A
notícia sobre o lançamento do sistema de míssil russo “Avangard”, com a
velocidade de 20 Mach, merece ser analisada do ponto de vista de engenharia
térmica, ciência que estuda “transporte de energia particularmente em
nanoescala”.
A
informação sobre os 20 Mach foi lançada pelo canal militar russo TV Zvezda:
“... A arma é um bloco alado, que é lançado com auxílio de um míssil balístico,
que se dirige ao alvo em camadas densas da atmosfera à uma velocidade superior
à velocidade do som, cerca de 20 vezes...”
Embora
o vice-primeiro-ministro russo, Yuri Borisov, já fala em 27-30 Mach: “os últimos
testes mostraram que [a unidade de combate do sistema de mísseis estratégicos “Avangard”]
atingiu velocidades próximas à 30 Mach. Atingia a velocidade cerca de 27 Mach”.
No
âmbito da já falada engenharia térmica, se estuda o efeito do calor na
construção de mísseis e foguetões, dependendo de velocidade do seu movimento nas
alturas diferentes. Quanto maior for a velocidade, mais aquecida fica a
superfície do míssil (ou dos seus blocos). As grandezas de aquecimento podemos verificar nessa tabela:
A
tabela mostra que nas velocidades até 10 Mach em camadas densas da atmosfera, o
aquecimento da estrutura pode atingir valores próximos de 6.000 graus Kelvin (5.727º
C). Naturalmente existem nuances, o
aquecimento à este nível não ocorre em toda a estrutura, mas apenas em certos
pontos, o calor é ligeiramente dissipado pelo fluxo de ar, etc. A tabela demonstra
apenas os valores máximos.
Mas
porque a tabela acaba em 10 Mach? E se a velocidade do nosso objeto é maior? Porque
o ponto de fusão do metal mais refratário – tungsténio é de 3.420º
C. Depois disso a nossa tabela perde seu significado – não existe material que
possa suportar o movimento de um míssil em camadas densas da atmosfera à uma
velocidade superior a 10 Mach. Mas e os cosmonautas / astronautas na sua
aterragem? Podem perguntar os leitores. Os astronautas descem à terra numa
cápsula. A cápsula possui várias camadas de protecção, elas queimam
sucessivamente e, enquanto estão queimando, a cápsula ganha o tempo necessário para
travar/frear contra as camadas densas da atmosfera terrestre, até atingir a
velocidade aceitável. No decorrer dessa descida a cápsula está fundamentalmente
incontrolável – não há possibilidade de fixar os lemes/estabilizadores, senão
eles também ficarão queimados na descida (fonte).
A
propaganda russa afirma que o seu wunderwaffen
que voa com a velocidade de 20 Mach nas camadas densas da atmosfera, consegue
manobrar, escapando do sistema de antimisseis americanos.
Ultramoderno míssil “Sarmat”: Wunderwaffen do Putin |
No
entanto, e através das fontes abertas, sabe-se que os parâmetros reais do produto
4202 (o nome oficial do projeto “Avangard”) são mais modestos. A velocidade
máxima é de 14-15 Mach (no espaço cósmico) e 6-8 Mach próximo do alvo (entre
200 à 500 km, nas camadas densas da atmosfera). Mas faltou o principal. Este
mesmo sistema de mísseis “Avangard” é destinado ao uso juntamente com o veículo
de lançamento “Sarmat” (míssil RS-28). O mesmo míssil que foi mostrado pelo presidente
russo no desenho animado em março de 2018, dedicado ao míssil soviético R-36M2
“Satan” (RS-20 e SS-18) fabricado na Ucrânia.
Míssil R-36M2 (RS-20 e SS-18 "Satan"), fabricado na Ucrânia e confundido com "Sarmat" |
O
que significa que antes do aparecimento real do “Sarmat”, não existirá a
plataforma de lançamento do “Avangard”. Uma situação parecida com o famoso
blindado T-14 Armata,
das 2.300 unidades planeadas “até o fim de 2020”, se passou para “70 unidades até
o início de 2020”. O número que poderá ser novamente comparado com a realidade muito
em breve.
RS-28 "Sarmat", em testes, março de 2018 |
Neste
momento se pode falar, provavelmente, sobre 4 ou 5 testes reais do produto
4202, o último dos quais foi declarado com sucesso. A parte russa reconhece que
a ruptura da cooperação tecnológica e militar com Ucrânia atrasou significativamente
os trabalhos, dado que o sistema de direção do novo sistema foi desenvolvido em
Kharkiv (pressuponha-se que o dispositivo realizará as manobras na parte
atmosférica do voo usando sistema aerodinâmico – com auxílio de asas e escudos
na fuselagem).
Mas
mesmo se, num futuro próximo, o produto 4202 for levado ao estado de uma ogiva
real, isso não mudará muito a capacidade dos mísseis russos de penetrar no
sistema da defesa antimíssil americano. O “Avangard” será útil apenas para
superar os sistemas de defesa antimísseis locais, quando o alvo está à 100 – 200
km e 20 – 30 segundos de voo. Na maior parte da sua trajetória, que passa no
espaço cósmico próximo, é completamente inútil. Os Estados Unidos há muito
abandonaram o sistema de defesa local antimísseis e desenvolvem defesa
antimísseis no curso médio! Seus antimísseis encontrarão os mísseis russos à
milhares de quilómetros dos alvos, ou seja, onde as ogivas controladas
aerodinamicamente não fazem sentido.
"Visitar Obama", se diz no maquete dos mísseis, num Lada podre puxado por um cavalo... |
De fa(c)to, o trabalho no projeto 4202 (“Avangard”) está
irremediavelmente desatualizado, embora fosse relevante na década de 1980. O
projeto foi retirado do armário principalmente para fins de propaganda, de modo
servir de base para criar os mitos patrioteiros de levantar o espírito e
mascarar o estado real do escudo nuclear russo. Que não pode diferir
significativamente do estado geral do país, saqueado e devastado por “gerentes
eficazes” (fonte).
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