A entrevista da Encarregada de
Negócios da Ucrânia na República da África do Sul, Sua Excia. Sra. Liubov
Abravitova, concedida ao semanário independente moçambicano “Savana”, № 1301, de 14
de dezembro de 2018.
1. Como
é que avalia a cooperação entre Moçambique e Ucrânia?
As
relações ucraniano-moçambicanas são tradicionalmente amigáveis. As relações diplomáticas
foram estabelecidas em 19 de agosto de 1993 – então, neste ano, celebramos o
25º aniversário de seu estabelecimento. Ao mesmo tempo, as nossas relações têm
uma longa história desde o estabelecimento de relações diplomáticas entre a
URSS e Moçambique em 1977. Muitos estudantes moçambicanos estudaram nas
universidades ucranianas, embora neste momento o seu número é bastante menor.
Ambos os países têm grande potencial para desenvolver cooperação mutuamente
benéfica em vários domínios.
2.
Em que áreas os dois países cooperam?
Ucrânia
e Moçambique estão apenas começando a definir as prioridades da cooperação
bilateral. E, como podem imaginar, para iniciar qualquer diálogo sectorial é
necessária uma base contratual e jurídica adequada. Actualmente, as partes
estão a desenvolver acordos bilaterais de cooperação no domínio do comércio, economia
e de investimentos, cooperação nas áreas da educação e do turismo. Está sendo
trabalhada a questão da assinatura do Acordo na área da defesa. Na verdade
essas são as áreas promissoras para os dois países nas áreas de cooperação.
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Sua Excia. Sra. Liubov Abravitova em Maputo |
3.
Que sectores da economia moçambicana
interessam à Ucrânia e o que é Moçambique pode ganhar da Ucrânia?
Acreditamos
que o estado actual da cooperação comercial e económica entre a Ucrânia e Moçambique
não revela plenamente o potencial do nosso relacionamento. Tanto Ucrânia, como
Moçambique, devem envidar esforços para os elevar a um nível superior. Entre as
áreas promissoras e mutuamente benéficas de cooperação podemos destacar a
agricultura (incluindo o incremento de fornecimento de grãos e outras mercadorias
ucranianas), indústria alimentar (fornecimento de carne, aves e seus derivados,
bebidas, biscoitos, massas, cereais, etc.), sector energético (no contexto do desenvolvimento
do sector de petróleo e gás de Moçambique), bem como a construção naval.
4.
Há condições para os dois países
elevarem a cooperação para outros patamares?
Ucrânia
é favorável ao reforço da cooperação com Moçambique. Nesse contexto,
acreditamos que a conclusão de acordos intergovernamentais da cooperação
comercial e económica, bem como a promoção e protecção mútua de investimentos,
poderiam fornecer um ímpeto adicional real à intensificação da cooperação entre
os dois Estados. Anteprojectos destes acordos estão actualmente a ser
considerados pela parte moçambicana.
5.
Quantos ucranianos residem em Moçambique?
Posso
dizer o número exacto dos cidadãos ucranianos que vivem em Moçambique e que possuem
o registo consular na Embaixada da Ucrânia na África do Sul, que neste momento é
responsável por Moçambique, são 10 pessoas. Ao mesmo tempo, sabemos que o
número real de nossos cidadãos aqui é muito maior, ligeiramente acima de 100
pessoas.
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Um dos momentos de encontro da Liubov Abravitova com a comunidade ucraniana residente em Maputo |
6.
A presença de uma comunidade ucraniana
em Moçambique é um elemento facilitador da cooperação entre os dois países?
Sem
dúvidas. Eles são um canal importante para manter o nosso relacionamento.
Através da comunidade ucraniana residente em Moçambique os moçambicanos
conhecem a nossa rica cultura, tradições e arte. Além disso, um elemento
importante no aprofundamento das nossas relações foi o lançamento, em 2017, do
Consulado Honorário da Ucrânia em Maputo, liderado pelo Dr. Abílio L. Soeiro.
Actualmente, com o seu apoio, existe um diálogo entre os nossos estados sobre o
lançamento da Câmara de Comércio e Indústria Ucrânia-Moçambique, que nos
permitirá identificar as prioridades específicas da cooperação comercial e
económica e traduzi-la em termos práticos.
7.
Há condições para os dois países
elevarem a cooperação para patamares mais elevados?
Tais
condições existem sempre e sob todas as condições e circunstâncias. Ucrânia
está expandindo a sua cooperação com os países africanos, existindo vários
níveis de interacção. O primeiro, na minha opinião, deveria ser o
desenvolvimento da cooperação no âmbito de organizações internacionais, o
diálogo político regular e o apoio mútuo no âmbito de fóruns internacionais.
Isto, por norma, dá um ímpeto a todas as áreas de cooperação, nas quais as
partes estão interessadas.
8.
O facto de Moçambique manter uma
cooperação já antiga com a Rússia não é uma entrave na cooperação entre
Moçambique e a Ucrânia, tendo em conta o conflito entre a Rússia e Ucrânia?
Moçambique
mantém a cooperação de longa data com a Rússia, mas essa tem a mesmíssima
duração em relação à Ucrânia, dado que essas relações foram estabelecidas desde
a União Soviética. Eu não iria exagerar o papel da Rússia no desenvolvimento de
relações amistosas com a região da África Austral, incluindo Moçambique. Aqui,
a parte importante pertence à Ucrânia, à Geórgia, à Bielorrússia e ao resto dos
nossos antigos “amigos” na URSS. Eu acredito que, independentemente dos projectos
implantados em conjunto pela Rússia e pelo Moçambique, o vosso país está
interessado em desenvolver a cooperação com o maior número possível de outros
estados. Numa economia mundial globalizada, nenhum país quer depender de uma
orientação única, porque isso, poderá afectar directamente a sua segurança
nacional e independência económica. Bem, tenho a certeza que Moçambique está
principalmente interessado em diversificar os seus projectos externos nas áreas
da política e de economia.
9.
Moçambique tem tido uma postura de
neutralidade na questão Rússia/Ucrânia, pelo menos publicamente. Como analista
essa opção?
Este
tipo de posição foi tomada por uma série de países (mas não a maioria), o que é
patente nas votações no âmbito das organizações internacionais na questão da
agressão russa na Ucrânia. Pessoalmente, associo essa posição dos países “neutros”
com o fenómeno da guerra híbrida, que a comunidade internacional está
assistindo, nesta envergadura, pela primeira vez na história das relações
internacionais. Mas hoje, quando o mundo inteiro está ciente do papel da Rússia
e dos seus métodos de guerra na Ucrânia, tenho certeza que a maioria destes
países irá modificar a sua posição actual para uma mais clara. Pois, a
preservação do direito internacional como o maior instrumento de resolução de
conflitos é uma prioridade para todo o mundo civilizado. O nivelamento, por
baixo, dos valores e da efectividade do direito internacional afecta todos os
países, porque quando o Direito internacional não é respeitado, todo e qualquer
país pode se tornar uma vítima já amanhã. O que se deu com a interferência da
Rússia nas eleições na Alemanha, França, Estados Unidos, no caso recente de
Salisbury.
10. Qual
é a posição que Maputo tem transmitido a Kiev em relação ao conflito com a
Rússia?
Não
recebemos, por parte de Moçambique, uma posição clara nesta questão.
11. Qual
é o papel que Moçambique pode jogar para ajudar a resolver o conflito entre a
Ucrânia e a Rússia?
Acredito
que a adesão de Moçambique à posição da maioria dos países, em, ao menos
condenar a violação das normas e princípios básicos do direito internacional, a
Carta das Nações Unidas e vários acordos internacionais e bilaterais ucraniano-russos,
contribuiria significativamente para a pressão da comunidade internacional
sobre a liderança russa. Isso impediria a repetição futura de cenários semelhantes
em outras partes do mundo.
12. Está
projectada a instalação de uma embaixada da Ucrânia em Maputo?
Como se
pode ser comprovado pelas estatísticas dos nossos indicadores de comércio
bilateral, bem como pela ausência de um diálogo político activo, a abertura de
uma missão diplomática ucraniana exclusivamente para Moçambique não é oportuna.
Mas, mais uma vez, gostaria de enfatizar que nos últimos anos Ucrânia expandiu
consideravelmente sua cooperação com os países da África. Portanto, estou
confiante de que a abertura da representação diplomática ucraniana é provável
no futuro, no processo de aprofundamento da cooperação bilateral.
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