A redação ucraniana for criada em 1951, financiada totalmente pelo governo espanhol, fazendo a parte de 13 outras redações nacionais, que preparavam os programas em chinês e várias línguas europeias, faladas na Europa Central e do Leste, nos países que ficaram do outro lado da cortina de ferro, separados do resto do continente de forma política, ideológica e cultural.
A primeira emissão de rádio ucraniana em Espanha ocorreu a 20 de abril de 1951 e foi inicialmente transmitida três vezes por semana, durante 15 minutos, com direito a repetição da emissão. O seu primeiro diretor foi o jornalista, tradutor, poeta, ensaista e político ucraniano Dmytro Shtykalo (1951-1952).
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Primeiro director da Rádio ucraniana Dmytro Shtykalo (1909-1963) Foto: Wikipedia |
Alguns anos depois, segundo os dados do KGB soviético, os colaboradores da três outras redações da RNE: russa, romena e polaca/polonesa, usando os seus lobbies na política espanhola, conseguiram impor um certo limite na programação ucraniana, no que tocava ao uso de temas políticos e até mesmo culturais. Sob o pretexto do que os programas ucranianas, eram susceptíveis de ferir as sensibilidades dos funcionários de outras redações. A limitação imposta resultou na saída da redação ucraniana do seu primeiro diretor, o jornalista, escritor e político ucraniano Dmytro Shtykalo (1951-1952) e um dos principais jornalistas, o editor Wolodymyr Pastuschuk.
Após a saída precipitada do Dmytro Shtykalo, nos próximos meses o serviço ucraniano foi liderado, de forma bastante abrupta, por três responsáveis: poeta, libretista e jornalista Leonid Poltava (1921-1990); psicólogo, filósofo e político Bogdan-Yaroslav Tsimbalisty (1919-1991) e estudante Lev Martyuk, pertencente à «Comunidade de Estudantes Ucranianos em Espanha» (1947-1960).
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Director do serviço ucraniano Leonid Poltava (1921-1990) Foto: arquivo |
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Director do serviço ucraniano Dmytro Buchynskyj Foto: esu.com.ua |
No entanto, no início da década de 1960 as proibições impostas foram levantadas, graças ao esforço colectivo do Leonid Poltava (mais tarde se tornou o chefe-editor do jornal ucraniano mais antigo dos EUA, «Svoboda» (Liberdade), Bohdan Tsymbalystyy e Dmytro Buchynskyj (diretor da rádio no período entre 1952 a 1963). No verão de 1965 o governo espanhol decidiu introduzir uma série de mudanças da sua política em relação às rádios estrangeiras, filiadas na RNE/REE. Assim, Espanha pretendeu dirigir mais esforço de comunicação aos seus próprios cidadãos, emigrados em diversos países da Europa. O esforço de se comunicar mais e melhor com a sua própria Diáspora, vinha sendo acompanhado pela liquidação de várias redações estrangeiras. Dos 14 existentes, sobreviveram apenas 5, a ucraniana era uma delas, que passou a dispor o tempo de antena, que antes era ocupado pelos programas em língua russa, uma das redações ora extintas. Desde o dia 1 de junho de 1965, a redação ucraniana passou de 15 minutos diários para 45 minutos diários, com direito a duas repetições no horário mais nobre.
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A campa do Dmytro Buchynskyj e Ivanna Slipecka no cemitério de Almudena em Madrid Foto: SUM, Espanha |
Naquela altura o chefe-editor da redação ucraniana era Wolodymyr Pastuschuk (1963-1973), auxiliado por Ivanna Maria Slipecka e Tamara Buchynska, a viúva e a filha do Dmytro Buchynskyj, subitamente falecido em 1963. Os jornalistas ucranianos recebiam o salário pago pelo RNE, no valor de 4.000 pesetas, que correspondiam, através de um câmbio comparativamente simples, a uma quantia de cerca de 825 Euros (com inflação anual contada até 2023).
No fim de 1964, o Reino da Espanha foi visitado pelo Yaroslav Stetsko, um dos líderes históricos da ala revolucionária da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, a OUN(B). Dr. Stetsko, na sua qualidade do presidente da organização internacional chamada Bloco Antibolchevique dos Povos (ABN), se reuniu com a liderança da diplomacia espanhola, debatendo a questão do esforço da contenção da expansão comunista na Europa. Sensivelmente o mesmo assunto, mas do ponto de vista religioso, foi abordado na visita a Espanha do Dom Ivan Buchko (1891-1974), o arcebispo da Igreja Greco-Católica Ucraniana na Europa. O esforço conjunto resultou na obtenção de uma posição mais forte da redação ucraniana em Madrid. A RNE não exercia nenhuma censura prévia dos conteúdos, limitando-se a receber a transcrição dos programas emitidos, posteriormente da sua saída ao ar.
A emissão da programação ucraniana decorria nas ondas médias, no diapasão entre 31,2 à 48,9 metros. A repetidora da RNE estava localizada nos Montes Pirineus, como tal, cobria, de forma bastante sustentável, os territórios da Polónia socialista e Ucrânia. A programação ucraniana começava com o lema gravado: «Aqui se fala a Rádio Nacional de Espanha» e terminava com o toque do hino nacional da Ucrânia. A programação incluía as notícias do dia, revista da imprensa, textos políticos e religiosos. Durante os períodos festivos, era criada a programação própria, com mais música e textos relevantes.
Além dos pessoal ucraniano-espanhol permanente, com a rádio colaboraram temporariamente duas estudantes americano-ucranianas, vindas do movimento escoteiro «Plast»: Rita Bzheska e Luba Savchuk, ambas do Detroit.
Após o crescimento da programação, a redação ucraniana sentiu-se constrangida, pela falta dos fundos e do pessoal. Por isso, a imprensa ucraniana da Diáspora, principalmente na Alemanha Federal, Canadá e no Reino Unido, alinhada com a já mencionada OUN(B), lançou o pedido aos seus leitores e simpatizantes de auxiliar a redação ucraniana. Quer em termos de apoios financeiros, para que a redação pudesse contratar mais um editor e duas locutoras, quer em termos de material: revistas, livros e jornais, LP's com a música ucraniana.
Naquela época a vida política ucraniana ativa na Diáspora, principalmente na Europa, Canadá e nos EUA era fortemente marcada pela divisão ideológica e alguma rivalidade pessoal entre os membros e apoiantes das duas alas da OUN: a histórica e mais ponderada OUN(M) e mais jovem e mais combativa OUB(B). Para evitar a partidarização da rádio e para garantir o apoio «bipartidário» ao projeto, o seu editor, Wolodymyr Pastuschuk publicou na imprensa ucraniana alguns comunicados dirigidos a comunidade ucraniana em geral, explicando, que apesar do apoio prestado pela OUN(B), esta organizacao não exerce nenhum controlo programático sobre a redação ucraniana de Madrid e que a programação emitida está sob a tutela das entidades espanholas competentes.
Em 1973 a RNE foi integrada na Radiotelevisión Española (RTVE), uma entidade pública, que passou a gerir os canais de rádio e televisão estatais de Espanha. Além disso, Espanha entrava num período de grandes mudanças políticas e sociais, que se iniciou em 20 de novembro de 1975, com a morte o general Franco, sendo um mês depois, a 22 de novembro de 1975, Juan Carlos I é proclamado o rei de Espanha e o país começa a sua transição à democracia. As mudanças políticas que também significaram as mudanças na política externa da Espanha, que procurava o apaziguamento e não hostilização em relação ao bloco dos países comunistas. Nessa ótica as redações estrangeiras da RNE foram extintas, e assim terminou a história da redação ucraniana do «Rádio Madrid», como a estação era conhecida na Ucrânia.
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Rádio «Madrid», assim o serviço ucraniano da RNE era conhecido pelo KGB |
Mas dez anos antes nada indicava todo este desfecho, e a programação ucraniana suscitava a preocupação constante do KGB da Ucrânia soviética. Tudo indica que a vida da redação ucraniana era acompanhada, de perto, pelos agentes soviéticos, possivelmente infiltrados nas outras redações nacionais da RNE. Além disso, KGB fazia o monitoramento constante da imprensa da Diáspora ucraniana, lendo e compilando as fontes OSINT, no esforço de saber mais do que se passava na rádio ucraniana da Espanha.
Em outubro de 1965, o major do KGB da Ucrânia soviética, responsável sênior da 1ª Direção (operações no estrangeiro), preparou o dossier alargado, dedicado à redação ucraniana da RNE. O documento recebeu o grau médio de classificação, «somente para o uso em serviço». Major Pakhomov informava aos seus colegas e superiores, que, ao preparar o dossier, teve que ler diversas edições da imprensa ucraniana, publicadas na Alemanha Federal, Canadá, França e na Grã-Bretanha.
Na mesma época, o país vizinho, Portugal, não estava acompanhando o esforço da Espanha, segundo os dados do KGB, nos meados da década de 1960, Portugal limitava-se a oferecer a Rádio Europa Livre, que em 1976 se fundiu na mesma empresa com a Rádio Liberdade (RFE/RL), um dos aparelhos repetidores, situado na área de Lisboa. Aparentemente, a repetidora usava a superfície do Oceano Atlântico como o meio natural de «repassar» as ondas de rádio, que refletidos pelas ondas do mar chegavam as partes do território sovietico, tentando escapar das medidas activas de guerra electrónica, usadas pelo governo sovietico, na tentativa de impedir a chegada das notícias livres da censura comunista, vindas do mundo ocidental.
@Universo Ucraniano, quaisquer publicação, somente mencionando a autoria do texto.
Agradecimentos: Arquivo Setorial Estatal do Serviço de Informações Externas da Ucrânia (GDA SZRU), historiador Eduard Andryushchenko; ativistas Galyna Koryzma (associação «Nashe slovo», Espanha) e especialmente Myroslava Kavatsyuk (oficina criativa «Kod Natsii», Espanha).
Fontes:
Publicação do KGB «Coleção de materiais sobre os principais centros ideológicos do inimigo e organizações nacionalistas ucranianas estrangeiras que conduzem trabalhos subversivos contra a URSS e, em particular, contra a RSS da Ucrânia». Kyiv, 1969, Arquivo Setorial Estatal do Serviço de Segurança da Ucrânia (GDA SBU);
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