major-general Agostinho Costa e o major-general Carlos Branco são hoje símbolos vivos da degradação do comentário militar no espaço público. 

O que fazem não é análise, é propaganda disfarçada de opinião, uma mancha no debate público e um insulto à inteligência de quem os ouve. Estes dois “cavalheiros” são um risco real para a qualidade da informação e para a compreensão que os portugueses deveriam ter sobre assuntos de defesa e geopolítica. 

A ascensão de Agostinho Costa como “especialista” da guerra na Ucrânia é um caso de estudo em oportunismo e incompetência. O seu discurso é uma miscelânea de desinformação, argumentos falaciosos e uma impressionante subserviência às narrativas do Kremlin.

Desde os primeiros dias da invasão russa, Costa assumiu uma posição que pode ser descrita como tudo menos isenta. Sempre pronto a relativizar os crimes de guerra russos, minimizar os massacres em Bucha ou desacreditar a resistência ucraniana, o general tornou-se uma voz notoriamente enviesada, a ponto de alguns o acusarem, com razão, de atuar como um propagandista disfarçado de analista. 

Se fosse apenas uma questão de opinião, ainda poderíamos enquadrar as suas declarações como um exercício de liberdade de expressão. Mas a questão é que as suas análises são recheadas de erros factuais, imprecisões históricas e um desdém pela realidade que beira o criminoso.

Um exemplo gritante ocorreu quando, contra todas as evidências, Costa sugeriu que os ucranianos estavam a encenar massacres para culpar a Rússia, ecoando as teorias conspiratórias do Kremlin.

Este tipo de retórica não é apenas antiética – é perigosa. Contribui para confundir o público e dar argumentos àqueles que querem relativizar os horrores da guerra. 

E depois há a sua conduta pessoal, que espelha perfeitamente a falta de caráter que exibe na televisão. O episódio vergonhoso na CNN Portugal, onde insultou de forma grosseira e gratuita a analista Helena Ferro Gouveia nos bastidores, é uma amostra perfeita do seu temperamento tóxico. Incapaz de lidar com o contraditório, incapaz de sustentar as suas posições quando confrontado com factos, Costa refugia-se na grosseria e no insulto.

Um homem que se comporta desta maneira não merece espaço no comentário público, quanto mais ser tratado como uma autoridade em geopolítica. 

Mas este não foi um caso isolado. Agostinho Costa já protagonizou outros episódios que evidenciam a sua falta de ética e integridade. Durante várias aparições televisivas, tem mostrado uma postura de desprezo por qualquer opinião contrária, interrompendo colegas de painel e usando um tom condescendente, como se fosse o único detentor da verdade.

Para Costa, qualquer visão diferente da sua não é apenas errada – é ridicularizada, desqualificada e tratada como se fosse irrelevante. Esta atitude não é apenas arrogante; é uma forma de silenciar e desinformar. 

A influência de Costa no circuito da desinformação é tão evidente que foi incluído no Vatnik Soup, uma base de dados que expõe indivíduos que promovem narrativas pró-russas e desinformação alinhada com os interesses do Kremlin.

Esta lista, compilada pelo analista finlandês Pekka Kallioniemi, identifica agentes de propaganda e apologistas da Rússia, deixando claro que Costa não é um mero comentador excêntrico, mas sim um elemento ativo no jogo da manipulação informativa. 

Se Agostinho Costa é um problema, Carlos Branco não lhe fica atrás. Branco tem um currículo de serviço militar que, no papel, lhe daria legitimidade para falar sobre geopolítica.

Mas o que faz com essa credibilidade? Usa-a para distorcer a história e espalhar teses revisionistas perigosas. A sua tentativa de reescrever a história do genocídio nos Balcãs é um insulto à memória das vítimas e um atentado contra a verdade.

No seu livro «A Guerra nos Balcãs: Jihadismo, Geopolítica e Desinformação», Branco tenta inverter a narrativa de Srebrenica, sugerindo que o verdadeiro genocídio ocorreu na Krajina e não no massacre reconhecido internacionalmente como um dos maiores crimes de guerra da história recente.

Esta posição não é apenas controversa – é irresponsável. É um ato deliberado de desinformação, um exercício de manipulação que coloca Branco na mesma categoria daqueles que negam genocídios e tentam justificar atrocidades históricas.

Além disso, a sua ligação ao Valdai Club, um 'think tank' russo conhecido por promover as políticas do Kremlin, levanta sérias questões sobre a sua imparcialidade. Ser membro deste clube implica uma proximidade ideológica com a narrativa russa, o que compromete a sua credibilidade como analista independente.

A presença de Branco neste círculo coloca-o ao lado de figuras que servem de peões estratégicos do Kremlin, e a sua participação nestas redes de influência deveria ser analisada com muito maior escrutínio. 

Porque é que os media portugueses continuam a amplificar estas figuras? A responsabilidade da comunicação social é imensa. Não basta dar tempo de antena a qualquer ex-militar que aparece com um palpite sobre geopolítica. O jornalismo sério deve filtrar as vozes que merecem ser ouvidas e eliminar os charlatões. O problema não é apenas a incompetência de Costa e Branco – é a irresponsabilidade dos media em continuar a dar-lhes palco. 

É tempo de os portugueses exigirem melhor. É tempo de recusar a mediocridade e a desinformação disfarçada de análise. O país precisa de especialistas sérios, rigorosos e comprometidos com a verdade.

O que não precisa é de generais reformados que trocaram a honra pela propaganda, a verdade pela conveniência e a seriedade pela farsa. 

Agostinho Costa e Carlos Branco não são analistas – são farsantes. São um embaraço para as Forças Armadas, uma nódoa na credibilidade do comentário militar e um cancro no debate público. E quanto mais cedo saírem da televisão nacional, melhor será para a informação, para o país e para a dignidade dos verdadeiros especialistas.»

domingo, março 23, 2025

Os voluntários chineses ​​nas fileiras das FAU

Os voluntários chineses ​​nas fileiras da 110ª Brigada de Infantaria das FAU: engenheiro electricista «Tima» (42) e construtor civil «Ivor» (45). 

A incrível história de dois soldados da China que se juntaram às fileiras do Batalhão de Sistemas Não Tripulados da 110ª Brigada das Forças Armadas da Ucrânia. Escolheram conscientemente o lado da luz — Ucrânia, e agora defendem a sua liberdade, apesar da barreira linguística (usam o inglês rudimentar, Google e linguagem de gestos) e de todas as dificuldades. 

O que os empurrou para este caminho? Como conseguem interagir com os seus colegas e manter-se organizados? As respostas a estas questões já estão na entrevista. Sobre uma situação rara e verdadeiramente única que é profundamente comovente.

A história do Hino Nacional da Ucrânia

O hino ucraniano foi apresentado publicamente pela primeira vez há 160 anos, no dia 10 de março de 1865 em Przemyśl, durante um concerto em memória de Taras Shevchenko. O poema do Pavlo Chubynsky com a música do Mykhailo Verbytsky, tornou-se a voz do povo ucraniano em sua busca pela liberdade. 

A letra do hino «Ucrânia ainda não morreu» surgiu no outono de 1862, quando o poeta e etnógrafo Pavlo Chubynsky, depois de ouvir uma canção patriótica de estudantes sérvios numa festa em Kyiv, escreveu a primeira versão dos versos em meia hora. O poema se espalhou rapidamente entre os círculos ucranianos e, em 20 de outubro de 1862, os gendarmes czaristas ordenaram que Chubynsky fosse exilado para a província russa de Arkhangelsk «por sua influência prejudicial nas mentes das pessoas comuns». 

Poeta Pavlo Chubynskiy

Em 1863, o texto foi publicado pela primeira vez na revista ucraniana «Meta» de Lviv com indicação, errada, do que o autor é o próprio Taras Shevchenko, falecido há dois anos. O poema não deixou indiferente o padre e compositor ucraniano Mykhailo Verbytsky, que escreveu uma música solene para ele.

A publicação original na revista «Meta», 1863

A primeira apresentação pública ocorreu em 10 de março de 1865 na cidade de Przemyśl (Polônia atual). Em um concerto que marcou o aniversário da morte de Taras Shevchenko, a música foi tocada pela primeira vez pelo coral da Catedral de Przemyśl, regido por Anatol Vakhnianyn. A princípio, os presentes pensaram que estavam ouvindo a então popular Marcha de Dąbrowski - «Jeszcze Polska nie zgineła...», mas rapidamente se apreceberam que estavam ouvindo uma obra inédita. O apresentador anunciou a obra como «música de Mykhailo Verbytsky, letra de Taras Shevchenko», porque a autoria do texto foi então erroneamente atribuída ao Kobzar. Contemporâneos relembram que os acordes finais da música foram recebidos com aplausos estrondosos e exclamações de «Que grandeza!», «Verdadeira força de espírito!» O compositor Mykhailo Verbytskyi esteve pessoalmente presente no salão e recebeu os parabénsdo público entusiasmado.

«Ucrânia ainda não morreu», de Chubynsky e Verbytsky, junto com «O eterno revolucionário», de Franko e Lysenko, interpretadas pelo Coro Stetsenko, foram tocadas durante a proclamação do Ato de União entre a Rapública Ropular da Ucrânia (UNR) e a República Popular da Ucrânia Ocidental (ZUNR) no centro de Kyiv em 1919. Em 1939, «Ucrânia ainda não morreu» foi aprovado como o hino da Ucrânia dos Cárpatos.

Durante a era soviética, a música e a letra foram estritamente perseguidos e proibidos.

Nos tempos modernos, «Ucrânia ainda não morreu» foi apresentada pela primeira vez e publicamente, no palco principal do festival «Chervona Ruta» em 24 de setembro de 1989. A aprovação oficial da música como hino da Ucrânia ocorreu em 6 de março de 2003.

Ao mesmo tempo, a letra da primeira estrofe do hino foi alterada para «A glória e a liberdade da Ucrânia ainda não morreram».

O hino foi presente na Revolução Laranja de 2004 e na Revolução da Dignidade em 2013-14, no Leste da Ucrânia durante a guerra com a rússia e durante as vitórias dos atletas nas competições internacionais e no festival Eurovisão.

Glória à Ucrânia, pois nem a glória nem a vontade morreram para Ucrânia.

Hoje, durante a guerra em larga escala da rússia contra Ucrânia, o hino nacional inspira ucranianos ao redor do mundo. Este é o pulso da Ucrânia, forte, invicta e livre. Cada nota do nosso hino é a voz da liberdade que nunca será silenciada, escreve a Embaixada da Ucrânia em Portugal.

sábado, março 22, 2025

A história do serviço ucraniano da rádio nacional de Espanha (1951-1973)

Após o fim da II G.M., a Espanha participou, bastante ativamente, no esforço colectivo do Ocidente em conter o avanço do totalitarismo comunista. Um dos elementos deste esforço a criação da redação ucraniana na Rádio Nacional de Espanha (RNE), experiência que durou cerca de um quarto de século. 

A redação ucraniana for criada em 1951, financiada totalmente pelo governo espanhol, fazendo a parte de 13 outras redações nacionais, que preparavam os programas em chinês e várias línguas europeias, faladas na Europa Central e do Leste, nos países que ficaram do outro lado da cortina de ferro, separados do resto do continente de forma política, ideológica e cultural. 

A primeira emissão de rádio ucraniana em Espanha ocorreu a 20 de abril de 1951 e foi inicialmente transmitida três vezes por semana, durante 15 minutos, com direito a repetição da emissão. O seu primeiro diretor foi o jornalista, tradutor, poeta, ensaista e político ucraniano Dmytro Shtykalo (1951-1952).  

Primeiro director da Rádio ucraniana Dmytro Shtykalo (1909-1963)
Foto: Wikipedia

Alguns anos depois, segundo os dados do KGB soviético, os colaboradores da três outras redações da RNE: russa, romena e polaca/polonesa, usando os seus lobbies na política espanhola, conseguiram impor um certo limite na programação ucraniana, no que tocava ao uso de temas políticos e até mesmo culturais. Sob o pretexto do que os programas ucranianas, eram susceptíveis de ferir as sensibilidades dos funcionários de outras redações. A limitação imposta resultou na saída da redação ucraniana do seu primeiro diretor, o jornalista, escritor e político ucraniano Dmytro Shtykalo (1951-1952) e um dos principais jornalistas, o editor Wolodymyr Pastuschuk.

Após a saída precipitada do Dmytro Shtykalo, nos próximos meses o serviço ucraniano foi liderado, de forma bastante abrupta, por três responsáveis: poeta, libretista e jornalista Leonid Poltava (1921-1990); psicólogo, filósofo e político Bogdan-Yaroslav Tsimbalisty (1919-1991) e estudante Lev Martyuk, pertencente à «Comunidade de Estudantes Ucranianos em Espanha» (1947-1960).

Director do serviço ucraniano Leonid Poltava (1921-1990)
Foto: arquivo

A rádio precisava, para a sua liderança, de uma figura respeitada e que reunisse o consenso geral na comunidade, assim como chefe do serviço ucraniano foi designado, a figura pública e política proeminente, estudioso da literatura ucraniana, tradutor, escritor e bibliógrafo Dmytro Buchynskyj (1913-1963).

Director do serviço ucraniano Dmytro Buchynskyj
Foto: esu.com.ua

No entanto, no início da década de 1960 as proibições impostas foram levantadas, graças ao esforço colectivo do Leonid Poltava (mais tarde se tornou o chefe-editor do jornal ucraniano mais antigo dos EUA, «Svoboda» (Liberdade), Bohdan Tsymbalystyy e Dmytro Buchynskyj (diretor da rádio no período entre 1952 a 1963). No verão de 1965 o governo espanhol decidiu introduzir uma série de mudanças da sua política em relação às rádios estrangeiras, filiadas na RNE/REE. Assim, Espanha pretendeu dirigir mais esforço de comunicação aos seus próprios cidadãos, emigrados em diversos países da Europa. O esforço de se comunicar mais e melhor com a sua própria Diáspora, vinha sendo acompanhado pela liquidação de várias redações estrangeiras. Dos 14 existentes, sobreviveram apenas 5, a ucraniana era uma delas, que passou a dispor o tempo de antena, que antes era ocupado pelos programas em língua russa, uma das redações ora extintas. Desde o dia 1 de junho de 1965, a redação ucraniana passou de 15 minutos diários para 45 minutos diários, com direito a duas repetições no horário mais nobre. 

A campa do Dmytro Buchynskyj e Ivanna Slipecka no cemitério de Almudena em Madrid
Foto: SUM, Espanha

Naquela altura o chefe-editor da redação ucraniana era Wolodymyr Pastuschuk (1963-1973), auxiliado por Ivanna Maria Slipecka e Tamara Buchynska, a viúva e a filha do Dmytro Buchynskyj, subitamente falecido em 1963. Os jornalistas ucranianos recebiam o salário pago pelo RNE, no valor de 4.000 pesetas, que correspondiam, através de um câmbio comparativamente simples, a uma quantia de cerca de 825 Euros (com inflação anual contada até 2023). 

No fim de 1964, o Reino da Espanha foi visitado pelo Yaroslav Stetsko, um dos líderes históricos da ala revolucionária da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, a OUN(B). Dr. Stetsko, na sua qualidade do presidente da organização internacional chamada Bloco Antibolchevique dos Povos (ABN), se reuniu com a liderança da diplomacia espanhola, debatendo a questão do esforço da contenção da expansão comunista na Europa. Sensivelmente o mesmo assunto, mas do ponto de vista religioso, foi abordado na visita a Espanha do Dom Ivan Buchko (1891-1974), o arcebispo da Igreja Greco-Católica Ucraniana na Europa. O esforço conjunto resultou na obtenção de uma posição mais forte da redação ucraniana em Madrid. A RNE não exercia nenhuma censura prévia dos conteúdos, limitando-se a receber a transcrição dos programas emitidos, posteriormente da sua saída ao ar. 

A emissão da programação ucraniana decorria nas ondas médias, no diapasão entre 31,2 à 48,9 metros. A repetidora da RNE estava localizada nos Montes Pirineus, como tal, cobria, de forma bastante sustentável, os territórios da Polónia socialista e Ucrânia. A programação ucraniana começava com o lema gravado: «Aqui se fala a Rádio Nacional de Espanha» e terminava com o toque do hino nacional da Ucrânia. A programação incluía as notícias do dia, revista da imprensa, textos políticos e religiosos. Durante os períodos festivos, era criada a programação própria, com mais música e textos relevantes. 

Além dos pessoal ucraniano-espanhol permanente, com a rádio colaboraram temporariamente duas estudantes americano-ucranianas, vindas do movimento escoteiro «Plast»: Rita Bzheska e Luba Savchuk, ambas do Detroit. 

Após o crescimento da programação, a redação ucraniana sentiu-se constrangida, pela falta dos fundos e do pessoal. Por isso, a imprensa ucraniana da Diáspora, principalmente na Alemanha Federal, Canadá e no Reino Unido, alinhada com a já mencionada OUN(B), lançou o pedido aos seus leitores e simpatizantes de auxiliar a redação ucraniana. Quer em termos de apoios financeiros, para que a redação pudesse contratar mais um editor e duas locutoras, quer em termos de material: revistas, livros e jornais, LP's com a música ucraniana. 

Naquela época a vida política ucraniana ativa na Diáspora, principalmente na Europa, Canadá e nos EUA era fortemente marcada pela divisão ideológica e alguma rivalidade pessoal entre os membros e apoiantes das duas alas da OUN: a histórica e mais ponderada OUN(M) e mais jovem e mais combativa OUB(B). Para evitar a partidarização da rádio e para garantir o apoio «bipartidário» ao projeto, o seu editor, Wolodymyr Pastuschuk publicou na imprensa ucraniana alguns comunicados dirigidos a comunidade ucraniana em geral, explicando, que apesar do apoio prestado pela OUN(B), esta organizacao não exerce nenhum controlo programático sobre a redação ucraniana de Madrid e que a programação emitida está sob a tutela das entidades espanholas competentes. 

Em 1973 a RNE foi integrada na Radiotelevisión Española (RTVE), uma entidade pública, que passou a gerir os canais de rádio e televisão estatais de Espanha. Além disso, Espanha entrava num período de grandes mudanças políticas e sociais, que se iniciou em 20 de novembro de 1975, com a morte o general Franco, sendo um mês depois, a 22 de novembro de 1975, Juan Carlos I é proclamado o rei de Espanha e o país começa a sua transição à democracia. As mudanças políticas que também significaram as mudanças na política externa da Espanha, que procurava o apaziguamento e não hostilização em relação ao bloco dos países comunistas. Nessa ótica as redações estrangeiras da RNE foram extintas, e assim terminou a história da redação ucraniana do «Rádio Madrid», como a estação era conhecida na Ucrânia. 

Rádio «Madrid», assim o serviço ucraniano da RNE era conhecido pelo KGB

Mas dez anos antes nada indicava todo este desfecho, e a programação ucraniana suscitava a preocupação constante do KGB da Ucrânia soviética. Tudo indica que a vida da redação ucraniana era acompanhada, de perto, pelos agentes soviéticos, possivelmente infiltrados nas outras redações nacionais da RNE. Além disso, KGB fazia o monitoramento constante da imprensa da Diáspora ucraniana, lendo e compilando as fontes OSINT, no esforço de saber mais do que se passava na rádio ucraniana da Espanha. 

Em outubro de 1965, o major do KGB da Ucrânia soviética, responsável sênior da 1ª Direção (operações no estrangeiro), preparou o dossier alargado, dedicado à redação ucraniana da RNE. O documento recebeu o grau médio de classificação, «somente para o uso em serviço». Major Pakhomov informava aos seus colegas e superiores, que, ao preparar o dossier, teve que ler diversas edições da imprensa ucraniana, publicadas na Alemanha Federal, Canadá, França e na Grã-Bretanha. 

Na mesma época, o país vizinho, Portugal, não estava acompanhando o esforço da Espanha, segundo os dados do KGB, nos meados da década de 1960, Portugal limitava-se a oferecer a Rádio Europa Livre, que em 1976 se fundiu na mesma empresa com a Rádio Liberdade (RFE/RL), um dos aparelhos repetidores, situado na área de Lisboa. Aparentemente, a repetidora usava a superfície do Oceano Atlântico como o meio natural de «repassar» as ondas de rádio, que refletidos pelas ondas do mar chegavam as partes do território sovietico, tentando escapar das medidas activas de guerra electrónica, usadas pelo governo sovietico, na tentativa de impedir a chegada das notícias livres da censura comunista, vindas do mundo ocidental. 

@Universo Ucraniano, quaisquer publicação, somente mencionando a autoria do texto. 

Agradecimentos: Arquivo Setorial Estatal do Serviço de Informações Externas da Ucrânia (GDA SZRU), historiador Eduard Andryushchenko; ativistas Galyna Koryzma (associação «Nashe slovo», Espanha) e especialmente Myroslava Kavatsyuk (oficina criativa «Kod Natsii», Espanha). 

Fontes: 

Publicação do KGB «Coleção de materiais sobre os principais centros ideológicos do inimigo e organizações nacionalistas ucranianas estrangeiras que conduzem trabalhos subversivos contra a URSS e, em particular, contra a RSS da Ucrânia». Kyiv, 1969, Arquivo Setorial Estatal do Serviço de Segurança da Ucrânia (GDA SBU);

«Breve historia de la Organizacion estudiantil y de la Colonia ucraniana en España /1946-1996/», Philadelphia-Madrid, 1997;

Vasyl Voloshyn, trabalho de Bacharelato: «Emigração política ucraniana em Espanha após Segunda Guerra Mundial» (em ucraniano), Lviv, 2024