terça-feira, dezembro 04, 2018

Sófia: o universo pós-socialista distópico de «Half-Life 2»

Hoje mostraremos aos nossos leitores o universo pós-socialista do jogo distópico «Half-Life 2», baseado no ambiente da cidade de Sófia, capital da Bulgária, profundamente marcada pelo socialismo cinzento e adormecido.

O jogo distópico «Half-Life 2» foi lançado em 2004 e produziu o efeito de uma bomba – nunca antes o jogos de computador tinha tanta perfeição, estilo cinematográfico e a imersão máxima na trama. O jogo teve uma influência particularmente forte nos jogadores do espaço pós-soviético – de repente nos seus monitores apareceram não os arranha-céus ou a selva – mas os prédios tipicamente socialistas, que serviam de locais do enredo.

City 17. Aliança. Guerra das 7 horas
Forças da Aliança
(ler mais sobre universo de Half-Life 2)

Procurando pela cidade distópica
Os gamers pós-soviéticos repararam imediatamente que muita coisa que acontecia no Half-Life 2 lhes recordava o comunismo — Aliança como alusão à União Soviética, que de forma “pacífica e voluntária”, anexou uma república após a outra, e em meados do século XX espalhou a sua ideologia aos países da Europa Central e do Leste. City 17 era visualmente semelhante às cidades soviéticas – o jogo ocorre entre os “blocos” de edifícios de betão, prédios chamados “khruschevkas”, viaturas soviéticas nas ruas, como “Moskvich” ou “Lada”.
Design da City 17
Os gamers também discutiam muito sobre qual a cidade serviu de protótipo à City 17. Nos fóruns de jogos diziam que é Riga, Tallinn, Vílnius, Voronezh ou Minsk – cada jogador encontrava algo similar da sua cidade na City 17 distópica.

A City 17 realmente tem um protótipo real – o principal designer «Half-Life 2» é búlgaro Viktor Antonov, que viveu em Sófia quando criança, e foi com base na sua cidade natal que ele decidiu criar a cidade distópica.

Centro

Gordon Freeman chega ao centro do City 17, cercado pelos edifícios administrativos típicos do estilo balcânico, construídos no fim do século XIX – início do século XX. Tal como realmente acontece em Sófia:

Uma das características típicas da arquitetura búlgara é a presença de torres, que também aparecem na City 17 – exatamente como em Sófia – com as janelas redondas bem no meio do telhado.

Viktor Antonov também reproduziu no seu shooter e de forma subtil a combinação arquitectónica puramente europeia do leste com os traços socialistas de prédios quadrangulares que aparecem no Half-Life 2 com muita frequência. Uma cópia da realidade:

Caminhos-de-ferro / ferrovias e canais

Do centro da cidade Gordon Freeman se dirige à um grande nó ferroviário — que realmente existe em Sófia.

Passagens, cercas de rede, vagões velhos, edifícios técnicos – tudo isso também está presente em Sófia real.

Junto à antiga central termoeléctrica de Sófia existem também vários edifícios fabris abandonados – no Half-Life 2 aparecem coisas muito semelhantes.

Unidade fabril vazia:

Na história do jogo, Gordon Freeman, deixou a City 17 através do sistema de canais. Esta é também uma coisa muito específica de Sófia – os canais são uma espécie de valas de drenagem ao céu aberto e estão cheios de água quando sobem os caudais dos rios na primavera, devido a neve que derrete (como na foto). Isso evita as inundações. Foi através desses canais que Gordon Freeman dirigiu o seu buggy:

No verão, os canais de Sófia estão secos. Antigamente o lixo de grande porte era descarregado nesses locais, como os refrigeradores antigos – os canais tinham uma aparência muito mais pitoresca.

Na década de 1980, os canais de Sófia eram um dos lugares favoritos dos jogos de crianças – no Half-Liffe 2 Gordon Freeman passa por entre essas velhas geleiras/geladeiras e camas enferrujadas – talvez este era o imaginário infantil do próprio Victor Antonov nos seus jogos de infância.

No mapa Half-Life 2 “Através dos Canais” há também pequenas baías de água, no fundo das quais estão prédios de arquitectura socialista, e ainda além é possível ver as montanhas – tudo isso também existe em Sófia.

Prédios ao estilo “blocos de sovok”

Casas típicas socialistas, chamadas de “blocos” na Europa Central e do Leste, tornaram-se muito reconhecíveis no universo de Half-Life 2. Muitos pensam que os “blocos” da City 17 se assemelham a Minsk ou Voronezh – no entanto, esta é uma série tipicamente búlgara.

Os prédios possuem janelas grandes por toda a parede, e também nem todas as varandas são envidraçadas – o que indica um clima ameno, além disso, os mesmos prédios nos bairros depressivos de Minsk ou Vílnius possuem uma aparência diferente.

Na City 17 aparecem estes mesmos prédios – com as varandas avermelhadas nas extremidades que se projetam fora das paredes – um método arquitetônico puramente búlgaro para aumentar o tamanho de varandas, que são maiores do que as varandas nos prédios semelhantes na URSS.

Este contorno desigual de edifícios com as varandas parcialmente envidraçadas e parcialmente vazias é uma imagem muito reconhecível da totalitária City 17.

Finalmente, a coloração alaranjada das varandas e partes das paredes dos edifícios é transmitida com muita precisão no jogo:

Sobre a cor alaranjada. Jogando no Half-Life 2 é possível pensar que são chapas de metal enferrujadas que tapavam as varandas do lado de fora. Na realidade tudo é um bocado diferente:

Laranja não é uma ferrugem, mas a tinta que se desprendeu e expôs o gesso branco.

Na sua entrada, os edifícios parecem bastante comuns.

No interior. Os moradores desses blocos da Half-Life 2 se alistavam à Defesa Civil [nome de uma das cadeiras da escola secundária soviética, em que os alunos aprendiam montar e desmontar o AK-74 e o funcionamento de granadas RGD-5 ou F-1] da Aliança. O design do Antonov sugere uma coisa muito simples: o totalitarismo começa com as coisas bastante quotidianas, e muitas vezes – logo no limiar do seu apartamento.

Os corredores:

Outro tipo de prédios habitacionais da Half-Life 2 são típicos “khrushchevkas” búlgaros, onde se escondiam os franco-atiradores da Aliança, apontando as suas armas à personagem principal. Eles têm as janelas largas características e um telhado saliente.

Interior bastante normal

Posfácio

Prédios socialistas, carros soviéticos e atmosfera geral do “sovok” criaram em Half-Life 2 um efeito surpreendente – havia a sensação de que o fabuloso dragão eslavo Zmiy-Gorynych não vive em montanhas e florestas distantes, mas no nosso céu cinzento e entre os blocos socialistas – talvez ele até é um de nós. “O mal está junto de nos” – assim podemos caracterizar a principal impressão do universo deste jogo.

E vocês, nossos queridos leitores, já jogaram Half-Life-2? Gostam dos games?

Imagens: «Half-Life 2» | Fotos de Sófia e texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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