John P. Cann,
entrevistado pela agência Lusa a propósito do seu mais recente livro 'Os
Flechas – Os Caçadores Guerreiros do Leste de Angola – 1965/74', publicado pela
editora Tribuna da História, indicou que só numa operação, realizada em
Mavinga, na província de Cuando-Cubango (sudeste de Angola), as forças do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) mataram 130 bosquímanos, escrevem
Notícias
ao Minuto.com
Os
'Flechas', inicialmente conhecidos por 'Corpo Auxiliar', foram uma força
especial indígena criada em 1966 em resposta a uma necessidade da Polícia
Internacional de Defesa do Estado – Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS) para
a recolha de informações de interesse político-militar português no leste de
Angola.
No
início, a força criada pelo antigo inspetor da polícia política portuguesa
António Fragoso Allas, com os “tentáculos” das ações desestabilizadoras
portuguesas a estenderem-se também ao Congo, Namíbia, Zaire (atual RDCongo) e
Zâmbia, contava com apenas oito homens, mas, até 1974, ultrapassaram os 2.000.
Os
bosquímanos, recrutados entre a milenar população de caçadores-coletores que
residem nas planícies e savanas do leste de Angola, Namíbia e deserto do Karoo
(região semidesértica na África do Sul), têm uma pequena estatura e rosto de
aparência asiática, sendo especialistas em operações de reconhecimento.
Segundo
John Cann, que se reformou dos Marines em 1992, tendo, então, feito um
doutoramento em Estudos de Guerra no Kings College, na Universidade de Londres,
os Flechas revelaram “grande competência” em operações conjuntas com forças
terrestres regulares, respondendo à PIDE/DGS, que os integrou como organização
paramilitar, e também ao comandante local do Exército português.
“Quando
a guerra [colonial] acabou, ficou rapidamente claro que os 'Flechas' eram um
grupo em perigo. Famílias atrás de famílias foram assassinadas numa série de
massacres. Num só caso, cerca de 130 bosquímanos foram mortos a tiro num
genocídio sangrento nos arredores de Mavinga”, referiu historiador norte-americano.
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foto @DN Portugal |
“Mais tarde, foi estimado que cerca de 25% dos
bosquímanos angolanos foram mortos nos primeiros sete meses de poder do MPLA.
Como consequência, muitos fugiram para a África do Sul, onde se juntaram às
Forças Armadas Sul-Africanas (SADF) para formar o Grupo de Combate Alfa, que se
tornaria, depois, o 31º
Batalhão das SWATF”, acrescentou.
Questionado
sobre se há dados relativamente às baixas entre os 'Flechas' durante o período
do conflito em Angola (1961/74), John Cann disse não ter encontrado, ao longo
das investigações feitas, quaisquer estatísticas.
“Devem
existir em algum lugar. Mas, inicialmente, os 'Flechas' eram utilizados em
missões de espionagem, de recolha de informações, uma vez que eram claramente
uma força passiva. No entanto, após alguns encontros desafortunados com forças
inimigas, ficou claro que o arco e flecha não conseguiriam bater o armamento
moderno”, afirmou.
John
Cann lembrou que as coisas mudaram a partir do momento em que uma pequena
patrulha de bosquímanos foi capturada e torturada.
“A
partir daí, os Flechas foram armados com uma espingarda automática ligeira. A
sua filosofia de combate passava por evitar o confronto direto, o que permitiu
manter reduzidas as baixas. Se tivesse de fazer uma estimativa, diria que o
número de baixas em combate estará no intervalo entre 1% e 2%, ou seja, entre
20 a 40 mortes”, disse.
Hoje
em dia, realçou o capitão-de-mar-e-guerra aposentado da Marinha dos Estados
Unidos, os bosquímanos residem maioritariamente na África do Sul, onde grande
parte de se integrou nas forças de segurança locais.
Questionado
pela Lusa sobre como surgiu o interesse sobre a guerra que Portugal manteve
durante 11 anos em Angola, Guiné e Moçambique, John Cann explicou que o
primeiro contacto teve-o no outono de 1967, quando o seu esquadrão utilizava a
base das Lajes (Açores) e o aeroporto do Sal, em Cabo Verde
“Era
claro que Portugal estava a combater uma contra-subversão em África, mas tinha
muito pouco tempo para a seguir com interesse. No final da década de 1980, tive
a oportunidade de coordenar exercícios militar na sede da NATO em Oeiras. Aqui
conheci veteranos das guerras em África e fiquei fascinado com as suas
histórias e as campanhas para manter os territórios portugueses em África”,
prosseguiu.
A
tese de doutoramento versou o conflito português e, mais tarde, foi publicada
no livro “Counterinsurgency in Africa: The Portugueses Way of War – 1961/1974”,
que teve duas edições em Portugal, estando o autor a revê-lo para uma terceira.
Ao
convite das autoridades militares portuguesas, publicou 'A Marinha em África:
Angola, Guiné e Moçambique – Campanhas Fluviais 1961/74' (2009) e 'Plano de Voo
África: O Poder Aéreo Português na Contra-subversão – 1961/74' (2017).
Para
a série Africa@War, já publicou, em inglês, o livro 'The Flechas, The
Commandos, The Paras and The Fuzileiros', 'Os Paras' saiu em Portugal em 2017 e
'Os Flechas' agora, estando previsto para breve os restantes dois.
Atualmente, John Cann
está a escrever um livro similar sobre a utilização da Cavalaria nas guerras em
Angola e Moçambique.