sexta-feira, dezembro 28, 2018

Míssil russo “Avangard”: entre habituais fantasias e a dura realidade

A notícia sobre o lançamento do sistema de míssil russo “Avangard”, com a velocidade de 20 Mach, merece ser analisada do ponto de vista de engenharia térmica, ciência que estuda “transporte de energia particularmente em nanoescala”.

A informação sobre os 20 Mach foi lançada pelo canal militar russo TV Zvezda: “... A arma é um bloco alado, que é lançado com auxílio de um míssil balístico, que se dirige ao alvo em camadas densas da atmosfera à uma velocidade superior à velocidade do som, cerca de 20 vezes...”

Embora o vice-primeiro-ministro russo, Yuri Borisov, já fala em 27-30 Mach: “os últimos testes mostraram que [a unidade de combate do sistema de mísseis estratégicos “Avangard”] atingiu velocidades próximas à 30 Mach. Atingia a velocidade cerca de 27 Mach”.

No âmbito da já falada engenharia térmica, se estuda o efeito do calor na construção de mísseis e foguetões, dependendo de velocidade do seu movimento nas alturas diferentes. Quanto maior for a velocidade, mais aquecida fica a superfície do míssil (ou dos seus blocos). As grandezas de aquecimento podemos verificar nessa tabela:

A tabela mostra que nas velocidades até 10 Mach em camadas densas da atmosfera, o aquecimento da estrutura pode atingir valores próximos de 6.000 graus Kelvin (5.727º C). Naturalmente existem nuances, o aquecimento à este nível não ocorre em toda a estrutura, mas apenas em certos pontos, o calor é ligeiramente dissipado pelo fluxo de ar, etc. A tabela demonstra apenas os valores máximos.

Mas porque a tabela acaba em 10 Mach? E se a velocidade do nosso objeto é maior? Porque o ponto de fusão do metal mais refratário – tungsténio é de 3.420º C. Depois disso a nossa tabela perde seu significado – não existe material que possa suportar o movimento de um míssil em camadas densas da atmosfera à uma velocidade superior a 10 Mach. Mas e os cosmonautas / astronautas na sua aterragem? Podem perguntar os leitores. Os astronautas descem à terra numa cápsula. A cápsula possui várias camadas de protecção, elas queimam sucessivamente e, enquanto estão queimando, a cápsula ganha o tempo necessário para travar/frear contra as camadas densas da atmosfera terrestre, até atingir a velocidade aceitável. No decorrer dessa descida a cápsula está fundamentalmente incontrolável – não há possibilidade de fixar os lemes/estabilizadores, senão eles também ficarão queimados na descida (fonte).

A propaganda russa afirma que o seu wunderwaffen que voa com a velocidade de 20 Mach nas camadas densas da atmosfera, consegue manobrar, escapando do sistema de antimisseis americanos.
Ultramoderno míssil “Sarmat”: Wunderwaffen do Putin
No entanto, e através das fontes abertas, sabe-se que os parâmetros reais do produto 4202 (o nome oficial do projeto “Avangard”) são mais modestos. A velocidade máxima é de 14-15 Mach (no espaço cósmico) e 6-8 Mach próximo do alvo (entre 200 à 500 km, nas camadas densas da atmosfera). Mas faltou o principal. Este mesmo sistema de mísseis “Avangard” é destinado ao uso juntamente com o veículo de lançamento “Sarmat” (míssil RS-28). O mesmo míssil que foi mostrado pelo presidente russo no desenho animado em março de 2018, dedicado ao míssil soviético R-36M2 “Satan” (RS-20 e SS-18) fabricado na Ucrânia.
Míssil R-36M2 (RS-20 e SS-18 "Satan"), fabricado na Ucrânia e confundido com "Sarmat"
O que significa que antes do aparecimento real do “Sarmat”, não existirá a plataforma de lançamento do “Avangard”. Uma situação parecida com o famoso blindado T-14 Armata, das 2.300 unidades planeadas “até o fim de 2020”, se passou para “70 unidades até o início de 2020”. O número que poderá ser novamente comparado com a realidade muito em breve.
RS-28 "Sarmat", em testes, março de 2018
Neste momento se pode falar, provavelmente, sobre 4 ou 5 testes reais do produto 4202, o último dos quais foi declarado com sucesso. A parte russa reconhece que a ruptura da cooperação tecnológica e militar com Ucrânia atrasou significativamente os trabalhos, dado que o sistema de direção do novo sistema foi desenvolvido em Kharkiv (pressuponha-se que o dispositivo realizará as manobras na parte atmosférica do voo usando sistema aerodinâmico – com auxílio de asas e escudos na fuselagem).

Mas mesmo se, num futuro próximo, o produto 4202 for levado ao estado de uma ogiva real, isso não mudará muito a capacidade dos mísseis russos de penetrar no sistema da defesa antimíssil americano. O “Avangard” será útil apenas para superar os sistemas de defesa antimísseis locais, quando o alvo está à 100 – 200 km e 20 – 30 segundos de voo. Na maior parte da sua trajetória, que passa no espaço cósmico próximo, é completamente inútil. Os Estados Unidos há muito abandonaram o sistema de defesa local antimísseis e desenvolvem defesa antimísseis no curso médio! Seus antimísseis encontrarão os mísseis russos à milhares de quilómetros dos alvos, ou seja, onde as ogivas controladas aerodinamicamente não fazem sentido.
"Visitar Obama", se diz no maquete dos mísseis, num Lada podre puxado por um cavalo...
De fa(c)to, o trabalho no projeto 4202 (“Avangard”) está irremediavelmente desatualizado, embora fosse relevante na década de 1980. O projeto foi retirado do armário principalmente para fins de propaganda, de modo servir de base para criar os mitos patrioteiros de levantar o espírito e mascarar o estado real do escudo nuclear russo. Que não pode diferir significativamente do estado geral do país, saqueado e devastado por “gerentes eficazes” (fonte).

Sem comentários: