sábado, julho 08, 2017

Robert Robinson: “Preto sobre os vermelhos. 44 anos na União Soviética”

No auge da grande depressão americana, em julho de 1930, um operário qualificado afro-americano, Robert Robinson, se mudou de Detroit, nos EUA, onde trabalhava na fábrica de “Ford”, para Estalinegrado, para trabalhar e ensinar os operários da Fábrica de Tratores, um projeto de Henry Ford.

Nos Estados Unidos, Robert, de 23 anos na altura, trabalhava na fábrica “The Ford River Rouge”, onde ganhava 140 dólares por mês, mas a grande depressão levou aos despedimentos, ao corte dos salários de 7 à 4 dólares por dia, em novembro de 1932 o complexo chegou à interromper o seu funcionamento.   
Os especialistas americanos na área de montagem de Fábrica de Tratores de Estalinegrado
Até que o jornal local publicou a anúncio da procura dos operários qualificados para trabalhar na URSS, na Fábrica de Tratores de Estalinegrado. Aos operários qualificados prometiam o salário de 250 dólares por mês, 30 dias de férias pagas ao ano, empregada, automóvel, direito de entrar e sair livremente da União Soviética. Os “escuteiros” da corporação soviética “Amtorg” também prometiam que 150 dólares serão depositados na conta do contratado num banco americano. 
A loja que atendia os operários americanos
Assim Robinson se tornou um dos 370 americanos, que trabalhavam na Fábrica de Tratores de Estalinegrado. Os americanos ficaram alojados nos apartamentos novos, recebiam os suprimentos segundo as normas superiores através do “Insnab” (a estatal soviética de fornecimento dos bens aos estrangeiros), tinham um restaurante próprio, posto médico, tardes dançantes com jazz e até o seu próprio jornal em inglês – “Spark of the Industry” (Centelha da Indústria). Embora a promessa de fornecimento da empregada, viatura e transferência de uma parte do salário aos EUA nunca se concretizou.
Os jornais soviéticos sobre Robert Robinson
Robinson era único negro entre os operários americanos. Três semanas após a sua chegada ele teve uma discussão, motivada pelo racismo, com dois outros operários americanos brancos: Lemuel Herbert Lewis e William Brown. A discussão se transformou em pancadaria, os colegas soviéticos separaram as partes, a milícia de segurança pública registou a ocorrência.

O coletivo da fábrica firmemente apoiou Robinson que se defendeu dos racistas. A propaganda estalinista decidiu usar o incidente aos seus próprios propósitos propagandistas. Numa reunião plenária, convocada três dias após o incidente, os oradores atacavam verbalmente Lewis e Brown, exigiam julgá-los. Os artigos acusatórios apareceram na imprensa central soviética, nos jornais como “Trud”, “Pravda”, “Izvestia”:
Título: "Caso do espancamento do trabalhador-negro"
O Comité Central do Sindicato dos Metalúrgicos constatou que, entre várias centenas de trabalhadores norte-americanos convidados à essa fábrica, não era realizado qualquer trabalho cultural e educacional. As organizações sindicais de fábrica são completamente isolados dos trabalhadores americanos, escrevia jornal “Izvestia”. O “fascista Lewis”, como era chamado nas páginas do jornal “Trud”, foi detido.

Por um curto período, Robinson, realmente se sentiu como um cidadão completo.

Aos olhos de russos, eu me tornei um verdadeiro herói, a personificação do bem que triunfa sobre o mal. Eu fui bombardeado com as cartas, eles vinham de toda a URSS. E em todas as vinham as expressões de apoio e simpatia”, – escreveu ele.

Os americanos (apesar de, na sua maioria serem gente da esquerda) pelo contrário, não compartilham um sentimento de seus colegas soviéticos e organizaram um comité em defesa de Lewis. No entanto, em condições de democracia popular soviética, a sua campanha, não teve qualquer efeito.

No dia 20 em Estalinegrado decorreu o julgamento público, transmitido pela rádio. Dado que o Código Penal soviético de 1926 não previa a punição pela descriminação racial ou étnica, Lewis e Brown foram julgados pelo hooliganismo e condenados à dois anos de prisão. O juiz considerou que Lewis “desde juventude foi contaminado pela ideologia maligna de sociedade capitalista”, como tal, a sua pena foi convertida em deportação da URSS e proibição de entrar na União Soviética por 10 anos. Brown foi perdoado e ficou a trabalhar na fábrica até o fim do seu contrato anual.
O racista Lewis não podia adivinhar que a sua deportação o salvou da morte – quase todos os americanos que ficaram na URSS sofreram as repressões, no decorrer da grande terror soviético, acusados de serem espiões e sabotadores. Nos EUA Lewis contou na entrevista de “Chicago Tribune” sobre as promessas soviéticas não cumpridas – as condições laborais e de quotidiano não eram iguais às prometidas, os americanos que queriam voltar não recebiam os vistos de saída, Estalinegrado vivia uma epidemia infecciosa que já matou pelo menos dois americanos...

Robert Robinson pelo contrário, gozava a fama do herói proletário. No verão de 1933 ele recebeu a permissão de visitar a sua mãe em Nova Iorque. Tentou achar algum trabalho nos EUA, mas devido à publicidade soviética do seu caso, era visto como um “agitador comunista”. Por isso voltou à URSS, onde se empregou na Fábrica de Rolamentos de Moscovo. A imprensa soviética novamente cantata as hossanas à ele e amaldiçoava o capitalismo. Em 1934, inesperadamente ele se tornou o candidato ao deputado do Conselho Municipal de Moscovo: num comício operário algum orador gritou seu nome, e a multidão respondeu com aplausos. Claro, na realidade não era nenhuma improvisação, a sua candidatura foi previamente acordada com as chefias, sem nenhuma consulta ao próprio Robinson. Sem querer, ele se tornou o “garoto de propaganda” anti-racista da URSS.
As eleições soviéticas não tinham os candidatos alternativos, e em dezembro de 1934 Robinson foi eleito. Uma semana depois, a revista Time publicou o artigo em que o chamava de “protegido preto-carvão [coal-black protege] do Iosif Estaline”.
Título: "Robert Robinson, eleito aos membros do Conselho (Municipal)
de Moscovo junto ao torno", jornal "Vecherniaya Moskva" de 14/12/1934
A eleição assustou Robinson. Segundo ele, quando ouviu o seu nome no comício, ele “ficou como se atordoado, e freneticamente pensando: O que eles fizeram comigo? Em que eu me envolvi? Eu sou um cidadão americano, não sou um político, não sou um comunista, eu não aprovo nem o partido comunista, nem o sistema soviético. Eu não sou um ateu, e nem mesmo agnóstico, acredito em Deus, oro à Ele e sou fiel apenas à Ele”.
Junto aos trabalhadores da sua fábrica de Moscovo
Robinson percebia perfeitamente que em nada mereceu essa honra, e agora terá de a pagar. Assim, ele declinou os generosos presentes do chefe do Conselho Municipal de Moscovo, Nikolai Bulganin – um apartamento no centro da cidade, a casa de campo – dacha e até uma viatura.

Nunca mais recebeu a permissão de deixar a URSS. Mas se aproveitou de seu status de deputado e convidou à União Soviética a sua sobrinha, cantora de jazz Celeste Cole (1908-1984). A cantora já tinha um nome no show biz – em 1931 ela se estrelou num dos papéis principais no filme de “The Exile”, considerado o primeiro filme de som afro-americano. Em Moscovo cantou no jardim “Hermitage” com “tango-jazz” do Aleksandr Varlamov.
A capa do LP soviético da Celeste Cole
No fim, Celeste voltou aos EUA (possivelmente também estragando de vez a sua carreira cinematográfica, devido a passagem pela URSS), e o seu tio viveu na União Soviética por 44 anos.

De terror comunista o salvaram apenas os seus próprios cuidados especiais diários – quaisquer façanhas passadas, nestes casos de pouco valiam. Posteriormente, ele escreveu:

Eu ficava em estado de alerta cada vez que saia do meu apartamento, felizmente eu aprendi isso ainda jovem, nos Estados Unidos. Muitos anos se passaram antes que eu aprendi a entender o pensamento dos russos. Eu aprendi truques bizantinos do sistema soviético e com a ajuda de treino constante aprendi a não tropeçar. Honestamente, eu não fez um único passo em falso.

Um certo “aviador” incitava-o roubar os rolamentos da fábrica (artigo extremamente escasso e absolutamente necessário às bicicletas), mas Robinson achou que era uma armadilha do NKVD, e recusou o pedido... Umas meninas mostravam lhe a paixão ardente, mas ele se esquivou mesmo do conforto carnal...

Robinson foi graduado pela faculdade noturna do Instituto da Mecânica automóvel de Moscovo (atualmente a Universidade Estatal de Construção Automóvel), durante a II G.M. foi evacuado juntamente com a sua fábrica aos Urais, se tornou inventor-inovador.

Durante a guerra fria a propaganda soviética novamente apostou no anti-racismo. Em 1947, Robert Robinson foi convidado para participar no filme “Miklouho-Maclay”, no papel do papua Malu.
No mesmo ano ele foi convidado como consultor do Teatro Vakhtangov no domínio de usos e costumes americanos na encenação da peça do James Gow e Arnaud d'Usseau “Deep Are the Roots”. O enredo da peça é o racismo: amor impossível do veterano afro-americano da II G.M. e a filha de um ex-senador. O encenador achava que uma mulher branca não poderia deixar o seu bebé aos cuidados de amamentação de uma ama negra! Robinson pacientemente explicava que essa era a prática habitual (basta lembrar “E o Vento Levou”), mas o diretor gritava: “Não acredito nisso!” Assim terminou a carreira curta do Robinson no show business soviético.
Robert Robinson: “Preto sobre os vermelhos. 44 anos na União Soviética”
Desde 1945 e durante 27 anos (!), anualmente Robinson submetia às autoridades soviéticas o pedido de visto de saída (o cidadão podia fazer este pedido apenas 1 vez por ano), e todos os anos este pedido era recusado. Apenas em 1973, já na época Brezhnev, ele recebeu a autorização de visitar Uganda. Mesmo obtendo o convite do embaixador de Uganda em Moscovo, Mathias Lubega, e sendo Uganda país amigo da URSS, a sua saída só resultou na segunda tentativa, em 1974. Uma vez no Uganda, já com 67 anos, Robinson requereu o estatuto de refugiado, que foi-lhe concedido pelo ditador Idi Amin. Amin pessoalmente recebeu Robinson, ofereceu-lhe o cargo de professor de faculdade, cidadania, casa e viatura. Robinson declinou a oferta de nacionalidade de forma educada, ele queria renovar a sua cidadania americana. Apenas em 1986, ele novamente se tornou o cidadão dos Estados Unidos, voltou ao país e publicou o seu o livro “Black on Reds”, apenas em 2012 publicado em russo.

Este é o resultado de sua odisseia soviética:

Todo o tempo que eu vivi lá, e isso apesar de ter muitos amigos, eu nunca e à ninguém se atrevia a abrir a alma. No prédio onde eu morava, existiam 18 apartamentos, cada um com 2-3 famílias, em todos os lugares havia informadores que espiavam a mim – Robert Robinson, me observavam, escutavam, em seguida, informavam sobre cada um dos meus gestos e sons, dia após dia, ano após ano. Eu me adaptei à tudo isso, mesmo à vida na solidão: eu não tinha uma mulher que aqueceria a minha cama, não tinha filhos, que iriam me abraçar e me chamar de pai. Me acostumei à tudo, exceto uma coisa: eu nunca poderia se acostumar com o racismo na União Soviética, esse racismo constantemente testava a minha paciência, constantemente atentava contra a minha auto-estima. Este racismo era muito mais feroz do que qualquer coisa que eu experimentei em minha juventude nos Estados Unidos, esse racismo queimava a minha pele e carne. Mas como se defender daquilo que não existe oficialmente? Eu continuava a ser o objeto do racismo, apesar de todas minhas medalhas soviéticas, diplomas de honra, mesmo ganhando o reconhecimento deste país como um engenheiro e inventor, que aumentou drasticamente a produtividade. Como um especialista, posso dizer que um dos maiores mitos já lançados em circulação pela máquina de propaganda do Kremlin é que a sociedade soviética é livre do racismo.

Sobre a propaganda soviética:

Os russos estavam preenchidos com o sentimento de orgulho. Lembro que eu fui ao cinema numa tarde. Estavam mostrando os noticiários. Quando a infantaria do RKKA e os veículos blindados passavam pela Bessarábia [atualmente parte da Ucrânia], o público levantou-se: todo mundo começou a aplaudir, expressar ruidosamente a sua aprovação, gritando “hurra!” e empunhar, de forma ameaçadora, os punhos no ar. Eles estavam abertamente orgulhosos de que a sua pátria devastava um país indefeso. Isso me chocou: “Então, parece assim que os comunistas tentam estabelecer a paz e a justiça social no mundo”, – pensei eu. Não menos me surpreendeu a reação dos russos às informações expressas pela rádio soviética em 10 de dezembro de 1939, informando que Finlândia provocou uma guerra contra a pacífica Rússia. Todos ficaram indignados com o comportamento da Finlândia – ignorando o fato óbvio de que este país é muito menor e mais fraco do que a União Soviética. Não tivesse ocorrido na cabeça de ninguém que os agressores não são os finlandeses, mas os soviéticos”.

Texto Svoboda.org | @Ucrânia em África | Fotos @Internet
“Black on Red. My 44 years inside the Soviet Union.
An autobiography by black American”
A edição americana do seu livro pode ser comprada no Amazon: “Black on Red. My 44 years inside the Soviet Union. An autobiography by black American” (1988).

1 comentário:

Anónimo disse...

Pra você ver que existia uma grande diferença entre o tratamento dado a pintores, artistas, músicos, escritores, diretores de cinema e trabalhadores pela URSS. Os primeiros poderiam influenciar a opinião pública com suas obras, favorecendo e aumentando a credibilidade de Stalin e do regime soviético no Ocidente. Já os pobres trabalhadores estrangeiros eram constantemente vigiados e como Robinson disse: sempre havia alguém da NKVD querendo sabotar seu trabalho. Não conseguido acreditar quanta gente nutre esperanças pela URSS, com tantas obras, livros, testemunhas de diversas etnias e cores, em pleno 2017!!!