No
dia 11 de dezembro celebra-se o centenário do nascimento do Alexander Soljenítsin,
romancista, dramaturgo e historiador russo, que revelou ao mundo o GULAG, sistema
de campos de concentração da União Soviética. Prémio Nobel de Literatura de
1970, expulso da URSS em 1974.
Ao
mesmo tempo, Soljenítsin não era um democrata, ele não gostava dos comunistas devido
às repressões em massa e particularmente contra a religião ortodoxa, mas os “respeitava”
devido aos seus esforços da construção de um grande império.
Além
disso, Soljenítsin era um notório anti-semita (ele vasculhava os nomes judaicos dos
chefes do GULAG, perguntando aos seus leitores “agora vocês entendem quem
precisou de tudo isso?”). Acreditava que o povo russo precisa de um czar com
autoridade absoluta. Simplificando, Soljenítsin era um imperialista, propagando
os mitos do “povo tri-unido”, negando, à Belarus e à Ucrânia o direito de formar
um país próprio e independente.
Capa da edição portuguesa do conto “Um Dia na Vida de Ivan Denissovich” |
Após
a sua produção da obra-prima “Um Dia na Vida de Ivan Denissovich” (publicada na URSS em 1962), Soljenítsin
começou escrever
cada vez pior, e no final de vida
produzia,
nas palavras do poeta Joseph Brodsky, o “incrível delírio”.
Biografia
e GULAG
Soljenítsin nasceu em 11 de dezembro de 1918. Foi perseguido por usar um crucifixo na escola. Na universidade, estudou na Faculdade de Física
e Matemática, foi bolsista estalinista (tirava notas máximas), aprendia,
de forma independente, o marxismo-leninismo. Durante esse período
autor
começou a escrever a sua obra “Agosto, do 14º”, considerando a Primeira Guerra Mundial a partir de posições comunistas
ortodoxas.
Com
início da guerra nazi-soviética, Soljenítsin se
voluntariou ao RKKA, passou pelo batalhão
de transporte, e após se graduar na escola de artilharia, é enviado à uma divisão de reconhecimento de artilharia. Na frente,
Soljenítsin torna-se crítico de Estaline, quem criticava não por ser comunista e assassino, mas como alguém que “distorceu o verdadeiro leninismo”. Foi preso e enviado para a cadeia moscovita de Lubyanka – onde foi interrogado durante
4 meses e depois condenado aos 8 anos de GULAG.
No
GULAG Soljenítsin foi preso no campo
chamado “Nova Jerusalém”, e em 1945 foi transferido para o chamado “sharashka” – bureau de
construção semifechado na fábrica
de motores de aeronaves em Rybinsk. Após um conflito com as autoridades, em
1950, Soljenítsin foi transferido ao campo especial em Ekibastuz – onde
trabalhou em trabalhos gerais. Na época de sua libertação em 1953, Soljenítsin estava completamente desiludido com o marxismo, e começou abraçar às ideias de cariz ortodoxo-patrióticas russas, que considerava a melhor alternativa ao comunismo
soviético.
No final da
década de 1950, a
obra do Alexander Soljenítsin começou ser publicada na União
Soviética – o
mais conhecido é o seu conto “Sh-854”,
que
mais tarde recebeu o nome icónico
de “Um dia da
Vida de Ivan Denissovich” (em 1971 retirado das bibliotecas públicas soviéticas e destruído). Foi a obra literária mais forte no período de famosa “primavera de
Khreushev” e descrevia
um dia quotidiano na vida do prisioneiro do GULAG soviético. Mais tarde, Soljenítsin começou a sua opus
magnum, chamada
“Arquipélago GULAG”.
As
mudanças na vida e na ideologia do escritor
Em 1963 ele perdeu a protecção do Khrushev, desde 1965 a sua obra é proibida na URSS, em 1970 ele
ganha o prémio Nobel da Literatura e em fevereiro de 1974 é deportado da União Soviética
(voltando definitivamente à Rússia em 1994), morrendo em agosto de 2008.
Criticando fortemente a União
Soviética – Soljenítsin considerou como a sua alternativa não à democracia, liberdade e pluralismo – mas
uma espécie do “califado ortodoxo”, um novo império, no qual tudo será tão
proibido e fechado como no comunismo – mas sob outras
bandeiras. Soljenítsin repreendia
as democracias ocidentais, primeiro, pelo facto de que elas não queriam combater ativamente o comunismo, e depois pelas suas liberdades e pelo seu pluralismo de opiniões.
Muitos escritores e dissidentes
da
sua época afirmam que Soljenítsin sempre foi o mesmo, por exemplo, académico Andrei Sakharov ativamente o criticava ainda em 1974 – declarando explicitamente que todo o seu “romantismo patriarcal-religioso” levaria a um regime pior que comunismo soviético. Autor também foi criticado por sua intolerância em relação às opiniões alternativas, por crueldade, pelo imperialismo
e pelo anti-semitismo – ele
vislumbrava em judeus,
como numa força externa, as
raízes do bolchevismo, idealizando o povo russo que via apenas como uma
“vítima inocente”.
Nos
últimos anos, Soljenítsin apostava em textos sobre o “povo tri-unido”, que deve
se unir em torno de Moscovo contra os comunistas e contra as democracias ocidentais
– não notando ou não querendo ver que durante todo o século XX, exatamente Moscovo
foi a raiz da maldade bolchevique.
[Em 18 de setembro de 1990, logo
dois jornais soviéticos, Literaturnaya Gazeta e Komsomolskaya Pravda, publicam
o seu ensaio jornalístico “Como devemos organizar a Rússia?” (subtítulo: considerações
viáveis). Foi o primeiro
trabalho jornalístico do
autor publicado na
imprensa estatal soviética e logo com a tiragem sumária de
cerca de 28
milhões de cópias.
Entre várias coisas
mais ou menos ortodoxas e conservadores, autor defendia a criação de
um novo império, que englobaria, impreterivelmente, Belarus, Rússia, Ucrânia e Cazaquistão].
Moscovo
2042
Uma
das melhores imagens satíricas do Soljenítsin é descrita na distopia do Vladimir
Voynovich, “Moscovo-2042”. Um dos personagens principais do romance é Sim Simych Karnavalov – ex-prisioneiro e, posteriormente, um
combatente irreconciliável contra os comunistas. Em algum momento da sua
infância foi lhe revelado que ele, de facto, é um descendente de czar Nicolau II e “será o czar na Rússia”. Com essa mensagem, Sim Simych ficou incrivelmente empolgado e disse para si mesmo – “o primeiro falcão era Lenine, o segundo falcão era
Estaline, e o terceiro falcão sou eu!”
A capa da edição espanhola da distopia "Moscovo 2042" |
No
final do romance, Soljenítsin-Karnavalov chega ao poder e, correndo com os
comunistas estabelece a sua própria ordem – se declara como único e eterno czar,
nas escolas alunos passam à estudar apenas a teologia, o dicionário clássico da língua
russa e as obras do Soljenítsin-Karnavalov. Os “voadorkas” (aviões) são proibidos – somente transporte puxado por
cavalos pode ser desenvolvido, todos devem ir à igreja, todas as mulheres devem
usar roupas longas e cobrir o cabelo, e todos os homens devem usar barba. Na
Rússia começam as execuções em massa e as repressões, semelhantes às dos comunistas,
mas em nome de uma outra coisa...
Fortemente
criticado quer pela propaganda comunista (que via no romance “a calúnia ao
socialismo”), quer pela imprensa emigrante – por “denegrir o nosso Profeta”, Voinovich
respondeu, explicando que não descreveu Soljenítsin em particular, mas o típico
ídolo russo, a quem o povo ama adorar. Voinovich também disse que a figura de
Karnavalov era universal à todas as ditaduras, e seu romance foi proibido no
Irão, onde a censura viu no retrato de Karnavalov a caricatura ao próprio aiatola
Khomeini.
Daqui
à 100 anos. Como epílogo
Em
vez de epílogo, quero dizer – pessoalmente, acredito que em cem anos Soljenítsin
será completamente esquecido. Ou talvez será lembrado apenas o seu conto “Um dia da Vida de Ivan Denissovich”, o seu melhor trabalho. E todas as
suas outras obras anticomunistas são comprometidas pela sua posição
antidemocrática, que na verdade difere muito pouco do próprio comunismo...
E
vocês, queridos leitores do nosso blogue, já leram alguma obra do Soljenítsin?
Fotos:
arquivo | Texto: Maxim
Mirovich e [Ucrânia em África]
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