segunda-feira, abril 23, 2018

Síria: “Assad traiu a Rússia. Filho ainda está aprendendo”

foto @Khaled al-Hariri / Reuters
Um dos maiores portais russos de notícias, Lenta.ru, publicou no dia 18 de abril um extenso long-read com acusações diretas contra o clã que domina Síria: “Assad traiu a Rússia e matou brutalmente milhares de sírios. [Seu] filho ainda está aprendendo”.

O aliado da Rússia, grande amigo da União Soviética, é exatamente como os russos imaginam Síria. Na verdade, a história das relações entre a República Árabe e União Soviética está cheia de episódios dramáticos de amizade, traição e compromissos, vantajosos especialmente ao Damasco e ao seu dono permanente – pai do Bashar al-Assad, o presidente sírio, Hafez al-Assad. Qual foi o todo-poderoso ditador sírio – recorda Lenta.ru (publicamos a versão curta do texto).

A escumalha

[...] Os muçulmanos sírios tratavam os alauitas com desprezo: eles não tinham permissão para receber educação e manter postos administrativos. Essa foi uma das razões pelas quais o pai de Hafez procurou colaborar com franceses, que ocuparam a Síria. Graças ao colaboracionismo do seu pai, Hafez foi estudar em Latakia e tornou-se a primeira pessoa instruída do [clã] Assad. Quando surgiu a questão do Estado independente sírio, os alauítas enviaram uma carta ao Paris e pediram para não serem incluídos na Síria sunita – [a carta] foi assinada, também pelo Hafez al-Assad. No entanto, os franceses deixaram o país, ignorando o pedido.

[...] Muitas fontes soviéticas falaram sobre o ateísmo de Hafez, mas na verdade ele continuou contatos ativos com a comunidade alauita e até se elevou na hierarquia religiosa. O princípio de Taqiya – a ocultação da fé – ajudou-o nisso. Nos anos seguintes, isso não impediu que Assad, juntamente com outros cristãos e membros do partido sunita, se envolvessem em confrontos abertos com a Irmandade Muçulmana.
Retroescavadora reboca o camião com militares israelitas feridos na guerra de 1948
foto @Keystone Features / Hulton Archive / Getty Images
[...] A aviação desempenhou um papel importante no destino de Assad. Primeiro, muitos alauitas o seguiram na carreira militar, mais tarde se tornando a elite da força aérea síria. Em segundo lugar, Hafez foi enviado ao treino de reciclagem ao Egito, onde passou seis meses durante a crise de Suez. Foi lá que ele foi visto e notado pelos conselheiros militares soviéticos que lhe organizaram um estágio na União Soviética.

Camarada capitão

Na URSS, o capitão Assad chegou em 1957 como comandante do esquadrão. O futuro presidente da Síria aperfeiçoou o domínio de direção do mais novo MiG-17 na base [militar] nos arredores da cidade de Frunze (atual Bishkek, Quirguistão). A mesma escola foi visitada pelo futuro presidente egípcio, Hosni Mubarak, e por alguns dos futuros líderes africanos. No mesmo ano, Hafez se casou com Anisa Mahlouf, representante de uma das mais influentes famílias alauitas da Síria. Isso contribuiu para o crescimento da autoridade e bem-estar de Assad.

[...] Enquanto isso, Hafez Assad continuou a crescer na carreira partidária: no início da década de 1960, ele liderou a ala militar do Partido Baath. E em 1963 no país decorreu um novo golpe de Estado. Como resultado, o governo de Nazim al-Kudsi foi derrubado, todo o poder no país foi tomado pelos baathistas. Asad participou diretamente no golpe: junto com unidades leais, ele tentou capturar o aeródromo de al-Dumayr.

A vitória dos seus aliados, permitiu ao Assad assumir o posto de comandante da força aérea síria. Logo depois, a elite do exército sírio – aviação e inteligência – consistia quase inteiramente de co-religiosos do Hafez. Os alauitas também se candidataram aos cargos de oficiais, que ficaram vagos após o golpe de 1963.

[...] Em 1964, o governo baathista tentou implementar uma espécie da coletivização na Síria. Ação não foi bem vista pela maioria da população da Síria, o que foi usada pela Irmandade Muçulmana, que estava na clandestinidade. O coração da revolta era a cidade síria de Hama.
Hafez Assad, Ministro da Defesa da Síria | foto @AP
[...] Em fevereiro de 1966, Salah Jadid (chefe do Estado-maior do exército sírio) e Assad organizaram o golpe militar mais sangrento da história da Síria. Como resultado, os pais fundadores do partido fugiram para o Iraque e aqueles que não tiveram tempo para fazê-lo foram mandados para a prisão. Salah Jadid realmente liderou o país, embora o líder nominal fosse o presidente Nureddin al-Atasi. Hafez Assad assumiu o cargo de Ministro da Defesa.

Hora de combater

Ao mesmo tempo ficou ativa a União Soviética que se apaixonou pela Síria muito antes de Hafez Assad chegar ao poder, de vez em quando abastecendo a República Árabe com armamento. Ainda em 1956, foi assinado o primeiro contrato soviético-sírio de fornecimento à Síria de blindados T-34, canhões autopropulsados SU-100, blindados BTR-152, canhões de artilharia antiaérea de calibre 37 mm e canhões de longo alcance de 122 mm. As entregas não pararam mesmo quando Gamal Abdel Nasser criou a República Árabe Unida, na base da união de Egito e Síria. Além disso, o blindado T-34 foi substituído por T-54 mais avançado. Depois do golpe de 1966, os fluxos de armas da União Soviética só aumentaram.

[...] A (Guerra dos Seis Dias) durou de 5 à 10 de junho de 1967. No primeiro dia Israel conseguiu destruir toda aviação inimiga, e nos dias seguintes causar sérios danos à coligação/coalizão árabe, que incluiu o Egito, Síria, Jordânia, Iraque e Argélia. Israel estava pronto para esmagar completamente os árabes, mas os países ocidentais e a União Soviética intervieram. A guerra acabou.
Blindados israelitas nos Montes Golãs, 1967 | foto @Assaf Kutin / Wikimedia
“Pela primeira vez desde a fundação de Israel, nós lutamos, como convém à uma batalha. As perdas sem precedentes dos israelitas em homens, equipamentos e espírito convenceram todos de nossa capacidade de combate”, disse o ministro da Defesa da Síria, Hafez Assad, após a guerra. Como resultado, a Síria perdeu as Colinas de Golã / Montes Golã, a cidade de Al-Quneitra e praticamente toda a sua aviação. Morreram quase 70 mil árabes e menos de mil israelitas. O território de Israel aumentou três vezes e o número de refugiados palestinos ultrapassou 400 mil. Assad foi promovido ao marechal de campo.
Aviões egípcios destruídos pela FA do Israel, 1967 | foto @Assaf Kutin / Wikimedia
Mas isso não satisfez as ambições políticas de Jadid e Assad. No outono de 1970, a Síria apoiou a revolta palestiniana na Jordânia: reino deu-lhes refúgio, e eles, como agradecimento começaram uma rebelião armada, tentaram matar o monarca e usurpar o poder, de facto destruir Jordânia. Durante os eventos de “setembro negro” na Jordânia, ao norte do país, da Síria, foi enviado o corpo blindado, mas esta odisseia terminou sem glória com duas colunas de tanques perdidas, entrando numa batalha feroz entre si, terminando com perdas tangíveis. O Damasco oficial nunca admitiu isso, explicando o fracasso pela falta de apoio aéreo.

[...] Assad, com a ajuda de seu irmão Rifat e amigo de longa data Mustafa Tlass, que tornou-se chefe do Estado-Maior das forças armadas sírias, organizou um golpe militar sem derramamento de sangue. [...] Jadid foi encarcerado na prisão, onde permaneceu até a sua morte em 1993.

Em novembro de 1970, no décimo congresso do Partido Baath, Hafez Assad foi eleito seu Secretário-geral. Em 1971, Assad ganhou as eleições e tornou-se o presidente da Síria e o comandante supremo das forças armadas. Era candidato único. Para isso tiveram que ignorar a Constituição síria: com a ajuda dos xeques iranianos foi publicada uma fatwa, afirmando que os alauitas, afinal são muçulmanos e não pagãos.

Mais guerras

Depois da chegada do Assad ao poder, a União Soviética mobilizou importantes forças navais no Mediterrâneo Oriental: navios de guerra, submarinos a diesel e outros navios que estavam em alerta máximo. Além disso, um grande número de instrutores e equipamentos militares foram enviados ao país, o sistema de defesa aérea foi significativamente fortalecido – tudo para alertar Israel contra o ataque aos sírios.

Síria recebeu grandes remessas de sistemas de mísseis e artilharia “Kvadrat”, aviões de combate, tanques T-62 e outros equipamentos militares.

[...] As principais posições no estado e no exército foram ocupadas exclusivamente pelos alauitas. Foi dada preferência aos parentes de Assad, seu irmão Rifat se tornou o líder de “brigadas de combate”, genro Adnan Makhlouf de facto, comandava a Guarda Presidencial. Isso contribuiu para o crescimento da corrupção e do nepotismo, e a Síria gradualmente se transformou em um dos países mais pobres do mundo.

No verão de 1973, Assad e seu amigo egípcio Sadat decidiram fazer o que seus antecessores não conseguiram: vencer a guerra contra Israel. [...] Ação militar que durou 18 dias entrou na história como “guerra do Juízo Final”. Israel foi novamente vitorioso. Mais uma vez a União Soviética salvou Assad da derrota total, colocando em Damasco os mais modernos sistemas de defesa aérea.

[...] Em 1974, o ministro dos Negócios Estrangeiros / das Relações Exteriores da URSS, Andrei Gromyko, voou para Damasco por três vezes: a expansão da cooperação ocorria em todas as frentes. Tudo isso não impediu Asad de vez em quando falar sobre “a libertação de Jerusalém” e da “criação da Grande Síria”. No entanto, nada aconteceu além das palavras.

Posteriormente, Assad continuou a pedinchar dinheiro e armas de Moscovo. No outono de 1980, ele fez uma visita ao chefe do Estado soviético Leonid Brejnev, em 9 de outubro foi assinado um acordo de amizade e cooperação, o que significava a assistência militar à Síria em caso de um conflito militar. Centenas de especialistas soviéticos continuaram sendo enviados para a República Árabe, e em julho de 1981, foram realizados no Mediterrâneo os exercícios navais soviético-sírios.

Ao mesmo tempo, Assad não poderia ser chamado de amigo do povo soviético: flertando com Moscovo, ele também estabeleceu relações com os Estados Unidos. Em junho de 1974, o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, foi ao Damasco, anunciando a restauração das relações diplomáticas. E no período de 1975 a 1978, os EUA concederam um grande montante de crédito à Síria e proporcionaram uma oportunidade para comprar trigo em troca de acordos sobre a exploração, produção e posterior venda de petróleo sírio.

Ocupar e conquistar

Em 1976, Hafez Assad mais uma vez decidiu tentar a sorte no cenário mundial e atuar como um grande diplomata. Naquela época, no vizinho Líbano, decorria uma guerra civil. [...] As forças numericamente superiores dos muçulmanos foram derrotadas por grupos militantes cristãos (Kataeb, entre outros) e pediram ajuda aos sírios – então Hafez Assad se fiz de arquiteto do armistício, o que resultou em intervenção militar [síria]. Ele não avisou os seus patrões soviéticos desta operação, no entanto, de acordo com algumas fontes, recebeu “ok” do embaixador dos EUA em Damasco.
Estudantes iraquianos juram fidelidade ao partido «Baath», 1963 foto
@Stan Meagher / Express / Getty Images
[...] Como resultado, Israel invadiu o Líbano e ocupou as regiões do sul, e os sírios desalojaram o governo legítimo do país e de facto assumiram o seu controlo. Antes de 2005 e da revolução popular, Damasco tinha o controlo total sobre o país vizinho.

[...] A União Soviética não queria perder um dos últimos aliados no Médio Oriente/Oriente Médio. Assad foi defendido até pelo Secretário-geral do PCUS, Yuri Andropov, que no outono de 1982 organizou o fornecimento à Síria dos sofisticados mísseis “terra-ar” (SAM-5) com um software de radar, mísseis SS-23 e cerca de seis mil militares para a organização de um novo sistema de defesa aérea e treino de militares sírios . No mesmo ano, a Síria recusou oficialmente [o pedido] da URSS de construção de uma base naval em sua costa, considerando-a impraticável. Asad também esqueceu a promessa de ajudar a construir uma base militar terrestre soviética no território de seu país.

Rodada caseira

Com uma mão estendida, Assad viajou para a União Soviética na era Gorbachev. E, na primeira vez, até foi bem-sucedido: em 1985, a União Soviética forneceu à Síria as lanchas militares, algumas centenas de tanques T-80 e mísseis SS-23 com alcance de até 500 quilómetros, e dois anos mais tarde Damasco recebeu os novinhos MiG-29.

No entanto, Asad não gostava de pagar as contas. A dívida militar da Síria com a URSS até o final dos anos 1980 era de cerca de 15 bilhões de dólares, alguns mencionam a soma astronómica de 80 bilhões de dólares. Era compreensível que a União Soviética interessava Síria apenas como um fornecedor de armas. O volume do comércio soviético com Damasco era inferior a dois por cento de faturamento bruto mútuo.

Depois disso, as relações entre a URSS e a Síria esfriaram completamente. Gorbachev, na presença de Hafez Assad, disse que a ausência de relações diplomáticas entre a Síria e Israel é anormal. Após o colapso da União Soviética o fluxo de ajuda a Síria parou (embora já após o colapso da URSS, foram enviados à Síria 300 tanques T-72). Cooperação parou por causa da enorme dívida da República Árabe pelos fornecimentos militares soviéticos.

[...] No início dos anos 1980, Assad proibiu a importação ao país de produtos estrangeiros: eletrodomésticos, roupas, álcool e tabaco. Além disso, era proibido usar máquinas de fax, antenas parabólicas e, posteriormente, telefones celulares. [...] Na década de 1990, para corrigir a situação, Assad liberalizou a economia do país. Em particular, foram tomadas medidas para revitalizar o setor privado. No entanto, isso não resolveu os problemas, e Damasco foi forçado a se curvar perante os Estados Unidos. Assim, em 1990, a Síria concordou em se juntar à operação de coligação/coalizão contra o Iraque e até enviou uma divisão blindada para lá. E em fevereiro de 1991, 17.000 militares sírios participaram da Operação Tempestade no Deserto.

[...] No verão de 1999, Hafez Assad veio para a Rússia moderna e conheceu Boris Yeltsin. [...] Nada foi dito sobre as dívidas da República Árabe, e o presidente russo prometeu fornecer à Síria os armamentos mais modernos. Este contrato foi avaliado em 2 bilhões de dólares e a dívida síria, de acordo com as estimativas mais modestas, era de 15 bilhões de dólares. De muitas maneiras, tais concessões foram devido ao facto de que a Síria era o único país muçulmano que apoiava a posição da Rússia sobre a questão da ex-Jugoslávia.
Hafez Assad e Boris Yeltsin foto @ TASS
O presidente Asad morreu de insuficiência cardíaca em 10 de junho de 2000. [...] No dia seguinte após a morte de Assad, seu filho [Bashar] foi promovido ao tenente-general, em julho de 2000 ele foi nomeado como comandante supremo das forças armadas. Bashar al-Assad se tornou marechal, sem ganhar uma única batalha, e mesmo sem possuir a formação militar completa. Nas eleições, Assad recebeu 97,29% dos votos e se tornou presidente. Um pouco mais de dez anos de relativa calma estava à sua frente.

Blogueiro: embora é de prever que o aparecimento do artigo será anotado pelo GID, certamente o texto foi pensado na audiência interna russa, possivelmente, dessa forma o público é preparado à ideia de desaceleração da ajuda ao regime do Damasco, ou pelo menos serviu de tubo de ensaio para testar a reação do público ao mesmo...

Cartas dos nossos leitores

1. Nestes dias os membros do grupo brasileiro “Nova Resistência” (apoiantes do Assad), deixaram nos comentários do nosso blogue vários endereços das suas páginas na Internet (camaradas, aqui a publicidade paga-se!), afirmando que “nessas redes sociais vc encontrar volorosas informacoes sobre brasileiros que estiveram ou que pretendem ir ao Donbass!” (ortografia e gramática mantidas no original).
Rafael Lusvarghi na base de dados que regista os terroristas
Camaradas, muito gratos, mas os brasileiros que participaram nas atividades terroristas no leste da Ucrânia são por nos conhecidos, os seus perfis podem ser vistos na página ucraniana de Myrotvorets e aqueles que apenas “pretendem” não importam, pois sabemos que irão “pretender” nas próximas décadas, argumentando com a falta de “apoios aéreos”, tal como Hafez Assad fez em outubro de 1970.   

2. Outros camaradas, ou provavelmente os mesmos, deixaram uma outra mensagem, dirigida aos admins do nosso blogue: “... Israel nao e amigo da Ucrania! Israel apoiou a anexaocao da Crimeia, foi contra o Maidan, chama os nacionalistas ucranianos de nazistas” (ortografia e gramática mantidas no original).
Gregory “Olen” Pivovarov: voluntário do “Aydar”, judeu israelita, punk e anarquista
Mais uma vez, parece que os camaradas vivem em algum universo paralelo. Na votação na AG da ONU sobre Crimeia ocupada, o embaixador do Israel simplesmente abandonou a sala, para nem sequer precisar de se abster e não comprometer Israel com nenhuma tomada de posição formal no assunto; Israel naturalmente não tomou nenhuma posição sobre Maydan, mantêm e aprofunda as relações diplomáticas e económicas com a nova Ucrânia; o mesmo princípio é válido em relação aos nacionalistas ucranianos, Israel como país não se manifesta sobre este assunto e os seus cidadãos tomam as posições individuais: há quem apoia as forças russo-terroristas e israelitas e judeus de bem apoiam Ucrânia, servem como voluntários, combatentes ou instutores nas FAU (e em 2014-15 serviram nos batalhões voluntários).
Judeu ortodoxo ucraniano Asher Joseph Cherkassky: "defender Ucrânia é uma obrigação cívica"

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