Olivier Rolin junto à livraria Deja Lu, em Cascais, Portugal |
Olivier Rolin, o
celebrado autor francês, que passou parte da sua infância em África, ex-maoísta, vencedor do Prémio
Femina e finalista do Goncourt, falou com o Observador.pt, entre outras coisas, sobre o comunismo (trechos).
Um
retrato do mundo inteiro
Quando é que visitou o
país [URSS] pela
primeira vez?
Em
1986. Há essa explicação pelo espaço, mas também porque foi na Rússia que
aconteceu um dos grandes acontecimentos do século XX; um dos maiores sinais de
esperança que a humanidade teve e, ao mesmo tempo, um dos maiores dramas, um
dos maiores massacres. Nasci no século XX, vivi a maior parte da minha vida no
século XX. Uma grande parte da História do meu tempo teve origem nesse país.
Depois há outras razões [por ter um fascínio pela Rússia]: gosto muito da
língua russa e também gosto de não encontrar franceses nos sítios a onde vou
[risos]. É por isso compreensível porque é que vou à Sibéria.
[…]
É
por a Revolução de Outubro ser um dos eventos mais importantes do século XX que
decidiu escrever O Meteorologista, um romance que se passa durante o tempo de
Estaline e que fala sobre a brutalidade dos campos de trabalhos forçados?
Sim,
sim. Mas também porque essa história em particular, desse pai e dessa filha [,
que aconteceu realmente], é comovente. Talvez tivesse escrito na mesma sobre
ela se se tivesse passado noutro sítio que não a Rússia. Mas, de qualquer forma,
a loucura do processo estalinista é algo que me deixa estupefacto, e que me
interessa. Muito poucas pessoas no meu país, no ocidente, sabem que foram
fuzilados 750 mil inocentes num ano. Na Primeira Guerra Mundial, morreram 1,5
milhões de soldados franceses. [As vítimas russas soviética são] metade
disso. E foi só num ano! Esta história é muito pouco conhecida, e fascina-me.
Como é que a esperança que havia, no mundo inteiro, se transformou nesta
explosão de sangue? É por isso que esta história me interessa.
ler e/ou comprar o livro |
Enfim,
[o que aconteceu] é conhecido, mas pouco. Toda a gente sabe os nomes dos campos
de concentração nazis. E ainda bem, fico contente com isso, mas quase ninguém,
ninguém [consegue] citar um só nome de um [campo] do GULAG. Sabemos que
aconteceu, e é só. E, além do mais, há pessoas que pensem que isso nem sequer
acontece. Fui agredido num encontro público por um velho estalinista que achava
que o GULAG não tinha existido. “Calúnias!”
Com o Holocausto
acontece a mesma coisa. Há quem ache que nunca aconteceu.
Sim,
há idiotas em todo o lado.
Assinalou-se em 2017 o
centenário da Revolução de Outubro. Isso não deveria ter sido uma oportunidade
para repensar o que aconteceu em 1917 e nos anos seguintes?
O
pior é que na Rússia todos tiveram membros da família que sofreram, mas, no
geral, as pessoas não querem falar nisso.
Têm medo.
Sim,
sim.
Visita regularmente a
Rússia desde 1986. O que é que mudou?
As
cidades mudaram muito. Hoje em dia, são semelhantes às de qualquer outro sítio.
Mas, noutros pontos do país, a vida é por vezes pior do que era antes. Antes
ainda havia uma série de coisas públicas que funcionavam mais ou menos [bem].
Agora, as pessoas estão abandonadas. Mudou nos dois sentidos. Também conheço um
pouco da China e, atualmente, existe uma ditadura pior do que a russa. Apesar
de tudo, na Rússia ainda há oposição. É atacado, mas existe. Isso não acontece
na China. Este livro, O Meteorologista, foi banido lá. Foi traduzido, chegou às
livrarias mas depois retiraram-no.
Com que justificação?
Nenhuma. Encontrei-me
com a minha editora e ela disse-me que nem lhe deram uma explicação por
escrito, foi só um telefonema. E foi isso. Mas penso que a justificação esteja
no facto de falar sobre crimes cometidos por um partido comunista.
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