A
sociedade histórica russa, Memorial, preserva nos arquivos centenas de cartas
de crianças, que estas, nas décadas de 1930-40 escreviam às suas mães. As leis
comunistas separavam as famílias dos “inimigos do povo”: o pai era fuzilado, a
mãe – enviada ao GULAG e os filhos – iam aos orfanatos estatais ou, com sorte,
viviam com os seus parentes. Os irmãos e irmãs eram constantemente separados entre si...
01.
Cartas de Henrietta Chuprun
Carta
foi escrita para a sua mãe, prisioneira do campo de concentração soviético de
Karlag. O seu pai nasceu em Mensk/Minsk em Belarus, trabalhava em Moscovo, era
vice-diretor do Instituto de Pesquisa Científica da Indústria de Congelação. Preso
em 1937, acusado de espionagem, torturado durante dois meses e depois fuzilado.
Após disso foi presa a mãe de Henrietta, Eudoquia — segundo o artigo da lei
sobre os “membros da família do traidor da pátria”, ela foi condenada aos 8
anos do GULAG soviético.
Eudoquia
passou pelo Temlag em Mordóvia, Segezhlag em Carélia e depois foi transferida
ao campo de ALZHIR.
26/XI-[19]44.
Querida mamã!
Eu
recebi sua carta. A tia Charlotte ficou doente. Eu não sou muito boa em estudos,
embora me empenho. Eu assisti o filme The Rich Bride. Sou a
editora do jornal da turma “Zateynik” (literalmente Criador-Inventor). Eu tenho
pequenas tranças de rato aos lados da minha cabeça. Eu tenho um álbum da
poesia. Quase todas as minhas amigas escreveram lá em memória. Mas,
estranhamente, minha amiga do peito, Lera S., não escreveu! Aqui estou te
desenhando uma imagem, beijo dez vezes em 10º grau. Hertha.
P.S.
Como você acha, o pai morreu ou não?
Mais
uma carta de Henrietta:
Querida
mãe! Eu recebi a sua carta. Uma vez visitei Nina. E ontem ela veio. Eu cortei
meu cabelo e pareço com Alik. Nina aconselhou a desenhar uma imagem para você.
Na escola, muitas vezes tiro “excelente” em [língua] russa.
Fortemente
te beijo. Hertha
02.
Carta da Marina Dushkina
A
mãe de Marina foi detida e aprisionada no mesmo ALZHIR, não temos as
informações mais detalhadas sobre ela. Marina escreve para sua mãe sobre o
passado e sobre a escola.
Querida
mamãe! Felicito-te pelo aniversário passado. Você celebrou a data? Mãe, nós estudamos
a história, eu fui chamada e recebi “excelente”, na cadeira de música nós
fizemos um teste, e eu tirei “excelente”. Eu também sou uma excelente aluna em
alemão e, quando estava tocando, não tinha nenhum receio. Querida mamãe, eu te
espero com todas as minhas forças.
Te
beijo muito fortemente. A tua Marina.
Uma
menina chamada Viola Gollender escreveu essas cartas para sua mãe, Ekaterina Gollender,
que naquele momento já estava presa em ALZHIR há oito anos. O pai de Viola era engenheiro-chefe
na construção de fábrica de tratores em Estalinegrado, em 1936 ele foi preso
sob a acusação de participação numa “organização trotskista
contra-revolucionária”, e em 1937 foi fuzilado. Como no caso de Henrietta, a
mãe de Viola foi enviada ao GULAG.
27/IX-[19]45
Olá
querida mãe! Saudações de Moscovo! Mamãe há apenas 7 dias completei 15 anos. Já
15! Eu nem acredito nisso. Quantos! Claro que este dia não diferiu dos outros e
foi semelhante a todos os outros. À noite, quando fui para a cama, em seguida,
chorei, eu não sei por que, ... [a folha é rasgada aqui, a carta continua no
verso] ... ele finalmente chegará! Mãe, como você é agora, provavelmente uma
velhinha. Eu não posso imaginar você. Já me esqueci. Afinal, eu era uma
garotinha – com apenas 7 anos e agora com 15 anos de idade.
Eu
já nem imagino como isso é, viver com a mãe.
Cartas
ao campo de concentração de ALZHIR de uma menina letã chamada Aurora, a sua mãe
Cristina Ruben estava presa em GULAG por vários anos, e Aurora estava em um
orfanato. Em cartas, a garota menciona o seu irmão mais novo, Victor.
aldeia
Perekopnoe 9/XII-[19]42
Olá,
querida, minha querida mãezinha! Hoje me sinto especialmente bem, porque recebi
uma carta sua. Nós também vivemos bem, estamos bem vestidos. Nós, isto é, as
meninas recebemos novos casacos, novos chapéus-gorro, escovas e botas com
galochas, e algumas – as botas de feltro. E os meninos não receberam casacos
novos, mas feitos no ano passado e chapéus-kubankas,
também comprados no ano passado, eles não receberam as ceroulas, porque eles usam
as calças cumpridas, mas todos eles receberam botas de feltro. Então nos
vestimos muito bem. Agora estamos saudáveis e não estamos doentes. Inverno
ainda não tem muito frio, mas muita neve. Cara mãezinha, estou muito feliz por
você estar bem vestida. Mamãe, você provavelmente me imagina alta, não, eu não
sou tão alta, apenas 1.39 cm. Do nosso 7º ano, eu sou a mais baixinha.
Victor,
já é diferente, claramente mais baixinho que eu, mas não muito. Você pergunta
como vivem os Rutman. Eles vivem com muitas dificuldades, agora não vivem em
Moscovo, mas perto de Moscovo, na estação de Bykovo. (Lembre-se, mãezinha,
fomos lá com o jardim-de-infância no verão. E a próxima estação será Ilhinka,
onde morávamos na casa do campo). Eles têm uma horta e no verão ali crescem
legumes. A mãe de Ilga trabalha em Moscovo, e Ilga estuda em Moscovo e todos os
dias viaja de comboio/trem de lá para cá. Vilik, o irmão mais novo, mora em
Bykovo e frequenta a escola lá. A avó deles está viva, ela mora com Vilik. O
irmão mais velho está do exército, ele está na divisão letã, agora ele está no
hospital. Assim são as coisas deles.
Mãezinha,
eu já praticamente esqueci a língua letã.
Lembro
me apenas de algumas palavras. Por exemplo, pão.
Mais
uma carta da Aurora:
Mãe,
escreva, você tem papel ou não? Se não, então eu vou mandar. Trouxeram-nos ao orfanato
as roupas novas. Nós, isto é, as meninas recebemos 2 pares de meias, 2 pares de
ceroulas, 2 camisas, 1 par de meias e 1 vestido. E os garotos, as calças novas,
camisas interiores, camisas normais, ceroulas. E meias. Garotas guardam as suas
próprias roupas. Nós as lavamos e usamos quando queremos trocar de roupa. E [a
roupa dos] meninos é lavada pelas lavadeiras.
Mãezinha,
estou mandando um envelope e papel. Bem, tchau-tchau. Beijos fortes-fortes.
Com
saudações pioneiras! Esperando por uma resposta.
05.
Carta do Victor Sturit
Victor
era o irmão mais novo de Aurora e o filho de Cristina Ruben, que foi condenada
como a “membro da família de um traidor da Pátria”. Como Aurora, Victor foi
enviado ao orfanato – que ele tentou desenhar na sua carta, e também escreveu
que ele sente muita falta de mãe.
Olá
querida mãe, por que você escreve para mim. Mãe, você não sabe onde está o pai.
Mãe, eu estou na segunda classe. Mãe, eu fiquei doente com as tinhas [dermatofitose] por muito
tempo. Mãezinha estou vivo e saudável. mãe, você escreveu que não tinha papel. mamãe
vou mandar para você.
Mãezinha,
tinha muitas saudades suas. Não há mais nada para escrever.
Imagens:
Memorial | Texto: Maxim
Mirovich | Tradução das cartas: Ucrânia em África
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