O
Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia (SZRU), divulgou
os 7 volumes do dossier do agente especial do MGB-KGB Bohdan
Stashinsky – homem que matou os líderes de duas alas da Organização dos
Nacionalistas Ucranianos, Lev
Rebet (OUN-z) e Stepan
Bandera (OUN-R).
Nascido
em 1931 e recrutado pelo MGB soviético aos 19 anos em 1950, Stashinsky começa a
sua carreira de agente operativo por participar no esforço da secreta soviética
de aniquilar a resistência anti-colonial e nacionalista ucraniana de OUN-UPA.
Usando os laçõs familiares, ele entrega ao MGB a célula de OUN do comandante Ivan “Karmalyuk” Laba. Mas a OUN [que também possuia o seu próprio serviço secreto, o temível SB
OUN], descobre o traidor e o condena à morte. Os chekistas
decidem deslocar o agente “queimado” de Lviv ao Kyiv e o preparar à uma missão
estrangeira.
Bohdan Stashinskiy (2), já agente do MGB, nas ruas de Lviv, 1951. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
O
“centro” [Moscovo] dá o seu aval para a colocação do agente na Alemanha
Ocidental, onde vivem e trabalham os líderes do resistência ucraniana. Em setembro
de 1952 agente «Oleg» recebe o novo nome de código «Taras» e novos documentos
de identificação em nome de Hryhoriy A. Moroz. Ele se muda para Kyiv, onde reside
na rua Mitrofan Dovnar-Zapolsky, na área da atual estação de metro Lukyanivska,
na altura num bairro bastante periférico.
Estudos
na escola do MGB em Kyiv
Os horários e temas de estudos na escola do KGB. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
Estudos
decorrem por 6-7 horas diárias: língua alemã, polaca, sambo, condução de viaturas, uso de códigos e de armas. Nas noites Stashinsky pratica a organização
dos esconderijos: nos canos de esgoto, na ruínas dos Portões de Ouro, nas sepulturas
nos cemitérios de Lukyanivske e Baykove. Sob o disfarce de números, deixa os sinais
de código nas cabines telefônicas na Estação central dos correios de Kyiv; desenha as cruzes
nas montras de Khreshchatyk; coloca os pinos nos cartazes no cinema “Zoria”.
A organização do esconderijo. 15/01/1952. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
A organização do esconderijo. Documento de 6/02/1953. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
No
teleférico e na multidão da Loja Central de Departamentos, os instrutores o
ensinam como enganar a vigilância e como fazer a troca, de forma, desprecebida,
dos documentos com os seus correios. Na carreira do tiro no clube desportivo “Dynamo”,
o futuro assassino soviético aprende disparar as postolas TT, Parabellum e várias
espingardas. Conduz as viaturas, prepara as microfotografias.
O cartão do membro do clube desportivo “Dynamo” (luta sambo). Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
No
decorrer da sua indouctrinalção comunista, «Taras» Stashinsky estuda “Curso
curto da história do PCUS”, artigos no jornal “Pravda”, e o relatório de Georgy
Malenkov no XIX Congresso do Comité Central do Partido. Ouve as palestras “A
postura de oficial da inteligência soviética operando no campo dos inimigos” e “Os
nacionalistas ucranianos são os piores inimigos do povo soviético, os agentes
das agências de inteligência anglo-americanas”.
A troca de documentos secretos com os seus correios. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
As
reuniões com os seus curadores do KGB Stashinsky marca por telefone: “Quando
posso comprar um treje para as minhas filhas?” – “Para Olga, os trajes serão
vendidos às 16h00”. Então, o encontro será junto à Ópera de Kyiv. Lá ele
recebeu instruções e dinheiro. Stashinsky recebe 1.200 rublos mensais, mais 300
são o subsídio de aluguer de apartamento. [Em 1959-1960, a primeira viatura
soviética vendida ao público geral, Moskvitch 400 (a
cópia absoluta e contrafeita do Opel Kadett K38 de 1939), custava 8.000
rublos.]
Reconciliação
com a família
No
inverno de 1953, o MGB manda o seu agente em missão de serviço ao Lviv “a fim
de codificar, perante as ligações antigas, a sua estadia em Kyiv”. Se tenta
corromper com o dinheiro os parentes que romperam com Stashinsky após a sua passagem
ao lado do inimigo soviético.
«DADO
QUE OS SEUS PAIS MANTENHAM OS SEUS PONTOS DE VISTA ANTERIORES, SERIA ÚTIL AO
“TARAS” ENVIAR MENSALMENTE AOS SEUS FAMILIARES O APOIO FINANCEIRO, DESSA FORMA
MELHORANDO, O SEU RELACIONAMENTO COM ELES».
A
família do Stashinsky receberá do MGB os 400 rublos mensais e o perdoará.
Em fevereiro de 1954, Bohdan finalmente se encontrara com os seus pais, sabendo
que eles perderam a fé na luta de libertação da Ucrânia.
Colocação
no exterior
O
treino de Stashinsky, que inicialmente deveria ser completado em um ano, leva o
dobro. Na Polónia comunista ele é colocado no verão de 1954. Alguns meses
antes, o MGB recebe o novo nome – KGB.
Os objetos pessoais que agente «Taras» deixou na URSS em 1954 (e recebeu de volta em 1959). Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
O KGB
vai compondo a biografia falsa do Stashinsky, explicando por que ele domina
polaco/polonês melhor do que o alemão: a sua mãe alemã alegadamente viveu na
Polónia por um longo período de tempo, teve o filho de um polaco, na II G.M.,
ambos os pais morreram, e o seu filho decidiu voltar para a terra de seus
antepassados.
Em
julho de 1954, “Taras” aparece na Polónia, e durante seis meses estuda todos os
lugares mencionados em sua biografia falsa. Com o mesmo propósito durante algum
tempo, ele trabalha como motorista numa fábrica de açúcar.
«AGENTE
“TARAS” CONCLUIU OS PREPARATIVOS NA POLÓNIA E NOS DEMOS A INSTRUÇÃO DA SUA
COLOCAÇÃO NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMû, – o KGB da Ucrânia Soviética informa
a sua casa-mae em Moscovo em outubro de 1954.
No
final do outono de 1954, Stashinsky aparece na Alemanha Oriental. Sob o nome de
Josef Lehmann trabalha como cortador de folhas, despachante numa garagem,
intérprete da língua polaca/polonesa. O KGB o aconselha à estudar os anúncios matrimoniais
nos jornais, procurando se casar, mudando legalmente para a Alemanha Ocidental
com a ajuda do casamento de conveniência.
Vigilância, pelo KGB, dos contactos pessoais do Stashinsky (à direita). Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
Por
mais de dois anos Bohdan-“Josef”-“Taras” se envolve na rotina: estabelece
contatos, coleta informações, serve ao KGB como mensageiro. Na RDA, ele aprende
que a melhor maneira de se passar por um alemão é maldizer a URSS, elogiar o Ocidente
e o passado, dar gorjetas muito pequenas, não comer o pão nas refeições [um
traço muitíssimo soviético] e beber de calices pequenos. Os alemães não gostam
de coloteiros, e pedindo um cigarro, se deve pagar 10 pfennigs. É melhor ir ao
cinema com o seus próprio sanduíche.
A família do Stashinsky recebe do MGB os 400 rublos mensais. Fonte: O processo de investigação operacional / Serviço de Inteligência Externa da Ucrânia. |
No
outono de 1955, Taras vai de férias para Ucrânia. O major do KGB Belov informa aos
pais que Stashinsky que seu filho é um agente secreto e um verdadeiro patriota
soviético. Lhes agradece em nome dos órgãos de segurança do Estado. Resignado há
bastante tempo, o pai responde que “fica feliz em saber que seu filho está
fazendo um trabalho tão honrado”.
Os
assassinatos do Rebet e Bandera
Lev Rebet em Auschwitz |
Finalmente,
Bohdan recebe tarefas realmente sérias e é enviado para a Alemanha Ocidental
com novos documentos falsos. Mudando vários pseudônimos, Stashinsky persegue e mata
dois líderes da emigração ucraniana. Em 12 de outubro de 1957 ele assassina Lev Rebet, o chefe
da facção mail liberal da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN-z) ou “OUN
no exterior”. Em 14 de outubro de 1959 chega a vez do Stepan Bandera, a líder da facção mais autoritária,
a OUN-R (Revolucionária).
Para
ambos os atentados o espião recebe de Moscovo dois cilindros de alumínio, que disparam
uma pequena corrente de cianeto. Testado a arma nos cães na floresta mais
próxima, “Taras” está convencido: o tiro é quase silencioso, a morte chega rapidamente.
A pistola usada pelo Stashinsky para matar Bandera | fonte: researchgate.net |
O
agente se cruza com Lev Rebet do escritório editorial do jornal ucraniano “Suchasna
Ukraina” (Ucrânia Contemporânea). Bandera, que vive sob o nome de Stephen
Popel, é apanhado na entrada de sua casa. Ambas as vítimas inalam vapores
venenosos e morrem pelo bloqueio instantâneo de vasos sanguíneos no cérebro. O
veneno se dissolve rapidamente, praticamente sem deixar vestígios. A morte do
Rebet foi dada como a natural, fruto de um ataque cardíaco. [No caso do
Bandera, o líder ucraniano possivelmente consegiu presentir o perigo e no
último momento virou a cara. Ele ainda estava vivo quando chegou a ambulância e
na sua face foram encontrados os vestígios microscópicos de vidro.]
A cópia do relatório de um dos agentes do KGB em que este afirma: "até a esposa do Rebet, Daria, diz que o seu marido morreu da morte natural". fonte @Arquivo do SBU. |
O
amor fatal
Da
Alemanha para URSS Stashinsky vem com a jovem esposa alemã, a cabeleireira Inge
Pohl. Aos agentes do KGB [pertencentes à categoria de “ilegais”, a elite da
comunidade de inteligência soviética] não é permitido ter uma esposa, especialmente uma
estrangeira, mas o chefe da KGB, Aleksandr Shelepin, faz uma exceção.
Inge Pohl | fonte: Wikipédia |
Inge
não gosta de Moscovo. Bohdan fica nervoso, descoberto no seu apartamento uma
escuta. Quando Inge engravida, a KGB exige fazer o aborto, mas Stashinsky não
quer ouvir disso. Dado que esposa exerce uma forte influência sobre Bohdan e a
própria Inge recusa-se se tornar uma agente, no final de 1960, KGB informa Stashinsky
que ele não voltará trabalhar no estrangeiro. A confiança mútua é prejudicada.
Ele começa a temer seriamente pela sua própria vida.
Em
1961, Inge, com grande dificuldade, consegue permissão para deixar a URSS e dar
à luz em Berlim Oriental. O bebê Petró morre de seguida. Bogdan implora para lhe permitam atender
o funeral do seu filho.
Fuga
e julgamento
O
agente não pretende voltar para a URSS. Nas vésperas do funeral do filho, em 12/08/1961, Bohdan e Inge, escapam pela porta dos fundos, fugindo da casa dos pais dela, enganando os agentes do KGB
que os vigiavam e vão de táxi para Berlim Ocidental. Os medos das chefias do
KGB, afinal eram justificados, entre amor e trabalho amado, o agente preferiu o
amor.
[Os
agentes da CIA conversam com Stashinsky e acabam de o passar ao BND alemão,
desconfiando de se tratar um agente duplo.] A BND verifica os depoimentos do
agente soviético. Faz-se a exgumação do corpo do Stepan Bandera para efetuar uma
análise dos seus tecidos cerebrais. Na fechadura da entrada do prédio onde
vivia Bandera foram encontrados fragmentos de gazua (chave-mestre). A investigação está convencida:
Bohdan realmente matou ao mando do KGB. O seu julgamento (8-19 de outubro de 1962) é amplamente coberto
pela mídia mundial. Stashinsky diz que “é melhor estar na prisão do que ficar
no chão”.
Os
comentaristas soviéticos chamam o processo de provocação. Ao mesmo tempo, 17
chefes de Stashinsky perdem os seus postos. Os parentes de Bohdan e as suas correspondências são vigiadas, eles são temporariamente transferidos de sua aldeia natal, temendo a vingança da OUN [mesmo
já em 1961-62!] pela morte do Bandera.
A
viúva de Lev Rebet, Daria Rebet (Cisyk) tem
pena do assassino. O chama de um pequeno parafuso do sistema soviético e pede para que não seja punido muito severamente. Por dois assassinatos políticos, o
tribunal elabora uma sentença extraordinariamente branda – 8 anos de cadeia. Stashinsky
serve 3/4 da pena, e em algum momento simpesmente desaparece dos radares do
público.
O romance «Lets beters dan de dood» (Algo melhor que a morte), 1964 do holandês Rogier van Aerde, baseado no tema do atentado do Stashinsky contra Stepan Bandera. |
Em
março de 1984, o chefe de polícia sul-africana, general Mike C. W. Geldenhuys
(1978-1983) disse na entrevista ao jornal sul-africano “Rand Daily Mail” (de
linha liberal e fechado em 1985) que Bogdan Stashinsky veio à Africa do Sul em
1968, imediatamente após a sua saída da prisão alemã. O ex-agente do KGB fez uma
extensa cirurgia plástica, se casou novamente e prestou os serviços valiosos às
agências de segurança locais, na luta contra os insurgentes comunistas.
Hoje Stashinsky teria 86 anos. Teoricamente, ainda
pode estar vivo, possivelmente já morreu. De qualquer maneira, o mais certo,
que nunca saberemos disso.
2 comentários:
O vagabundo deve ter se arrependido de ter matado um dos maiores nomes da liberdade do século XXI: Stepan A. Bandera.
Interessante colocar a foto do Lev Rabet num campo de concentração. Assunto muito pouco explorado é dos heróis do OUN-UPA nos campos de concentração nazi (Stepan Bandera, Stetsko).
Eu não gosto do Rabet, pelo fato dele querer desistir da ação revolucionária nos anos 30, logo após a morte do coronel e herói Konovalets. Mas é uma figura que merece ser respeitada por tudo que passou pelo nome e independência da Ucrânia.
Poderia escrever algo sobre o Petro Mirchuk, que compilou o livro Against the Invaders? https://diasporiana.org.ua/wp-content/uploads/books/23313/file.pdf Também foi parar em um campo de concentração nazista.
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