Após
a implementação do regime comunista na Rússia soviética em 1917-1920, a parte considerável
dos seus oponentes foi forçada à deixar o ex-império e emigrar. Parcialmente, esta
emigração, formada por forças monárquicas russas, abraçou, nas décadas de 1920-1930
a ideologia fascista e nacional-socialista.
Na
década de 1920-1930 as organizações monárquicas e paramilitares russas,
espalhadas no mundo, incluindo na América Latina (ROVS; RNSUV;
Mladorossi, entre
outras), gradualmente aderiram à ideologia do fascismo russo, sonhando com a
futura Rússia fascista, à semelhança da Itália ou Alemanha nazi.
No
Brasil, tal como em toda América Latina, os fascistas russos estavam sob forte
influência do fascismo russo formado na China (cidade de Harbin) e nos EUA. As primeiras
organizações fascistas russas foram criadas em Harbin em 1925 e 1926-27: a
Organização Fascista Russa (RFO)
e Oposição Operária-Camponesa de Cossacos – Fascistas Russos (RKKO-RF).
Na
década de 1930, as organizações fascistas e paramilitares da emigração russa,
ganham maior apreço pela ideologia naciona-socialista alemã. Em 1931, em resultado
da formação do Partido
Fascista Russo (RPF), este chega à América Latina. A estrutura habitual do
partido incluía células (organizações primárias, compostas por 2 à 5 membros)
que se fundiam em unidades maiores – “focos” ou departamentos. Por exemplo,
mais tarde os fascistas russos do Brasil abriram os novos “focos” na Argentina e
Uruguai.
Ler mais: Ivan Ilyin, o filósofo do fascismo russo de Putin |
Nesta
década em São Paulo foram publicados três jornais russos da linha fascista: «Prizyv»
(Apelo; 1936–1938), «Mladorossiyskoe
slovo» (Palavra dos Mladorossi, 1934-1938; passando se chamar em 1938-1940 de “Slovo” (Palavra).
Semanário "Slovo", publicado em São Paulo em 1938-1940 |
Em
junho de 1937, o líder dos fascistas russos em Harbim, Konstantin Rodzaevsky,
escrevia com um grande otimismo: “Nash Put” de Harbin, “Sinal” parisiense, “Rossija”
nova iorquina, o “Prizyv” brasileiro – entendem-se, meia-palavra lhes basta e sem
combinar entre si, mantêm a mesma linha geral” [fonte]
Konstantin Rodzaevsky (no meio com as palmas das mãos cruzadas), Harbin, final da década de 1930 |
Em
1933, nos EUA foi criada a Organização Fascista de Toda a Rússia (VFO).
O ramo do fascismo russo no Brasil jurou fidelidade ao líder do grupo, Anastasy Vonsiatsky,
embora mantendo na sua ideologia a retórica anti-semita e antimaçónica, usada
mais nas organizações fascistas russas formadas na China.
Anastasy Vonsiatsky, na sala de armas do partido, EUA, final da década de 1930 |
O
líder dos fascistas russos no Brasil (que contavam com cerca de 100 membros)
era Nikolay T. Dakhov (que costumava assinar como N. Dachoff), empresário, proprietário e editor do jornal fascista
russo “Russkaia Gazeta” (Jornal Russo), publicado em São Paulo ente 1927 e 1935. No Rio de Janeiro
o seu grupo era comandado pelo coronel Leonid Sviatopolk-Mirsky.
Como reconheciam os próprios ativistas do movimento fascista russo, as grandes
movimentações começaram quando eles receberam a 1ª edição do jornal «Fashist» (publicado nos EUA desde agosto
de 1933 com a tiragem de 2.000 exemplares e proibido pelo FBI em julho de 1941)
– órgão central da VFO.
Em 1
de abril de 1934 na cidade de São Paulo, decorreu a primeira reunião pública
(em alguns materiais chamada de Congresso) do setor brasileiro da Organização Fascista
de Toda a Rússia, cujos participantes eram em sua maioria ex-militares russos (radicavam
cerca de 1.000 em São Paulo e cerca de 2.000 em todo Brasil). O Congresso
contou com a presença do representante do “amigável” NSDAP. Na reunião foi estabelecido
o fardamento de fascistas russos no Brasil (camisa verde com um colarinho e
gravata preta, na manga esquerda acima do cotovelo – a suástica preta sob o
fundo amarelo, e acima de punho – uma insígnia bordada que indicava a sua posição
na organização; calças pretas por cima de sapatos, cinto de couro e sapatos
pretos).
Os
fascistas russos adotaram a bandeira tricolor branca-azul-vermelha, da seda, em
forma de atual bandeira russa, no seu lado superior estava bordada uma águia bicéfala
de ouro com uma suástica tricolor no peito, no lado reverso da bandeira estava
a cruz ortodoxa bordada de 8 pontas [fonte].
A cruz ortodoxa de 8 pontos, usada no emblema da SS Sturmbrigade (Brigada de assalto) RONA (brigada Kaminski) |
O
igumeno (abade) Mikhei (Leonid
Ordyntsev-Kostritskii), reitor das igrejas ortodoxas de Rio de Janeiro e de
São Paulo (na Vila Alpina), abençoou os fascistas russos do Brasil na “batalha
vitoriosa contra os opressores da Rússia”.
As
posições da Igreja Ortodoxa Russa no Estrangeiro (IORE/ROCOR)
eram favoráveis ao fascismo russo, assim, o dirigente máximo da IORE na
América Latina, protoiereu Konstantin Izraztsov (1865
– 1953) descrevia o fascismo russo como um movimento patriótico, esperando que «o
fascismo unirá o povo russo no exílio e realizará a grande causa de libertar a
Pátria da internacional comunista» [fonte].
A
imprensa fascista russa do Brasil
Coluna "Fascismo no Brasil" | publicidade do jornal "Fashist" |
O
líder dos fascistas russos do Brasil, Nikolay Dakhov, apostava na propagação de
ideias fascistas entre a comunidade russa residente no país, usando o seu
jornal, “Russkaia Gazeta” e revista «Vestnik» (Mensageiro). O jornal também publicava os complementos especiais dedicadas aos militares, mladorossi e à igreja
ortodoxa russa.
Complemento especial "Luta pela Igreja" |
O
jornal era publicado na ortografia russa “czarista” (pré-1917) e continha diversa propaganda fascista e anti-semita, críticas da Europa “liberal” e dos
EUA “dominados pelos judeus”, exortação dos regimes políticos dos estados de
Eixo: Itália, Alemanha e Japão. O jornal conseguia angariar bastante publicidade paga,
publicando anúncios comerciais dos particulares e das empresas, por exemplo do Banco
Germânico, das casas/lojas Pernambucanas, da Companhia City, da cooperativa Vil(l)a Zelina,
entre outras.
Apesar
de que o jornal do Nikolay Dachov (Dachoff) não escrever quase nada
sobre Brasil e menos ainda sobre a política interna brasileira, ele e um dos
seus editores, Sergey Uspensky ficaram duas vezes presos pelas autoridades
brasileiras. Em 1930 ambos passaram duas semanas na cadeia, o que se repetiu em
1932 [fonte].
Além
do setor brasileiro da VFO,
nas décadas 1920-1930 no Brasil também eram ativos os mladorossi, um outro grupo
emigrante russo (que tentava unificar o monarquismo russo com ideia do poder dos
sovietes, usando o slogan “Czar e Sovietes”), próximo às ideias protofascistas.
Em 1934-1938 o grupo publicava o semanário “Mladorosskoe Slovo”, que em 1938-1940 passou
se chamar de “Slovo”. O seu editor era tenente da armada imperial russa Vladimir
Ryuminskiy (1895?-1970).
Artigo exortando a entrada do Exército Vermelho na Galiza Ucraniana em 1939 e assustando os leitores com a suposta "guerra civil entre os ucranianos" |
Diferentemente,
do abertamente fascista “Russkaia Gazeta”, as publicações “Mladorosskoe Slovo”
e depois “Slovo”, não costumavam usar nas suas páginas a palavra “fascismo”,
nem exortavam os regimes do Eixo. Os jornais brasileiros pertencentes aos mladorossi
(que usavam a ortografia pós-1917, introduzida pelos bolcheviques), continham
relativamente pouca publicidade comercial e eram mais “magros”. No entanto publicavam
muita informação sobre União Soviética, a descrevendo nos seus artigos em tom
neutro e muitos vezes mesmo bastante positivo, escrevendo exaustivamente sobre o as “comunidades
russas” do “mundo russo”, à onde incluíam Belarus, partes da Eslováquia e dos Países
Bálticos, além da Ucrânia.
A
ideologia fascista russa do Brasil
Os
fascistas russos no Brasil faziam questão de notar que seu programa não é uma
“simples cópia” dos programas dos fascistas italianos e dos nacional-socialistas
alemães, “se refratando, em grande parte, pelo prisma da historicidade russa e
da identidade nacional russa, com ênfase especial na profunda religiosidade” [fonte].
A
intensificação da atividade de disseminação de ideias fascistas no Brasil também
pressupunha a produção de literatura propagandista sobre o fascismo russo. Assim
surgiu um posto especial do chefe do departamento de propaganda política da
sede do setor brasileiro do VFO, ocupado pelo vanguardista V. G. Tomashinsky (muito
possivelmente o marido da pianista e educadora Camila
Tomashinsky de Araçatuba), um dos fundadores do fascismo russo no Brasil. O
lugar principal na propaganda fascista ocupava a ideia de distribuição de
publicações impressas (jornais, revistas, panfletos políticos, ordens do seu
comité executivo, etc.) entre emigrantes russos e o seu envio clandestino à URSS.
Texto exortando o fascismo assinado pelo V. Tomashinsky |
A
ideologia e propaganda dos adeptos do fascismo russo no Brasil eram dominadas por
anti-semitismo e anti-maçonaria. Coronel V. N. Antipin na sua intervenção “Fascismo
e Judaísmo maçónico” no 1º Congresso dos fascistas russos declarou:
“Judeus
governam o mundo nas costas dos governos governantes da Europa e da América,
exceto Alemanha e Itália <…> A maçonaria mundial, oculta pela tarefa
hipócrita de aperfeiçoamento moral de seus membros com base na fraternidade
universal e igualdade, realiza de facto a tarefa de dominação dos judeus sobre cristãos
desenvolvidos do mundo” [Russkaya
Gazeta, № 406 de 10 de fevereiro de 1934].
Os
fascistas russos do Brasil entendiam a importância de propaganda para a disseminação
das suas ideias, mas exageravam claramente o grau de atividades da sua organização
e muitas vezes sobrepunham o desejado à realidade. Por exemplo, afirmavam, que
só entre 1933 e 1934, a organização enviou à União Soviética 50.000 cópias de “Russkaya
Gazeta”, e que os seus principais leitores na URSS eram “clubes da [juventude
comunista] Komsomol, kolkhozes e sovkhozes, marinheiros, operários ferroviários
e portuários” [fonte].
No
entanto, e apesar dos esforços empreendidos, os adeptos do fascismo russo no
Brasil não conseguiram obter apoio em massa para suas ideias entre os
emigrantes russos. A guerra nazi-soviética assinalou ainda mais a divisão entre
a emigração russa que se dividiu entre “oborontsy” (defensores), os que
desejavam a vitória da União Soviética e os chamados “porazhentsy”
(derrotistas) que, pelo contrário, esperavam o colapso do sistema soviético e a
oportunidade de retornar à sua terra natal.
A
propaganda fascista, nacional-patrioteira e anti-semitismo não contribuíram para
a popularidade das organizações fascistas russas no Brasil, mas levaram à divisão
política da emigração russa no país, principalmente no decorrer da II G.M., e foi
uma das causas do conflito nas suas fileiras.
Embora
o tema merece um estudo mais alargado, é possível afirmar que as organizações fascistas
russas do Brasil e as suas publicações, assim como todos os outros partidos
políticos brasileiros, foram extintos na sequência da instauração do Estado
Novo, efetivado em 10 de novembro de 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas.
Fonte
@Marina Moseykina, “Fascismo e colaboracionismo na emigração russa na América
Latina (1920-1950)”
Blogueiro:
no entanto, mesmo após o fim da II G.M., já nas décadas de 1960-1970, o
fascismo russo no Brasil ainda possuía alguma estrutura logística e aderência ideológica.
Assim, em 1963, em São Paulo, foram publicados dois livros de memórias do Anastasy
Vonsiatsky – “Redenção” e “Guilhotina Seca: Justiça Americana nos Tempos de
Roosevelt”. É de notar que “Redenção” (Rasplata) teve a sua 2ª edição. O que significa
que este tipo de livros (ambos produzidos na tipografia da revista ortodoxa monárquica
russa “Vladimirskii
Vestnik”/“Príncipe São Vladimir”, publicada em 1948-1968 e subordinada à IORE),
ainda tinha no Brasil algum número de leitores cativos.
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