Imediatamente
após a sua chegada ao poder em 1917, o regime comunista começou a censura do
cinematógrafo. Os filmes ocidentais eram proibidos ou sofriam a censura, cortes,
nas décadas de 1920-30 até recebiam a remontagem diferente da original e os
filmes soviéticos chegavam à ser destruídos e os seus criadores despedidos,
presos e mesmo mortos.
Os
filmes proibidos na URSS podem ser classificados em várias categorias — filmes
que não mostravam a vida no Ocidente como “inferno capitalista”, eram proibidos
pois chocavam com a propaganda soviética. Filmes eróticos, alegadamente
eróticos ou sobre os relacionamentos entre os géneros fora dos clichés de
propaganda soviética que pretendia provar que “na URSS não há sexo”. Terceira categoria
— tudo aquilo que a censura não entendia, que assustava os censores ou os fazia
pensar, pelo seguro, este tipo de filmes também eram proibidos.
Dado
que os filmes proibidos na URSS eram “mais que demais”, falaremos sobre os
casos mais emblemáticos e mais interessantes.
Mas
antes de tudo, um pouco de história. A censura soviética constantemente inventava
os novos termo para explicar por que a determinada obra é “prejudicial”, os
mais usados eram – “este filme distorce os factos históricos”, “este livro coloca
os elementos prejudiciais e decadentes no lugar das personagens positivas”, “essa
peça teatral não revela completamente a essência verdadeiramente antipopular do
czarismo”. Mas um livro, peça teatral ou filme poderiam ser banidos
simplesmente por serem “contra-revolucionários”, sem demais pormenores.
Uma
das primeiras censoras bolcheviques foi a famosa Nadezhda Krupskaya, viúva
oficial do camarada Lenine – ela ocupou o cargo de vice-comissária da Educação
e criava pessoalmente as listas de livros que deveriam ser retiradas
imediatamente de bibliotecas públicas. Os primeiros foram proibidos os
filósofos e escritores pensadores: Nikolay Berdyaev, Mikhail Bulgakov, Nikolay Zamyatin.
Krupskaya chegou à atacar violentamente o aclamado e muito popular escritor
infantil Kornei
Chukóvski – chamando a sua obra de “nonsense” e “estupidez burguesa”.
O
número de censores soviéticos não parava de crescer e em 1940 na URSS já contava
com 5.000 censores – recrutados principalmente entre as pessoas “ideologicamente
certas”, mas com pouca instrução – apenas 10% deles tinham formação superior.
Naturalmente,
a censura atacou em força o cinema, que o camarada Lenine considerava a mais
importante das artes: “Enquanto as pessoas são analfabetas, as mais importantes
para nós são o cinema e o circo”, como ele sublinhava na sua escrita.
Algumas
obras mais emblemáticas, proibidas pela censura soviética, começando pelos filmes
ocidentais:
1.
“E o Vento Levou” (Brasil) | “E Tudo o Vento Levou” (Portugal) de 1940
Não
se sabe a razão exata porque o filme foi proibido na União Soviética. Possivelmente
isso aconteceu porque a película mostrava a vida dos americanos comuns, que
simplesmente viviam, se amavam e planeavam o seu futuro, sem conspirar contra a
URSS ou o “mundo socialista”. Ou talvez porque escravos afro-americanos possuíam no século XIV o mesmo padrão de vida (possivelmente até um pouco mais alto), que os cidadãos comuns
do primeiro país dos “operários e camponeses”.
Primeiro, o livro foi publicado, e depois o filme foi demonstrado na URSS apenas em 1990,
imediatamente se tornando-se um tremendo sucesso de vendas e de bilheteira.
2.
«As Vinhas da Ira», (1940)
Em
1948, a URSS comprou o filme americano “As Vinhas da Ira” para mostrar ao
público soviético todas as “feridas e as mazelas do capitalismo”. Em quase
todas as artes na União Soviética existia um programa similar – a URSS comprava,
traduzia e publicava os livros de quaisquer escritores ocidentais
marginalizados ou obsoletos desde que estes criticassem fortemente o
capitalismo – as suas obras eram apresentadas aos cidadãos soviéticos como “o verdadeiro
retrato da vida na Ocidente putrificado e decadente”.
Mas
“As Vinhas da Ira” foi removido da exibição pública quase imediatamente após o
seu lançamento nos cinemas soviéticos – a censura notou, com horror, que o pobre
e arruinado farmeiro americano compra um camião/caminhão usado e geralmente vivia
muito melhor do que os “felizes e livres” camponeses soviéticos.
3. «Emmanuelle», (1974)
Naturalmente
o filme foi imediatamente proibido na URSS – na União Soviética não poderia
haver nenhuma “sexualidade”, muito menos a feminina, nem o sexo existia na
URSS, as mulheres deveriam sonhar apenas com o comunismo, e as “relações
íntimas” só existiam para poder dar ao país e ao Estado os operários e soldados
saudáveis.
4.
«Nine 1/2 Weeks», (1986)
Classificado
como “drama erótico”, «Nine 1/2 Weeks» é mais um filme sobre a complexa relação
entre um homem e uma mulher, com algumas cenas eróticas (carícias de gelo com os
olhos vendados; sexo nas escadas e um striptease da personagem principal, a Elizabeth).
No
entanto, na URSS, o filme foi proibido e era demonstrado apenas nos salões de
vídeo semiclandestinos no fim da Perestroika, em 1989-90.
5.
«Padrinho», (1972)
Alguns
dizem que os censores soviéticos viram em “Padrinho” a “romantização do
submundo criminal”, outros argumentam que o filme foi proibido pela elite comunista
(que certamente o assistiu em VHS e até em secções fechadas), devido ao
facto de que a estrutura da máfia ítalo-americana era fortemente parecida com a
estrutura do poder comunista na URSS.
No
fim da década de 1980, o ainda proibido “Padrinho”, apareceu maciçamente nos
salões de vídeo, onde praticamente não havia nenhum controlo da censura – estes
locais demonstravam ao público, ao preço de 50 copeque – 1 rublo (0,85 – 1,69
dólares ao câmbio oficial antes de 1991), quer a “Emmanuelle”, quer os filmes
realmente pornográficos.
6.
“Guerra nas Estrelas” (Brasil) | “Guerra das Estrelas” (Portugal) de 1977
Os
censores soviéticos viram na “força negra” (dark force) uma alusão à União
Soviética. As coisas apenas pioraram quando em 1983 Ronald Reagan chamou a
União Soviética de “império do mal” (quase exatamente o mesmo que o “Império
Galáctico do Mal” em saga), servindo como a proibição definitiva e total do
filme na URSS.
O
filme foi exibido nos cinemas soviéticos no fim da existência da própria União
Soviética, e as pessoas formavam as filas “galácticas” para ver a obra do
George Lucas. Antes disso, os cidadãos soviéticos podiam ver apenas “Adolescentes
no Universo” (1974), em que os pioneiros soviéticos voavam diretamente da Praça
Vermelha para uma estrela distante, organizando lá uma revolução marxista-leninista:
A
censura soviética proibia também os filmes soviéticos – geralmente porque a
determinada obra mostrava a realidade muito diferente da propaganda oficial de
imagens glamurizadas.
Um
desses filmes foi o “Comissário”, do Aleksandr Askoldov,
filmado em 1967. O filme foi concebido como a saga dos “dias heróicos da
revolução”, mas em vez disso, o diretor produziu um drama sombrio sobre as tragédias
humanas. Na sequência da estreia do filme o realizador foi expulso do partido comunista,
acusado de parasitismo social, proibido de viver em Moscovo e proibido de
trabalhar em longas-metragens para o resto de sua vida, sob a acusação formal
de ser “profissionalmente inapto”:
8.
“Intervenção” | “Intervention” | “Interventsiya”, (1968)
Apesar
de ser ideologicamente alinhado com a ideologia e contar com uma galáxia
inteira de estrelas do cinema soviético: Vladimir Vysotsky, Sergei Yursky ou Valeri
Zolotukhin, o filme foi proibido pela censura sob acusação de que a “Grande Revolução
de Outubro” e posterior luta bolchevique “pelos ideais comunistas” são
retratados como uma farsa vulgar “risível e cómica”. O filme foi demonstrado
nos cinemas soviéticos apenas em 1987:
Imagens:
Internet | Texto: Maxim
Mirovich
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