sábado, junho 09, 2018

União Soviética – país onde não havia pedintes e mendigos (7 fotos)

Os fãs da URSS e do comunismo acreditam que na URSS não havia pedintes e mendigos, geralmente essa frase se escreve em letras garrafais, em jeito de reação após a comparação do nível de vida real na União Soviética e nos principais países capitalistas da época.
Acontece que na URSS cerca de 90% da população era pobre, as pessoas sobreviviam entre os salários, pedindo emprestado aos vizinhos alguma batata ou 3-5 rublos “até o fim do mês”. Mas sem contar com estes, na URSS também havia muitos mendigos (as pessoas que sobreviviam, pedindo o dinheiro e comida nos locais públicos) — durante toda a existência da União Soviética.

País de pobreza institucionalizada

Imediatamente após a chegada ao poder, na sequência do golpe comunista de 1917, os bolcheviques não só não melhoraram a situação dos pobres e dos segmentos menos protegidos da população, mas ainda a pioraram – o novo poder soviético aboliu as pensões “czaristas” e até 1928 na URSS não existiam as pensões de velhice / aposentadorias. Ou seja, até 1928, os idosos da URSS viveram sem aposentadorias e foram forçados à sobreviver como podiam.

Em 1928, a situação não mudou muito: as pensões eram atribuídas apenas aos operários de alguns setores produtivos e, em 1936, os funcionários do estado. O valor de qualquer pensão soviética até 1956 era muito baixo – o veterano do RKKA (Exército Vermelho), recebia, por velhice, apenas 25 rublos; o mesmo veterano, mas com invalidez da 2ª categoria – 45 rublos. O montante máximo da pensão chegou aos 300 rublos no início de 1950 (após a reforma monetária soviética de 1961, este valor era de 30 rublos, menos de metade do salário mínimo e apenas 50,84 dólares, ao câmbio oficial soviético), apenas 2% do número total dos cidadãos na idade de reforma recebia qualquer pensão estatal.
Moscovo (?), 1947
Ao mesmo tempo, de acordo com várias estimativas, após o fim da II G.M. na URSS viviam cerca de 3-5 milhões de pessoas sem-abrigo e sem nenhuma fonte legal de rendimento. A origem destas pessoas era mais que diverso: crianças abandonadas e de pais falecidos e mortos, pessoas com deficiências causadas pela guerra, camponeses fugidos dos seus kolkhozes (no período entre 1935 a 1974 os membros do kolkhoz soviético não podiam se mudar para uma outra localidade sem a permissão, e praticamente eram vinculados ao seu kolkhoz e ao local de residência. Segundo o censo soviético de 1970, eram cerca de 50 milhões de pessoas, ou seja 20,5% da população da URSS) e os “elementos anti-sociais”. As crianças eram levadas aos orfanatos, as pessoas com deficiências eram ignoradas. Os camponeses fugidos dos seus kolkhozes e os ditos “elementos anti-sociais” eram perseguidos ao abrigo do artigo do Código Penal “Violação do regime de passaporte”, que punia as pessoas até um ano de trabalhos forçados no GULAG; no período entre 1945-1953 ao abrigo dessa lei foram condenados até 200 mil pessoas.
Moscovo (?), Life (?), 1947
Ao mesmo tempo, na URSS era impossível se dedicar ao “comércio” ou abrir a sua empresa privada – legalmente a União Soviética baniu o comércio privado – o próprio país empurrava os seus pobres, deficientes ou apenas idosos para a mendicidade – as cidades soviéticas eram cheias de mendigos. Aos mendigos urbanos se juntaram os mendigos do campo – os moradores das aldeias devastadas pelo poder soviético iam às cidades para encontrar algum trabalho, os que não o conseguiam – acabavam na mendicidade.

Luta, à soviética, contra a mendicidade

Inicialmente, o governo soviético preferiu não “reparar” nos mendigos, mas quando o problema começou a assumir um caráter “ameaçador” – optou por um combate cerrado. É de reparar numa característica muito importante da vida soviética – o governo soviético preferiu não resolver o problema, mas o “encobrir”, esconder dos olhos de observadores externos. Ninguém estava preocupado em realmente ajudar aos seus próprios concidadãos – a principal preocupação do regime soviético era de fazer “tudo bonito” – os meios e as vítimas eram uma questão bastante secundária.

Um dos fiéis seguidores do Estaline, Yemelyan Iavorski relatava: “Nos últimos anos pode ser notado a aumento de mendigos em alguns bairros de Moscovo. De ano para o ano, o número de mendigos nas ruas de Moscovo aumenta, e se torna cada vez mais intolerável para a nossa capital socialista”. De facto, as autoridades só estavam interessadas em remover silenciosamente multidões de mendigos das ruas de Moscovo e de outras grandes cidades soviéticas.
A “resolução definitiva do problema de mendigos” nasceu em forma da decisão de deportar os mendigos diretamente ao GULAG – a iniciativa formal veio do Guenrikh Yagoda, e em 1935 começou a deportação dos mendigos para os assentamentos especiais nas estepes do Cazaquistão. A situação apenas piorou após o fim da II G.M. Em 1951 na URSS foram detidos mais de 107.000 mendigos, em 1952 – 156.000; em 1953 – 186 mil pessoas. Muitos deles eram veteranos soviéticos da II G.M., que perderam a sua saúde na guerra. Muitas dessas pessoas ficaram sem as pernas, se movendo em carrinhos caseiros – na União Soviética, acreditava-se que estas pessoas estão “difamando o sistema soviético”, por isso os deficientes e mendigos eram constantemente apanhados pela polícia nos centros urbanos e expulsos das cidades...
“difamando o sistema soviético”...
A mendicidade de tal maneira afetava a imagem de Moscovo, a capital do “primeiro país dos operários e camponeses”, que em dezembro de 1952, o Conselho de Ministros da Rússia Soviética, aprovou a resolução № 1698-98-s que obrigava o Comité Executivo Regional da região de Kaluga e pessoalmente o seu chefe, A. A. Egorov, garantir a eliminação de mendicidade “profissional” entre os membros de kolkhozes dos distritos de Kirovsky e Khvastovichsky, situados naquela região.

Na mendicidade eram envolvidos não apenas os membros simples dos kolkhozes, mas também os familiares dos dirigentes. Em 1954, para se dedicar à mendicidade [em Moscovo] viajou a esposa do chefe do kolkhoz “Rassvet” (Nascer do Sol) Nikitina, a esposa do chefe do kolkhoz leiteiro Erokhin e os membros das famílias (mães, filhos, filhas, esposas) de seis capatazes de brigadas de campo.

O regime soviético respondia como sabia. Em junho de 1954, a assembleia geral da célula do partido comunista do kolkhoz “Rassvet” expulsou do PC o seu membro Lesin (pela mendicidade das duas filhas) e camarada Kuznetsov recebeu a repreensão severa, pela mendicidade da sua esposa.

Mas a verdadeira razão de mendicidade entre os camponeses era simples: “Devido à baixa produtividade dos agricultores coletivos e má disciplina do trabalho, bem como a seca, os kolkhozes neste ano [1954] tiveram a má colheita e os agricultores coletivos receberam pouco dinheiro e produtos agrícolas para cada dia de trabalho. Assim, no kolkhoz “Rassvet” por cada dia de trabalho, receberam 13 copeque em dinheiro, 500 gramas de grãos e 3,5 kg de feno e palha. No ano passado [1953] foi dado, em média, por cada dia de trabalho os 6 copeque em dinheiro, 100 gramas de grãos e 460 gramas de feno e palha [fonte].

É de notar que após a reforma monetária soviética de 1961, os 6 e 13 copeque passaram à valer 0,6 e 1,3 copeque, ou seja 0,10 e 0,22 centavos do dólar (ao câmbio oficial da época). Ou seja, era o valor que o camponês soviético russo recebia (em média) por dia, no biénio de 1953-54.

Já nos EUA, a primeira lei federal do salário mínimo, promulgada em 1938, estabelecia o valor de 0,25 dólares como o salário mínimo diário; em 1952 este valor era de 0,75 dólares [fonte]. A renda média anual nos EUA em 1953 era de 4.011,00 dólares [fonte].

Mendigos na era do “socialismo científico”

Mas e após o fim do estalinismo, as coisas certamente melhoraram? Na época do “socialismo científico”, na era da Pepsi e da Coca-Cola, das chicletes com sabor de café, dos Jogos Olímpicos de Moscovo-1980 e de sapatilhas/tênis soviéticos “Adidas” – nada mudou? Sim e não. Os mendigos já não eram enviados maciçamente aos assentamentos especiais no Cazaquistão, mas mesmo assim – eles continuavam sendo alvos de rusgas e perseguições de milícia (polícia) nos grandes centros urbanos.
Isso deixou de ser uma tarefa do NKVD-KGB, passou às mãos do Ministério do Interior, os mendigos eram capturados nas cidades (na maior parte se mendigava junto às lojas), colocados nas viaturas da polícia e levados fora. Depois poderia ocorrer algum tipo de julgamento no “tribunal de camaradagem”, uma penalidade administrativa, a detenção administrativa de 15 dias, e assim por diante. As autoridades soviéticas disseram que “na URSS não há mendigos” e, portanto, estes não deviam ser vistos, pelo menos nas ruas. Nesta época os dois principais meios de combater os mendigos na URSS era o uso do artigo do Código Penal “Parasitismo” e a deportação dos indesejados, principalmente nas vésperas dos grandes certames estatais, ao 101º km fora de Moscovo e de outros grandes centros urbanos. Ninguém na URSS estava preocupado em realmente resolver o problema da pobreza e da mendicidade até o final da própria existência da era soviética.
Possivelmente todos os nascidos na União Soviética se lembram dos casos na sua infância ou na juventude – dos mendigos, geralmente velhinhos, que estavam mendigar na entrada de uma loja, estação do metro ou na porta da igreja, poucos dias / semanas depois eles desapareciam – apanhados e levados pela milícia/polícia. Às vezes essa mesma avó ou avô retornavam alguns dias depois, para ficar no mesmo lugar...

Foto: GettyImages | Life | Internet | Texto: Maxim MirovichIstPravda

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