A
revolucionária cobertura da jornalista Rhea Clyman do Holodomor na Ucrânia, em 1932,
é o tema de uma nova biografia do Prof. Jaroslaw Balan, que conta a história de
uma provável simpatizante comunista que denunciou o genocídio comunista
soviético.
Clyman
nasceu em 1904 na Polónia, então parte do império russo, e imigrou, com a sua
família, para o Canada quando tinha 2 anos. Aos 6 anos foi atropelada por um
elétrico/bonde e a sua perna foi amputada. Ela passou os anos seguintes dentro
e fora de hospitais.
No
entanto, isso não impediu que aos 24 anos viajasse sozinha para a União
Soviética e tentasse ganhar a vida como a correspondente estrangeira freelance.
No
fim de dezembro de 1928 Cleyman desceu do comboio/trem em Moscovo, sem conhecer
a cidade e com apenas algumas palavras de russo. Ele passou horas na estação de
trem até que alguém apontou o caminho para um hotel, onde dormia no banheiro de
um jornalista americano. Deveria permanecer na União Soviética para os próximos
quatro anos.
Prof. Jaroslaw Balan do Instituto Canadense de Estudos Ucranianos na Universidade de Alberta explica que Clyman recebeu o visto soviético, porque possivelmente se juntou ao partido comunista e se tornou a mensageira clandestina do partido;
pelo menos isso é indicado num relatório da secreta britânica MI5, à que o historiador
ucraniano teve acesso.
“Ela
foi para a União Soviética se sentindo muito otimista, assumindo que [no país] não
haveria desemprego, homens e mulheres eram iguais”, conta Jaroslaw Balan. “Mas
rapidamente percebeu que era um estado totalitário incrível: como eram os
pobres e quão difícil eram as suas vidas”.
“Muitos
jornais enviavam os jornalistas à [URSS] por períodos breves”, explica Prof. Balan.
Mas ela aprendeu a língua e desenvolveu uma perspectiva que era muito diferente”.
Em
algum momento, Clyman viajou para o extremo norte da Rússia para a cidade de Kem, perto de um campo [de
GULAG] de prisioneiros soviéticos, um lugar fora do alcance de estrangeiros.
Ele conheceu as esposas de prisioneiros, viu ex-prisioneiros que não eram autorizados
a deixar a cidade, mesmo após serem libertados, e relatou como os soviéticos
usaram presos políticos como trabalhadores forçados para cortar madeira. Esta
foi uma história importante para o Canada, que estava perdendo o seu mercado de
madeira no Reino Unido ao favor do concorrente mais barato [e desleal] soviético.
“Ela apoiou as reivindicações que na União Soviética era usada a mão-de-obra barata
e [assim] o Canada não poderia competir”, explica Dr. Balan.
Mas
foi a cobertura da Clyman do Holodomor,
a fome causada pelo homem que, segundo as estimativas, matou cerca de 4 [até 7]
milhões de ucranianos entre 1932 e 1933, o que realmente importa para Dr. Balan.
Pela primeira vez ele encontrou o trabalho de Clyman procurando nos jornais
canadenses o que foi escrito sobre a fome na Ucrânia.
Em
1932, Clyman conduziu um carro rumo ao sul, de Moscovo através de Kharkiv –
então a capital da Ucrânia – passando pelas cidades de Sloviansk, Izium e
Donetsk até o Mar Negro e o local de nascimento de Stalin na Geórgia [a cidade
de Gori].
Ao
contrário de alguns jornalistas ocidentais que negavam a fome na Ucrânia
Soviética, os artigos de Clyman diziam mesmo nos títolos: “Children Lived on
Grass Only, Food in Farm Area Grain Taken From Them, Mile After Mile of
Deserted Villages in Ukrain[e] Farm Area Tells Story of Soviet Invasion” (Crianças
à viverem de apenas relva/grama, Comida nas áreas de farmas de grão é retirada deles,
Milha após milha de aldeias desertas na área de farmas na Ucrâni[a] conta a
história da invasão soviética).
As ruas da cidade de Kharkiv, verão de 1932, foto @Alexander Wienerberger |
Durante
a condução através do campo ucraniano em 1932, Clyman parou numa aldeia para
perguntar onde ele poderia comprar leite e ovos. Os moradores não entendiam,
mas alguém foi e voltou com uma criança deficiente, de 14 anos, que caminhou
lentamente em direção a ela.
“Estamos
passando fome, não temos pão”, disse ele, e passou a descrever as condições da
primavera anterior. “As crianças comiam relva/grama ... eles ficavam se agachando
como animais ... eles não tinham mais nada”.
Para
ilustrar o ponto, uma camponesa começou a despir as roupas dos seus filhos. “Os
despiu, um por um, mostrava as suas barrigas caídas, apontava suas pernas
finas, passou a mão para cima e para baixo dos seus pequenos corpos torturados,
deformados, torcidos para me fazer entender que eles realmente estavam com fome”,
escreveu Clyman em um artigo publicado pelo Toronto Telegram, um dos maiores
jornais canadenses da época.
A cidade de Kharkiv, foto @Alexander Wienerberger |
Na
Ucrânia, ele passou por aldeias vazias e se perguntou onde todos tinham ido. Um
grupo de aldeões de uma fazenda coletiva se reuniu em sua volta para ver se ela
poderia apresentar uma petição ao Kremlin descrevendo aos líderes soviéticos
que as pessoas estavam morrendo de fome. Lhes tinham removido todos os grãos.
Seus animais foram abatidos há muito tempo. Quando ela tentou comprar ovos, uma
mulher da aldeia olhou para ela incrédula e perguntou se ela esperava
consegui-los por dinheiro.
–
Claro disse Rhea. Não espero obtê-los por mais nada.
–
Não entendes, lhe disse um camponês. “Nós não vendemos ovos ou leite por
dinheiro. Queremos pão. Você tem?”
As autoridades soviéticas confiscam o trigo aos aldeões ucranianos, aldeia de Novo Krasne, região de Odessa, 1932 (domínio público) |
Dr. Balan
explica que Clyman desenvolveu ideias sobre as causas da fome – não só devido à
seca, mas também devido à coletivização forçada. Por exemplo, a tentativa
soviética de mecanizar a agricultura gerou problemas quando a produção de
máquinas não era tão rápida como o planeado. Cavalos e gado já estavam mortos,
mas não havia tratores suficientes para colher as colheitas. Este foi o resultado
de más decisões da cúpula [soviética], disse Prof. Balan. Quando ucranianos estavam
morrendo de fome, [as autoridades] soviéticas selaram as fronteiras [administrativas]
entre Ucrânia e a Rússia [e também Belarus] para que as pessoas não podiam
escapar, acrescentou o historiador.
“Sua
história é importante para os judeus e ucranianos”, diz Dr. Balan. “Entre os
ucranianos, há muitos estereótipos que os judeus eram bolcheviques e foram
responsáveis pela fome. E eis uma mulher judia que escreveu sobre a fome.
Certamente, os judeus também foram perseguidos. Ela também é judia, mas ela
escreveu a verdade”.
Detida
em 19 de setembro de 1932 em Tbilissi, aos apenas 28 anos Clyman se tornou a
primeira jornalista estrangeira expulsa da União Soviética em 11 anos,
supostamente “por espalhar as mentiras”.
Depois
ela foi para a Alemanha onde testemunhou a ascensão dos nazis. Jaroslaw Balan
conta que precisa aprofundar a sua pesquisa para encontrar os artigos que Clyman
escreveu sobre Alemanha. Até agora ele achou e leu apenas dois.
Clyman
residiu na Alemanha até 1938, quando fugiu do país em um pequeno avião junto
com alguns refugiados judeus. Infelizmente, quando o avião estava a aterrar em
Amesterdão, o aparelho caiu. Quase metade dos passageiros morreu, Clyman
fraturou as costas, mas de alguma forma evitou a paralisia.
Ela
voltou à América do Norte, da onde se mudou para Nova York, onde escreveu as
suas memórias. Nunca se casou, nem teve filhos e morreu em 1981.
Após
a sua morte, as memórias de Clyman permaneceram inéditas e Prof. Balan espera
encontrá-las. Ele também está tentando descobrir onde a jornalista foi
sepultada. Dr. Balan localizou alguns de seus parentes, mas eles não sabem onde
ela tinha sido enterrada.
“Se
pudéssemos encontrar suas memórias seria emocionante, uma mina de ouro”, disse
Prof. Balan. Recentemente ele deu uma palestra sobre Clyman no departamento da
Universidade Estatal de Florida (Florida State University), em Nova York, a
maior concentração de judeus que falam a língua russa na América do Norte. A
conversa foi patrocinada pelo Encontro Ucraniano-Judaico (UJE), uma organização
canadense sem fins lucrativos que visa promover a cooperação entre os
ucranianos e judeus. Patrocinado pelo empresário canadense James Temerty, a
iniciativa tem como objetivo de acabar com os sentimentos negativos entre os
dois povos.
“Os
judeus têm vivido na Ucrânia provavelmente por 1.000 anos, e, certamente, em grande
número desde o século XVI”, diz Balan. “Subtraindo os períodos de pogroms e do
Holocausto, o resto do tempo, os judeus, em muitos casos floresceram na Ucrânia”.
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