domingo, setembro 23, 2018

A vida quotidiana soviética sob sistema constante de racionamento

Desde a subida dos bolcheviques ao poder, a URSS introduziu o sistema de racionamento de alimentos e bens da primeira necessidade, que, com raras excepções vigorou desde 1918 até 1991 (e em algumas regiões russas até 1994). O sistema de “talões”, “cupões” e outros termos semelhantes pretendia, em teoria, garantir o abastecimento equitativo dos cidadãos leais, castigando os “inimigos do povo”, que muitas vezes eram excluídos do sistema e condenados à fome e até a morte.    

Durante toda a vigência da União Soviética (com exceção do curto período da NEP) o país vivia numa economia planificada – o que significa que a economia era controlada pelos burocratas no modo da gestão manual, “à bombeiro”.

As mercadorias nesta economia planificada” nunca eram suficientes para todos, por uma variedade de razões – algumas áreas passavam pela superprodução, mas devido à falta de demanda ou devido às problemas da logística os itens ficavam em armazéns, em outras áreas existia o deficit crónico e os bens que raramente apareciam em venda livre eram momentaneamente comprados pelos cidadãos, as vezes, duas ou três vezes acima do necessário [para garantir o acesso ao bem no futuro período incerto da sua falta]. Aliás, este modelo económico tem sido muitas vezes objecto de sátira soviética (pontualmente permitida na época pós-Estaline) – vários folhetins televisivos, como “Fitil” (literalmente Pavio), nas décadas de 1960-80, eram dedicados ao deficit crónico do comércio soviético.

Para regular a oferta e demanda num sistema deficiente de nascença, o governo soviético decidiu introduzir o racionamento, criando sistema de cartões, uma espécie de dinheiro paralelo, sem o qual era impossível a compra dos bens, limitando também a quantidade de itens que podiam ser comprados no mesmo acto de compra pelo mesmo cidadão.

02. Ano 1918. Uma parte considerável da Rússia soviética sofre da febre tifóide, mas o o novo regime comunista promete imediatamente a chegada inevitável das “amanhas cantantes”. Introduzindo, para já, o sistema dos cartões de racionamento.
A folha com esses cartões regulava as quantidades de vende de querosene e sabão no outono de 1918. O texto é digitado segundo as regras da ortografia do «czarismo sangrento» – com as letras “Ѣ” e “i”; sinal Ъnas terminações dos substantivos masculinos [todos “saneados” da ortografia russa na reforma de 1918].

03. Também 1918, cartão para a compra de pão.

04. Ano 1919, o cartão-talão que permite graciosamente ao seu portador comprar um par de sapatos. Emitido pelo Comissariado Popular de Alimentos, Departamento de Abastecimento da cidade russa de Astrakhan.

05. Mas após o fim da guerra civil russa de 1918-1919 as coisas melhoraram substancialmente? As lojas já estavam abarrotando de bens e alimentos? Não, ainda nem por issocartão de compra de pão e de alimentos de 1920:

06. Cartão alimentar infantil de 1920. O documento usa o estilo de impressão “burguês”, mas não deixa de esconder a realidade terrível da época – a fome.

07. O cartão infantil não distribuía as guloseimas ou “o sorvete soviético mais delicioso do mundo”. No seu verso praticamente todas as células garantiriam apenas a compra de um único alimento – pão.

08. Tudo bem! O ano 1920 não estava muito diferente de 1918, mas certamente no futuro tudo fica bem melhor? Todos os burgueses foram fuzilados, os filósofos deportados à América decadente, agora finalmente chegam as “amanhas cantantes”, certo?
Errado! Na foto o “livro de entrega da MOSPO” [União Provincial de Moscovo das Sociedades de Consumo], 1928, página com talões para a compra do pão. Não estamos falar da província, mas da capital do “primeiros estado dos operários e camponeses”, 11 (onze) anos após o golpe bolchevique, o poder comunista ainda regulamentava a venda do pão.

09. Os talões de 1925, a chamada “ordem de mercadoria – que permitia ao cidadão a compra de produtos industriais no valor de uma certa quantia monetária [no caso concreto do cidadão Chertolesov, no valor de apenas 2 rublos]. O documento é emitido pela “Cooperativa Central Operária” da cidade russa de Voronezh.

10. Com a chegada ao poder do camarada Estaline as coisas seguramente melhoraram e muito, certo? Os talões de maio de 1933, sob o nome de “cartão de entrega”. Os talões de racionamento soviético sempre mudavam os seus nomes, usando os termos como “cartão de entrega”, “ordem de mercadoria”, “convite para a compra” ou cartão do pedido” – na realidade ninguém pedia nada e ninguém convidava ninguém à nada os papéis apenas racionavam a quantidade da mercadoria que poderia ser comprada por cada comprador.

11. A venda dos bens era limitada não apenas nas lojas estatais, mas também nos mercados. Na foto – os chamados “cartões de mercado” da década de 1930, cujo portador tinha o direito de comprar mercadorias no valor de 50 copeque [100 copeque = 1 rublo].

12. O sistema falhava constantemente e teve que ser regulado em modo manual. Na foto – o verso dos formulários com cupões da década de 1930, usados ​​como pedidos de entrega dos bens aos cidadãos, sob as ordens das autoridades”: “Vender um quilo de açúcar pelo numerário”; “Entregar ao doente os 3 kg da farinha de semolina...

13. Os talões da época da II G.M. [vários países ocidentais também passaram pelo racionamento, os EUA e a Grã-Bretanha mandava uma parte dos seus alimentos ao aliado soviético]. O cartão da categoria “B” (operário) de compra de carne, peixe, cereais e macarrão, outubro de 1944.
Carne e peixe 1.800 gr / mês; cereais e macarrão: 1200 gr/mês
No caso da perda não é restituído.
14. Talões de açúcar e de confeitaria da região russa de Astrakhan em 1950 [a Europa Ocidental inicia a sua época dourada do turismo internacional].
Açúcar e confeitaria: 25 gramas
15. Talvez a situação dos itens manufaturados está melhor? Não. Na foto os talões para a compra de itens industriais, emitidos em 1950.
Produtos manufaturados. 10 rublos. 1 trimestre de 1950
16. Os talões foram desaparecendo na década de 1960, mas voltaram novamente na década de 1970; na época Brejnev foram introduzidos os talões para a compra de carne, manteiga e açúcar, mais tarde – para vários outros grupos de bens de consumo.
“Apresente а identificação”
17. Os talões dos meados da década de 1980 – naquela época, os talões restringiam a venda de bebidas alcoólicas, calçado e outros produtos manufaturados. O nome de “talão” é disfarçado como o termo de “formulário do pedido.
Setembro de 1986: “Formulário do pedido de 1 garrafa de produtos de vodca-vinho”
18. E finalmente os talões do início da década de 1990 (usados na Rússia e em Belarus). Como podemos constatar o sistema de racionamento existia praticamente durante toda a existência da URSS, com uma pequena pausa na década de 1960.
Municipalidade de Leninegrado, novembro de 1990, compra de vinho 

Fotos e imagens: arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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