Na década de 1970, o capitão do KGB, Viktor Orekhov, durante quase
2 anos, arriscando a sua própria vida, tentava ajudar os dissidentes soviéticos,
os avisando sobre buscas, prisões, implantação de escutas. Foi descoberto,
condenado aos 8 anos da prisão severa, e mais tarde, obrigado à emigrar.
«Eu
era um comunista ferrenho»
Viktor
Orekhov nasceu na Ucrânia, na região de Sumy. Serviu na tropa soviética de guarda-fronteira
(subordinada ao KGB), foi recrutado pelo KGB e formado na sua escola
superior, especializando-se em língua turca. Como conta ele próprio, era um
“comunista ferrenho”, seguro que as “amanhas cantantes” estavam muito próximas.
O
seu avô materno era chefe do primeiro kolkhoze na localidade de Orekhovo na
região ucraniana de Sumy. Era uma pessoa respeitada, tinha 8 filhos, três deles
morreram no decorrer do Holodomor de 1932-33. Já adulto, Viktor soube que o seu
avô paterno era um kurkul (kulak), o poder soviético expropriou a sua casa,
terra, animais e o deportou, junto com a família, para Sibéria. Apenas o seu
pai voltou à Ucrânia. Os seus tios maternos eram militares soviéticos. Eles lhe transmitiram a fé comunista: tudo por que URSS passava eram “dificuldades
momentâneas”. Em breve, conseguiremos erguer o comunismo... principalmente se
não existirem os inimigos...
Viktor Orekhov, jovem oficial da 5ª Direção do KGB |
Viktor
se alistou no KGB para lutar contra os dissidentes, pois eles estavam,
constantemente, disseminar os rumores falsos. Ora diziam e escreviam no samizdat
que a safra de repolho ficou por colher, perdida na neve, que trigo não
colhido foi queimado. Orekhov foi investigar e soube que tudo realmente era
verdade, o caso do repolho, e do trigo... Então, afinal, samizdat diz a verdade?
Porque ficou calada a imprensa estatal? Oficial também via que os dissidentes eram
destemidos, prontos para tudo pela verdade. Mas continuava à trabalhar. Colhia
as informações através da sua rede dos agentes e informadores, impunha as
conversas de “profilaxia” aos camaradas “vacilantes”, participava nas rusgas e buscas.
Numa
das buscas ao apartamento, o capitão reparou no caderno com os “versos anti-soviéticos” (foi
avisado com antecedência por um informador), o folheou e devolveu ao autor, pasmado
ao seu lado, mudo e esbranquiçado: «Não precisamos disso, pode guardar». Naquele
momento ele decidiu ajudar aos dissidentes.
...
De seguida, nos apartamentos, onde KGB planeava uma busca tocava o telefone.
Uma voz desconhecida e propositadamente destorcida avisava: se livre das evidências
comprometedoras, amanhã elas virão. Os psiquiatras soviéticos, que o avaliaram
no tristemente conhecido Instituto Serbsky, nas vésperas da sua primeira
condenação, acharam Orekhov mentalmente saudável, apenas observaram “algum
infantilismo, manifestado no desejo de uma sinceridade espiritual”.
Divulgação
de segredos de Estado
O
dissidente moscovita Mark Morozov
era
engenheiro matemático, tinha 45 anos e se dedicava à divulgação do livro
“Arquipélago GULAG” do Alexander Soljenitsin. KGB seguia todos os passos do
Mark, escutava ilegalmente o seu telefone, matemático foi alvo de um “processo
de verificação operativa” (DOP).
Orekhov e Morozov, final da década de 1970 |
Os
dois começaram se encontrar de uma forma amigável: Morozov fornecia ao Orekhov
literatura dissidente e dos direitos humanos. Os dois conversavam. Orekhov fazia
apontamentos, ele acreditava que poderia elaborar a caracterização objetiva do
movimento dissidente. Acreditava que poderia convencer a mais alta liderança do
KGB e do Estado que os dissidentes não são inimigos do povo, que eles querem o
bem da URSS.
Dos
materiais do processo criminal
…Em
dezembro de 1976, Orekhov avisou Morozov sobre as buscas planeadas; no inverno
de 1977 — divulgou os dados de um informador do KGB; na primavera de 1978 — os
dados de um outro informador do KGB.
Em
janeiro de 1977 Orekhov fez aviso sobre a detenção planeada; em fevereiro de
1977 — sobre execução de ações especiais operativas e técnicas e sobre as buscas
planeadas.
Investigação oficial
A
futura esposa do Orekhov, Nádia, frequentava um grupo dissidente moscovita, de orientação
social-democrata. Um dos membros do grupo, sindicalista Vladimir “Ded” Skvirsky
(1930-1993) incumbiu Nádia conhecer um KGBista que possuía e partilhava a
informação privilegiada sobre ações repressivas contra os dissidentes.
Nádia
considerava que todos os funcionários do KGB eram traiçoeiros, Viktor explicava
que no KGB trabalham pessoas diferentes: há conscientes, que se refugiam na bebida,
outros até provocam a úlcera no estômago, para poder sair, alegando problemas
de saúde; há executores indiferentes; há carreiristas que apenas pretendem
subir na careira... Há desesperados... É precisa espreitar a alma de cada um
para entender...
Eles
se encontraram novamente duas vezes – foram ao cinema. Uma vez ela perguntou
com um sorriso: se ele realmente era do KGB, se não era apenas um trote. Orekhov
lhe mostrou o seu cartão de identidade real e dois falsos, que usava com mais
frequência. Um dos documentos atestava que ele era funcionário de algum
instituto de pesquisa científica, outro dizia que era investigador da polícia
criminal moscovita – MUR. Os dois se separaram, sem suspeitar que a separação duraria
13 anos.
Viktor e Nádia Orekhov, fim da década de 1990 |
…Orekhov
foi chamado de férias uma semana antes da data certa. Num dos corredores do
serviço viu o grupo de colegas, que alegadamente iriam ao evento “T” (colocação
de escuta) em casa do Vladimir Skvirsky. Viktor percebeu que Nádia, juntamente
com muita boa gente, seria atingida. Correu fora do serviço e ligou do telefone
público (“orelhão”) ao seu contato – Morozov, para avisar que Skvirsky terá “uma
boa ventilação”, já amanha.
Passando alguns
dias, Viktor Orekhov percebeu que nunca houve o tal evento “T”. Ele
foi alvo de uma informação falsa. O objetivo era de seguir o seu caminho e
verificar as suas ações. Isso significava ele estava sob investigação.
Em
1 de novembro de 1977 foi detido o seu informador – matemático Mark Morozov. Dissidente
foi acusado de “agitação e propaganda anti-soviética” (Art. № 70 do CP da Rússia
soviética), o seu crime era a divulgação de panfletos e de samizdat. Após a detenção, Morozov rapidamente foi quebrado, entregando tudo e todos: os seus amigos,
conhecidos, familiares e mesmo os membros mais próximos da família. Naturalmente,
ele contou tudo o que à respeito do capitão Orekhov.
…Orekhov
foi detido em agosto de 1978, julgado pelo tribunal militar à porta fechada e
condenado aos 8 anos de prisão efetiva (Art. № 260 do CP da Rússia soviética: “abuso
de poder e negligência de serviço”). Cumpriu a pena na colónia penal especial,
para os ex-funcionários da polícia, KGB e procuradoria, na atual república
autónoma Mari El, perto da
cidade de Yoshkar-Ola. No primeiro mês do encarceramento perdeu 15 kg do peso.
O seu processo não foi mencionado nem na imprensa soviética, nem na ocidental.
Como
prémio pela sua colaboração com a investigação, Morozov foi condenado aos 5 anos
de deportação, sem nenhuma pena prisional. Acreditando na sua impunidade e relação
especial com KGB, exilado em Vorkuta, usando o gravador, gravava o romance “Arquipélago
GULAG”, lido pelas rádios ocidentais. Depois passava a gravação ao papel. KGB soube
do caso e Morozov foi novamente preso e condenado aos 8 anos, sem ter em conta
os seus serviços à favor da segurança do Estado. Estive num campo penal, depois
foi transferido para a prisão, possivelmente, as autoridades prisionais
tentaram, novamente, recrutá-lo. Morozov estava doente e quebrado
psicologicamente...
Em
3 de agosto de 1986, já com Gorbachev no poder, ele se enforcou numa cela da
prisão de Chistopol, quando os companheiros de cela foram ao passeio no pátio
prisional. Mark Morozov tinha 55 anos e a sua morte foi anunciada pela The New
York Times.
O
investigador do KGB Anatoly Trofimov que conduziu o caso Orekhov, fez uma
carreira de sucesso. Ele chegou, na era Yeltsin ao cargo de Vice-Diretor do FSK
(Serviço Federal de Contra-inteligência – sucessor do KGB, de seguida fundido
no FSB), era o chefe da Direção do FSK em Moscovo e na região de Moscovo. Em
1997, já com a patente de coronel-general, foi demitido por “violações graves
no desempenho profissional”. Se tornou o chefe do serviço de segurança de uma instituição
financeira russa de reputação duvidosa e, eventualmente, foi vítima de ajustos
de contas entre os grupos da máfia. Em abril de 2005, ele e a sua esposa foram mortalmente
baleados, por um grupo de desconhecidos, perto da entrada de sua casa.
continua...
Bibliografia:
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Alexander Podrabinek,
“Dissidenty”, (Dissidentes), AST, Moscovo, 2014 (trecho sobre Viktor Orekhov em
russo).
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Bolsonaros,
Brasil Paralelo, “KGB e FARC”:
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