quinta-feira, setembro 06, 2018

Armyansk: a catástrofe tecnogénica na Crimeia ocupada (15 fotos)

A catástrofe tecnogénica na cidade de Armyansk na Crimeia ocupada (neste momento se fala sobre a preparação da evacuação de várias outras localidades próximas) coloca a questão do futuro da península e da sobrevivência da sua população na ordem do dia.
A evacuação da população de Armyansk
A cidade de Armyansk está sendo parcialmente evacuada, a prioridade é dada na retirada das crianças, levadas às outras localidades da Crimeia. Não se sabe o que será feito dos seus pais, muitos deles trabalham na principal fonte da contaminação – fábrica “Titânio da Crimeia”, que produz ácido sulfúrico, usado no fabrico de titânio esponjoso. As autoridades russas de ocupação não informam devidamente a população sobre os perigos para a saúde, a única fonte disponível de informação são as redes sociais.
Entrada da fábrica “Titânio da Crimeia” | foto: Reuters
Em linhas gerais, em Armyansk vários fatores se sobreporam, criando o “desastre perfeito”. O gatilho da catástrofe – reservatórios secos de resíduos de produção química da fábrica “Titânio da Crimeia” (usados desde 1971) e da fábrica de soda, devido à escassez regional de água e excesso do calor natural. Além disso, na tentativa de resolver a situação, surgiu uma decisão realmente estúpida de cobrir a precipitação natural (em forma da neblina ácida) com a soda. Quimicamente parecia a coisa mais acertada – o ácido é extinguido com álcali. Apenas não foi levado em conta que quando o ácido é extinguido com soda, é liberado o dióxido de carbono (CO2). Por sua vez, CO2 provocou a evaporação ácida e a formação de névoa, que levantou consigo da superfície dos reservatórios todo tipo de lixo químico depositado no solo. Em resultado, a natureza local morreu em apenas uma semana.
A morte da natureza local: queda total de folhagem
Além disso, o serviço de imprensa do Ministério da Defesa da Ucrânia, informou: “em 13-19 agosto de 2018, no decorrer dos exercícios militares [...] na fronteira administrativa com a região ucraniana de Kherson, as forças armadas russas efetuaram disparos nas áreas de reservatórios de resíduos de produção química das fábricas do titânio e de soda. Devido ao impacto de obuses, estes objetos foram danificados, o que levou a uma deterioração significativa em situação ecológica em todo o norte da Crimeia ocupada”.
A evacuação da população de Armyansk (foto tirada junto à uma escola)
O Ministério da Defesa da Ucrânia também observa que administração russa de ocupação está tentando esconder a dimensão de problemas ambientais e para se esquivar das suas responsabilidades, está disseminando nos meios de comunicação as mensagens falsas e distorcidas que desinformam o público sobre o estado real de riscos ambientais na Crimeia.
A fábrica “Titânio da Crimeia”
A região vive um forte deficit hídrico, todas as reservas existentes já foram bombeadas aos reservatórios de “Titânio da Crimeia”. Neste momento o funcionamento da fábrica foi parado por duas semanas.
O bilionário e oligarca ucraniano Dmytro Firtash
O proprietário real da fábrica “Titânio da Crimeia” é bilionário e oligarca ucraniano Dmytro Firtash, que nos últimos tempos, tenta, à todo custo, não ser extraditado aos EUA. Muito recentemente, o Comité americano da Segurança e Cooperação na Europa (composto por 9 membros do Congresso, 9 – do Senado, 1 – do Departamento de Estado, 1 – do Ministério da Defesa e 1 – do Ministério do Comércio) endereçou uma carta, divulgada na imprensa ucraniana, ao Presidente Petró Poroshenko e ao Primeiro-ministro Volodymyr Groysman, pedindo a remoção do mercado energético ucraniano dos intermediários, controlados pelo Firtash, ação que introduzira “a grande medida de transparência e responsabilidade, levará Ucrânia próxima ao sistema do mercado livre”.  
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Neste momento é simplesmente impossível sanar a catástrofe de Armyansk. São necessários vários milhões de metros cúbicos de água doce (a salgada água do mar não serve, pois a sua reação com ácido sulfúrico produzirá compostos voláteis de cloro, que por sua vez, potencialmente criará um desastre ecológico muito maior).
Os autocarros destinados à evacuação da população de Armyansk
Água doce é necessária para a normalização do funcionamento dos reservatórios de resíduos da fábrica “Titânio da Crimeia”. Mais alguns milhões adicionais de metros cúbicos de água doce serão necessários para realizar trabalhos de descontaminação da área contaminada. Água doce que simplesmente não existe na Crimeia em quantidades necessárias às operações de emergência. Provavelmente, as autoridades de ocupação poderão usar água do Mar Negro, o que pode agravar ainda mais o problema.
A evacuação da população de Armyansk
Para salvar os moradores da Crimeia é necessário os evacuar da área e criar uma zona de exclusão, como foi feito na Ucrânia após a catástrofe de Chornobyl. Até as operações de descontaminação, a zona atingida é imprópria para viver nela. Naturalmente, essa decisão teria que ser tomada em Moscovo, pois, mais uma vez, toda a responsabilidade cabe à entidade ocupante.
A evacuação da população juvenil de Armyansk
Na verdade, o desastre começou há três semanas. A questão foi discutida intensamente nas redes sociais pelos moradores da região. As autoridades russas de ocupação da Crimeia fingiam que nada estava acontecendo, produzindo as respostas formais e culpando as “provocações ucranianas”. Começaram agir apenas quando o número de vítimas de queimaduras químicas igualou o número de moradores da cidade e da área circundante e a paisagem começou a se assemelhar à paisagem na área de Chornobyl após o desastre de 1986. O vento constantemente leva para Armyansk e outras localidades próximas, a poeira com óxido e evaporações de enxofre, a humidade atmosférica natural as transforma em ácido. Uso de soda não deu o resultado desejável. O ar respirável possui o alto teor de cloreto de hidrogénio, que em mistura com a humidade do ar, produz ácido clorídrico. Além do já existente ácido sulfúrico.
A evacuação da população de Armyansk
A saída está em enchimento urgente dos reservatórios secos de resíduos de produção química com água doce e tratamento de superfície com soluções químicas para unir a camada superior. No inverno de 2018-19 a situação irá piorar. Os invernos nesta parte da Crimeia são caraterizados pela baixa precipitação, constantes ventos fortes do leste e do norte. A nuvem de poeira química facilmente poderá cobrir uma parte da Crimeia, incluindo a cidade de Simferopol.
A morte da natureza local: as folhas de uva totalmente amarelas e murchas
O problema crítico da Crimeia é a discrepância gritante entre a sua população e os recursos hídricos (e todos os outros) disponíveis (alguns números podem ser conferidos AQUI). Em 1939 a população da Crimeia era de 1.017.325 pessoas; em 1959 (após a deportação, em 1944, dos cerca de 200.000 tártaros da Crimeia e de vários outros povos) – 1.049.395 e em 1 de janeiro de 2018 as fontes estatísticas das autoridades de ocupação russa avaliam a população da Crimeia em 2.350.401 pessoas. No entanto, este aumento populacional não foi acompanhado pela oferta de recursos hídricos locais. Até a ocupação da Crimeia pela federação russa em 2014, a península recebia cerca de 1 bilhão de metros cúbicos de água, fornecida pela Ucrânia, do rio Dnipro através do canal próprio. Cerca de 80 milhões de metros cúbicos dessa água foram gastos na reposição dos reservatórios. O resto ia para a agricultura.

Ocupando militarmente e anexando a Crimeia em 2014, o regime russo ou não tive em conta a questão de água e de fornecimento de energia eletrica à península, ou possivelmente contava com uma situação política ucraniana e internacional mais favorável, o que atesta o seu nível da inteligência e de previsão estratégica.

O uso de fontes artesianas também não resolve o problema, uma vez que leva à sua rápida depleção, salinização dos solos e também a penetração da água do mar em reservatórios subterrâneos, o que levará à inutilização futura destas fontes de água doce. Além disso, as necessidades hídricas da Fábrica da Soda da Crimeia e da “Titânio da Crimeia” obrigam os seus proprietários a explorar as fontes subterrâneas disponíveis. Isso já levou à salinização do solo e ao esgotamento de fontes subterrâneas que não são reabastecidas da superfície.
Para a Crimeia, a configuração da situação atual significa o retorno às realidades pré-II G.M. – não há e não haverá água. Mas a população da Crimeia hoje é 2,5 vezes maior do que em 1939-1959, e esta população nunca mais terá nenhuma chance de uma vida normal, devido à falta perpétua de água. A transferência de água da Rússia continental através do estreito de Kerch é impossível – do lado russo simplesmente não há água disponível. Para resolver a questão energética, as autoridades russas a desviaram das regiões de Rostov e de Krasnodar, que neste momento estão no nível crítico – praticamente sem reservas. A única água abundante e realmente disponível é água ucraniana do rio Dnipro. Praticamente ninguém na Ucrânia estará disponível à fornecer água aos ocupantes do seu próprio território. Além disso, segundo o direito internacional, a responsabilidade de providenciar as necessidades aos territórios ocupados está sempre ao cargo de forças de ocupação.
Canal que alimentava a Crimeia com água doce do rio Dnipro
A água já não é suficiente e não há reservas. A situação irá apenas piorar. E então as consequências serão ainda mais severas. É possível prever que nos próximos dois à três anos, o norte da Crimeia se transformará num deserto sem vida, e se antes era apenas o deserto natural, agora será um deserto pós-apocalíptico da catástrofe tecnogénica.
A população de Armyansk
A agência ucraniana UNIAN informou que na noite de 23 para 24 de agosto no norte da Crimeia houve a liberação massificada de uma substância desconhecida. Os mais afetados foram os moradores da cidade de Armyansk e da vila Perekop – nas suas casas todos os objetos metálicos foram atingidos por uma ferrugem pegajosa e as colheitas agrícolas foram perdidas.
Os objetos metálicos foram atingidos por uma ferrugem pegajosa...
Como informa a TV Crimeia24, o “ministro da saúde da Crimeia”, Alexander Golenko disse que nas últimas 24 horas o número de entradas nos hospitais de Armyansk aumentou. Os pacientes queixam-se de problemas da pele e nas membranas mucosas. Os queixosos são geralmente diagnosticados com conjuntivite alérgica ou faringite e mandados para casa, “não foram registadas situações que exigem o internamento” disse o “ministro”.
Os autocarros destinados à evacuação da população de Armyansk
Naturalmente, a mudança da direção do vento também poderá afetar as localidades ucranianas próximas, situadas na região sulista de Kherson.

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