Aos
88 anos morreu o pintor e desenhador russo Ilya Glazunov, pai do
estilo visual que é considerado como pop-art ou kitsch soviético, autor
dos dois mega-quadros, chamados “Mistérios do Século XX”, concluídos em 1977 e
1999. A provável causa da morte é insuficiência cardíaca.
Em 03.01.1991 o arquiteto russo Dmitrij
Chmelnizki publicou em jornal parisiense de emigração russa “Russkaya Mysl”
(Pensamento Russo), o artigo intitulado “Fenómeno do Ilya Glazunov”, em que
tentou explicar admiração e fixação do público soviético pela obra do artista.
Em
exposições retrospectivas pode ser visto claramente, como o jovem artista
tentou todos os estilos, que apareceram desde o degelo [do Khrushev] na pintura
soviética, até que parou no seu próprio estilo, facilmente reconhecível e que
não dava muito trabalho. Doces faces iconoclastas, olhos enevoados que ocupam metade
da face, braços erguidos, esplendores, composições coloridas de mau gosto com
muitas faces, abertamente copiadas de fotografias – ora cartazes, ora
quadrinhos, ora bandeiras religiosas. Todo este kitsch é extremamente
significativo e patético. Aqui aparece o simbolismo religioso, e o passado
glorioso da Rússia, e malfeitores, e génios, e as estrelas, e a suásticas –
tudo o que pode excitar a psique do cidadão russo [soviético], já mesmo assim conturbado
pela Peretroika [do Gorbachev].
É
de notar que o quadro “Mistérios do Século XX” (1977) foi exposto em 1986-88 em
várias cidades capitais soviéticas. Os cidadãos formavam as longuíssimas filas
para ver a obra do Glazunov. O aparecimento do quadro equivalia à abertura do
primeiro McDonalds na União Soviética em Moscovo, em 30 de janeiro de 1990. Cada visitante tinha um pequeno folder
desdobrável, onde todas as personagens do quadro eram enumerados e assinados. Como
diziam os guias “pela primeira vez podemos vez o retrato de Soljenitsin”.
Na época isso equivalia ao fim declarado do comunismo, apenas ligeiramente
abaixo da chegada dos extraterrestres ou a explosão de uma bomba atómica.
Primeiro McDonald´s aberto na URSS em 30/12/1990 (cidade de Moscovo) |
No
final da era soviética, Glazunov abandona definitivamente o seu ganha-pão
anterior, as obras do “realismo socialista” e abraça uma nova fé, o
nacionalismo russo, misturado com algum “glorioso” passado soviético e a ortodoxia
moscovita.
Numa
das entrevistas da época, publicada pelo jornal russo “Krasnoye Znamya”
(Bandeira Vermelha), publicado na cidade de Syktyvkar, Glazunov oferece a sua própria visão
do passado russo antes de revolução bolchevique de 1917. Glazunov considera que
Rússia naquela época era “o país mais poderoso, mais avançado, o mais rico e cultural...,
o único país que não conheceu as colónias – não vendia os chukchis, como América os
negros. Todos vinham voluntariamente, pediam [entrar] sob a nossa coroa – os georgianos
e os arménios, os ucranianos... nós sempre trazíamos a luz e educação. E é
importante para estender as tradições do grande começo russo”.
Em 1999 o artista pinta
a segunda versão do seu quadro, desta vez de tamanho 300 x 800 cm, que possui
2342 personagens (!), muitos dos quais não existiam na versão anterior: desde
Bill Clinton aos The Beatles, passando pelo Gorbachev, Yeltsin, fim alegórico
da URSS e Mickey Mouse...
As imagens GIF @LiveJournal Media, 2016 |
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