Desapareceu
fisicamente o grande escritor russo Vladimir Voinovich (1932-2018),
verdadeiro e brilhante profeta. Em 1986, ele escreveu a distopia “Moscovo
2042”, em que descreveu a Rússia pós-soviética, liderada por um ex-espião do
KGB, que trabalhou anteriormente na Alemanha.
O
autor nasceu em 1932 em Tajiquistão, na cidade de Stalinabad (Duchambe), no seio
de uma família sérvio-judia de origem ucraniana (ambos os seus pais nasceram na
Ucrânia).
Em
1960 Voinovich trabalha na rádio, escreve poesia e canções (é autor de mais de
40 canções conhecidas), a canção baseada nos seus versos «Catorze minutos até a
largada» se tornou o hino não oficial dos cosmonautas soviéticos. Os versos
foram citados pelo Khruschev e Vladimir Voinovich «acordou famoso». Já em 1962 ele
se torna o membro da União dos Escritores da URSS (na União Soviética, em
geral, existia a regra de publicar os livros de autores soviéticos apenas no
caso da sua filiação na União dos Escritores).
No
final da década de 1960, Voinovich participa ativamente do movimento em defesa
dos direitos humanos, o que causou o conflito com as autoridades soviéticas. Devido
às suas atividades em prol de direitos humanos e da escrita fortemente satírica,
o escritor foi perseguido: os seus passos foram seguidos pelo KGB, em 1974 ele
foi expulso da União dos Escritores da URSS (e admitido no PEN clube da França).
Em
1963 o autor começa escrever a sua futura magnum
opus, a distopia A
Vida e as Aventuras Extraordinárias do soldado Ivan Chonkin, cuja 1ª parte
foi publicada (sem a permissão do autor) em 1969 no Frankfurt-am-Main e em
forma da trilogia completa em 1975 em Paris.
Póster do filme homónimo checo |
Após
a publicação do “Chonkin” no exterior, Voinovich foi convocado pelo KGB para “conversar”
sobre a possível publicação de algumas de suas obras na União Soviética. Num
destes encontros, no quarto № 408 do hotel moscovita Metropol, o escritor foi
envenenado com uma droga psicotrópica.
Em
21 de dezembro de 1980, Voinovich foi forçado à emigrar para Alemanha Federal, em
1980—1992 vivia e trabalhva na Alemanha e nos EUA, colaborava com rádio Liberdade.
Voltou à URSS ainda em 1990, antes do desaparecimento do império soviético.
37
anos atrás, no dia 16 de junho de 1981, pelo decreto do Secretário-Geral do
Comité Central do PCUS, Leonid Brejnev, ao escritor Vladimir Voinovich foi retirada
a cidadania soviética.
O
escritor já esperava pela decisão semelhante. Antes disso, a propaganda soviética
o chamava de inimigo, inimigo do
povo, de
chacal e até de uma barata. Mesmo assim, por alguma razão, Voinovich ficou ofendido e irritado, escrevendo, em
resposta, a carta aberta ao Brejnev
(que enviou ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung):
AO
BREJNEV
Senhor
Brejnev,
Você
classificou meu trabalho de uma forma desmerecidamente alta. Eu não minava o
prestígio do estado soviético. Devido aos esforços de seus líderes e da sua
contribuição pessoal, o estado soviético não tem nenhum prestígio. Portanto,
para ser justo, você deveria privar de cidadania à si próprio.
Não reconheço o seu decreto e considero
que não seja mais do que uma carta fake. Juridicamente, é ilegal, mas na
verdade, eu era e sempre serei um escritor e cidadão russo, até a morte e mesmo
após dela.
Sendo um otimista moderado, não tenho
dúvidas de que em pouco tempo todos os seus decretos, privando a nossa pobre pátria
de sua herança cultural serão cancelados.
Meu otimismo, no entanto, não é
suficiente para acreditar no desaparecimento, igualmente rápido, do deficit de
papel. E ai, os meus leitores terão que levar vinte quilos de seus ensaios ao
sistema de reciclagem, para conseguir o talão de um único livro sobre o soldado
Chonkin.
Vladimir
VOINOVICH
17
de julho de 1981,
Munique
Num
dos momentos mais hilariantes do seu romance Ivan
Chonkin (que próprio autor descrevia como o romance-anedota) – o capitão do
NKVD Milyaga é capturado pelo NKVD. Devido à uma série de enganos tragicómicos, o capitão
Milyaga acredita que foi capturado pelos nazis e NKVD consideram que capturaram
um oficial nazi:
Ich bin arbeiten… ist
arbeiten, arbeiten, ferchtein? – Capitão com as mãos
tentou demonstrar algum trabalho, algo como cavar a horta, ou trabalhar com a
lima. – Ich bin arbeiten... – Ele
começou à pensar como identificar a sua instituição e de repente encontrou a
equivalente inesperada: – Ich bin
arbeiten in russische Gestapo. – Gestapo
– o loiro franziu a testa, percebendo as palavras do entrevistado à sua maneira
– kommunisten strelirt, bang-bang? – Ja,
ja – voluntariamente confirmou capitão. Und
kommunisten, und no partei und todos strelirt, bang-bang – fingindo
disparar a pistola, o capitão abanava a sua mão direita. Então depois ele quis
dizer aos interrogadores que ele tem uma grande experiência em lidar com os
comunistas e que ele, capitão Milyaga, traria um certo benefício de
instituições alemãs, mas não sabia como expressar um pensamento tão complexo (A
vida e as aventuras extraordinárias do soldado Ivan Chonkin):
A
posição cívica
Autor morreu aos 85 anos... |
Durante
a intervenção russa na Ucrânia, em março 2014, juntamente com outras figuras
culturais russas, Vladimir Voinovich assinou um apelo contra a política agressiva
do Kremlin e lamentou o apoio dessa política por parte de uma parte da
intelligentsia russa.
Em
25 de fevereiro de 2015, Vladimir Voinovich, escreveu a carta aberta ao Vladimir
Putin em defesa da Nadia Savchenko e contra a anexação da Crimeia e guerra de ocupação
russa no leste da Ucrânia.
Em maio de 2018
juntou-se à declaração de escritores russos em defesa do realizador ucraniano
Oleg Sentsov, preso e condenado ilegalmente na Rússia.
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