segunda-feira, julho 17, 2017

A jornalista judia que alertou o mundo do Holodomor na Ucrânia

A revolucionária cobertura da jornalista Rhea Clyman do Holodomor na Ucrânia, em 1932, é o tema de uma nova biografia do Prof. Jaroslaw Balan, que conta a história de uma provável simpatizante comunista que denunciou o genocídio comunista soviético.
Clyman nasceu em 1904 na Polónia, então parte do império russo, e imigrou, com a sua família, para o Canada quando tinha 2 anos. Aos 6 anos foi atropelada por um elétrico/bonde e a sua perna foi amputada. Ela passou os anos seguintes dentro e fora de hospitais.

No entanto, isso não impediu que aos 24 anos viajasse sozinha para a União Soviética e tentasse ganhar a vida como a correspondente estrangeira freelance.

No fim de dezembro de 1928 Cleyman desceu do comboio/trem em Moscovo, sem conhecer a cidade e com apenas algumas palavras de russo. Ele passou horas na estação de trem até que alguém apontou o caminho para um hotel, onde dormia no banheiro de um jornalista americano. Deveria permanecer na União Soviética para os próximos quatro anos.

Prof. Jaroslaw Balan do Instituto Canadense de Estudos Ucranianos na Universidade de Alberta explica que Clyman recebeu o visto soviético, porque possivelmente se juntou ao partido comunista e se tornou a mensageira clandestina do partido; pelo menos isso é indicado num relatório da secreta britânica MI5, à que o historiador ucraniano teve acesso.

Ela foi para a União Soviética se sentindo muito otimista, assumindo que [no país] não haveria desemprego, homens e mulheres eram iguais”, conta Jaroslaw Balan. “Mas rapidamente percebeu que era um estado totalitário incrível: como eram os pobres e quão difícil eram as suas vidas”.

Muitos jornais enviavam os jornalistas à [URSS] por períodos breves”, explica Prof. Balan. Mas ela aprendeu a língua e desenvolveu uma perspectiva que era muito diferente”.
Em algum momento, Clyman viajou para o extremo norte da Rússia para a cidade de Kem, perto de um campo [de GULAG] de prisioneiros soviéticos, um lugar fora do alcance de estrangeiros. Ele conheceu as esposas de prisioneiros, viu ex-prisioneiros que não eram autorizados a deixar a cidade, mesmo após serem libertados, e relatou como os soviéticos usaram presos políticos como trabalhadores forçados para cortar madeira. Esta foi uma história importante para o Canada, que estava perdendo o seu mercado de madeira no Reino Unido ao favor do concorrente mais barato [e desleal] soviético.

Ela apoiou as reivindicações que na União Soviética era usada a mão-de-obra barata e [assim] o Canada não poderia competir”, explica Dr. Balan.
Mas foi a cobertura da Clyman do Holodomor, a fome causada pelo homem que, segundo as estimativas, matou cerca de 4 [até 7] milhões de ucranianos entre 1932 e 1933, o que realmente importa para Dr. Balan. Pela primeira vez ele encontrou o trabalho de Clyman procurando nos jornais canadenses o que foi escrito sobre a fome na Ucrânia.

Em 1932, Clyman conduziu um carro rumo ao sul, de Moscovo através de Kharkiv – então a capital da Ucrânia – passando pelas cidades de Sloviansk, Izium e Donetsk até o Mar Negro e o local de nascimento de Stalin na Geórgia [a cidade de Gori].

Ao contrário de alguns jornalistas ocidentais que negavam a fome na Ucrânia Soviética, os artigos de Clyman diziam mesmo nos títolos: “Children Lived on Grass Only, Food in Farm Area Grain Taken From Them, Mile After Mile of Deserted Villages in Ukrain[e] Farm Area Tells Story of Soviet Invasion” (Crianças à viverem de apenas relva/grama, Comida nas áreas de farmas de grão é retirada deles, Milha após milha de aldeias desertas na área de farmas na Ucrâni[a] conta a história da invasão soviética).
As ruas da cidade de Kharkiv, verão de 1932, foto @Alexander Wienerberger
Durante a condução através do campo ucraniano em 1932, Clyman parou numa aldeia para perguntar onde ele poderia comprar leite e ovos. Os moradores não entendiam, mas alguém foi e voltou com uma criança deficiente, de 14 anos, que caminhou lentamente em direção a ela.

“Estamos passando fome, não temos pão”, disse ele, e passou a descrever as condições da primavera anterior. “As crianças comiam relva/grama ... eles ficavam se agachando como animais ... eles não tinham mais nada”.

Para ilustrar o ponto, uma camponesa começou a despir as roupas dos seus filhos. “Os despiu, um por um, mostrava as suas barrigas caídas, apontava suas pernas finas, passou a mão para cima e para baixo dos seus pequenos corpos torturados, deformados, torcidos para me fazer entender que eles realmente estavam com fome”, escreveu Clyman em um artigo publicado pelo Toronto Telegram, um dos maiores jornais canadenses da época.
A cidade de Kharkiv, foto @Alexander Wienerberger
Na Ucrânia, ele passou por aldeias vazias e se perguntou onde todos tinham ido. Um grupo de aldeões de uma fazenda coletiva se reuniu em sua volta para ver se ela poderia apresentar uma petição ao Kremlin descrevendo aos líderes soviéticos que as pessoas estavam morrendo de fome. Lhes tinham removido todos os grãos. Seus animais foram abatidos há muito tempo. Quando ela tentou comprar ovos, uma mulher da aldeia olhou para ela incrédula e perguntou se ela esperava consegui-los por dinheiro.

Claro disse Rhea. Não espero obtê-los por mais nada.
Não entendes, lhe disse um camponês. “Nós não vendemos ovos ou leite por dinheiro. Queremos pão. Você tem?
As autoridades soviéticas confiscam o trigo aos aldeões ucranianos,
aldeia de Novo Krasne, região de Odessa, 1932 (domínio público)
Dr. Balan explica que Clyman desenvolveu ideias sobre as causas da fome – não só devido à seca, mas também devido à coletivização forçada. Por exemplo, a tentativa soviética de mecanizar a agricultura gerou problemas quando a produção de máquinas não era tão rápida como o planeado. Cavalos e gado já estavam mortos, mas não havia tratores suficientes para colher as colheitas. Este foi o resultado de más decisões da cúpula [soviética], disse Prof. Balan. Quando ucranianos estavam morrendo de fome, [as autoridades] soviéticas selaram as fronteiras [administrativas] entre Ucrânia e a Rússia [e também Belarus] para que as pessoas não podiam escapar, acrescentou o historiador.

“Sua história é importante para os judeus e ucranianos”, diz Dr. Balan. “Entre os ucranianos, há muitos estereótipos que os judeus eram bolcheviques e foram responsáveis ​​pela fome. E eis uma mulher judia que escreveu sobre a fome. Certamente, os judeus também foram perseguidos. Ela também é judia, mas ela escreveu a verdade”.

Detida em 19 de setembro de 1932 em Tbilissi, aos apenas 28 anos Clyman se tornou a primeira jornalista estrangeira expulsa da União Soviética em 11 anos, supostamente “por espalhar as mentiras”.
Depois ela foi para a Alemanha onde testemunhou a ascensão dos nazis. Jaroslaw Balan conta que precisa aprofundar a sua pesquisa para encontrar os artigos que Clyman escreveu sobre Alemanha. Até agora ele achou e leu apenas dois.
Clyman residiu na Alemanha até 1938, quando fugiu do país em um pequeno avião junto com alguns refugiados judeus. Infelizmente, quando o avião estava a aterrar em Amesterdão, o aparelho caiu. Quase metade dos passageiros morreu, Clyman fraturou as costas, mas de alguma forma evitou a paralisia.

Ela voltou à América do Norte, da onde se mudou para Nova York, onde escreveu as suas memórias. Nunca se casou, nem teve filhos e morreu em 1981.

Após a sua morte, as memórias de Clyman permaneceram inéditas e Prof. Balan espera encontrá-las. Ele também está tentando descobrir onde a jornalista foi sepultada. Dr. Balan localizou alguns de seus parentes, mas eles não sabem onde ela tinha sido enterrada.

“Se pudéssemos encontrar suas memórias seria emocionante, uma mina de ouro”, disse Prof. Balan. Recentemente ele deu uma palestra sobre Clyman no departamento da Universidade Estatal de Florida (Florida State University), em Nova York, a maior concentração de judeus que falam a língua russa na América do Norte. A conversa foi patrocinada pelo Encontro Ucraniano-Judaico (UJE), uma organização canadense sem fins lucrativos que visa promover a cooperação entre os ucranianos e judeus. Patrocinado pelo empresário canadense James Temerty, a iniciativa tem como objetivo de acabar com os sentimentos negativos entre os dois povos.
Os comunistas americanos atacam violentamente a marcha dos cerca de 5.000 ucranianos em Chicago (22/12/1933),
que pretendia alertar a consciência das sociedades ocidentais sobre o genocídio comunista soviético na Ucrânia.
“Os judeus têm vivido na Ucrânia provavelmente por 1.000 anos, e, certamente, em grande número desde o século XVI”, diz Balan. “Subtraindo os períodos de pogroms e do Holocausto, o resto do tempo, os judeus, em muitos casos floresceram na Ucrânia”.

Ler o texto em inglês; espanhol e ucraniano.  

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