A historiografia soviética produziu
diversos mitos sobre Vladimir Ulianov (Lenine): o mito da sua etnicidade, o
mito de que ele era um filósofo independente e brilhante, e até mesmo que ele
era um “avô/vovô” – nada disso corresponde à realidade, são mitos e inverdades.
Na postagem de hoje, vamos analisar
alguns dos equívocos e mitos mais populares sobre Lenine – em que muitos, e
talvez você mesmo, continua à acreditar.
1. Mito do Lenine «avô/vovô»
Praticamente desde o início do golpe
bolchevique a propaganda soviética começou criar a imagem de Lenine de um “avô/vovô
bondoso”. Aparentemente, isso deveria enfatizar a sua sabedoria – homem viveu uma
longa vida revolucionária e já na velhice organizou a revolução, do e para o povo. E mais,
“avô/vovô”, é uma espécie de totem, o líder arcaico da tribo, o kota, o madala,
o mais velho e mais sábio. Para manter essa imagem, Lenine sempre e em todos os
lugares era retratado careca, com uma barba de bode e em um fato/terno clássico.
Na verdade, Lenine não era nenhum “avô/vovô”
– ele morreu aos 53 anos, o que, mesmo para os padrões da época não era
considerado velhice, era um homem de meia-idade. No momento do golpe
bolchevique Lenine tinha apenas 47 – praticamente um homem jovem. Mesmo no sentido
da linhagem da sua família Lenine também não era “avô/vovô” – ele não deixou
nem filhos, nem netos.
No decorrer do golpe bolchevique Lenine
não tinha aparência que a propaganda soviética descrevia: careca, com barba de
cavanhaque e com um fato/terno clássico de três peças. Naquela época Lenine
estava barbeado, usava uma peruca e roupas de um operário, como na foto em cima. A
imagem pouco parecida com a ícone canónica do “avô-revolucionário”.
2. Mito sobre a sua etnicidade
A biografia oficial soviética dizia
que Lenine era russo. No mínimo, isso não é verdade – o pai de Lenine, Ilia
Uliánov (batizado como Ilia Ulyanin), pertencia à uma linhagem de calmucos, convertidos ao cristianismo ortodoxo russo. A mãe de Lenine – Maria Blank – era filha de um judeu convertido à ortodoxia
russa, Alexander Blank.
Por alguma razão desconhecida, a
propaganda soviética decidiu ocultar a origem étnica do líder bolchevique. A biógrafa
oficial do clã Lenine, Marieta Shaginian, publicou em 1938 o livro “Família Ulianov”, em que pela
primeira vez falou
abertamente sobre as raízes calmucos dos Ulianov [ao mesmo tempo na versão de Shaginyan – Alexander
Blank era ucraniano]. O trabalho de Shaginyan até foi elogiado pela viúva
oficial do Lenine – Nadezhda Krupskaya. Mas o Bureau Político do PCUS rapidamente
proibiu a sua investigação, numa deliberação especial de 5 de agosto de 1938,
e Krupskaya foi repreendida. A deliberação foi revogada somente após 1956.
3. Mito do «grande sábio»
Este mito foi criado pelo
propagandista bolchevique Vladimir Bonch-Bruyevich e outros “biógrafos” soviéticos de Lenine, que constantemente estavam
criando histórias de como Lenine ficava trancado numa sala e toda a noite estava lendo
e escrevendo, para de manha cedo sair “descansado e fresco”, para tomar o chá [pequeno
almoço/café de manha]. O culto soviético da personalidade do Lenine constantemente
pedalava a ideia que o homem com tanta leitura e escrita, só pode ser um sábio –
ele sabia e conhecia tudo, etc.
Na realidade, Lenine não lia muito,
e todas as suas numerosas obras – são uma coleção eclética de pensamentos e ideias
populares na época, passados através da personalidade particular de ditador. A
historiografia soviética apresentava a sua obra como “trabalho titânico e a continuação
das grandes ideias de Marx”, mas na verdade as obras do Lenine eram pouco originais,
e muitas das vezes até contraditórias.
4. O mito de uma personalidade
auto-suficiente e independente
A propaganda soviética retratava
Lenine pré-golpe bolchevique como um filósofo livre – supostamente ele viajou por
diversos países da Europa, reuniu-se com as pessoas certas, escreveu obras
brilhantes e, com todas as suas forças, tentou aproximar a revolução comunista.
Na verdade, Lenine era um homem não
realizado e pobre, que vagueava sem rumo pela Europa – ele não tinha bons
amigos e, até os 40 anos vivia às custas de mãe. Lenine não queria
trabalhar – até a idade de 25 anos ele estava engajado na advocacia em São
Petersburgo, mas mal ganhava para a sua própria comida, constantemente escrevia
cartas para mãe com os pedidos: “se você puder, me envie mais cem rublos”. Depois
Lenine abandona completamente o emprego e vive às custas de seus parentes, mãe
e irmã. Lenine era uma criança grande – a mãe constantemente o apoiou com
dinheiro, comprou fatos/tenros, vestuário, roupa de cama, entre outras coisas.
5. O mito de que Lenine foi gentil
e bondoso
Este mito também tem raízes antigas
e começou a ser criado ainda durante a vida do Lenine – a frase “o bondoso avô/vovô
Lenine” foi imposta aos pioneiros e outubristas em toda a União Soviética. Os livros
infantis publicaram as imagens de Lenine, cercado por crianças, acompanhadas
por histórias que diziam:
A propaganda típica soviética, livro "Lenine e crianças" da autoria do já citado propagandista Bonch-Bruyevich |
Pequena Leninha tem uma nova insígnia no
seu vestido.
— Quem está desenhado na insígnia? —
perguntam as crianças.
— É avô/vovô Lenine!
— É seu avô/vovô?
— É meu! E da minha mãe e o do pai.
E o avô do avô também! E Lenine está à sorrir porque ele é gentil.
Após 1956, com o fim do culto da
personalidade de Estaline, sobre a suposta bondade de Lenine começou se falar
muito mais – tudo o que era mau/ruim no poder soviético, era atribuído ao Estaline,
o bondoso avô/vovô Lenine queria fazer tudo muito diferente.
Uma foto icónica (1), Lenine e Krupskaia, com as crianças na aldeia de Kashino, nos arredores de Moscovo. Na foto original (2) eles estavam rodeados pelos adultos, mais tarde, vítimas da luta contra os kulaks e quase todos presos, mortos ou deportados. Como resultado, os adultos foram eliminados e o fundo da fotografia foi escurecido.
Os contemporâneos lembraram-no como
uma pessoa seca, mesquinha, tirânica, maligna e vingativa, que, além disso, se
caracterizava por frequentes mudanças de humor – o que, junto com a sua queda para as intrigas
mesquinhas tornava impossível a sua amizade. Especialmente os
contemporâneos notavam os seus olhos malignos.
Uma foto icónica (1), Lenine e Krupskaia, com as crianças na aldeia de Kashino, nos arredores de Moscovo. Na foto original (2) eles estavam rodeados pelos adultos, mais tarde, vítimas da luta contra os kulaks e quase todos presos, mortos ou deportados. Como resultado, os adultos foram eliminados e o fundo da fotografia foi escurecido.
Como URSS falsificava o seu passado histórico |
O socialista e filósofo russo, Nikolai
Valentinov, que conhecia Lenine pessoalmente, o recordava assim: “Seus
olhos eram escuros, pequenos, rosto muito feio, era muito móvel, muitas vezes
mudando a expressão: a plena consciência vigilante, atenção, ironia, desprezo cortante,
frio impenetrável, raiva profunda. Neste caso, os olhos de Lenine tornaram-se – uma comparação aproximada – olhos de um javali malvado”.
Georgy Solomon (1868-1942), o proeminente social-democrata russo, membro da alta
nomenclatura soviética e um dos primeiros não-retornados, conhecia Lenine muito
bem: “Baixinho, com uma expressão facial desagradável, diretamente repulsiva...
Ele era um orador muito pobre, sem o rasgo de talento, era um grande
demagogo. Familiarizando com ele, você poderia facilmente perceber suas
fraquezas e, francamente, pontos nojentos. Antes de tudo, o manchavam os modos rudes,
misturados com complacência impenetrável, desprezo pela outra parte e alguma deliberada
(não consigo encontrar outra palavra) “atitude de cuspir” no interlocutor,
especialmente dissidente e que não concordava com ele e, além disso, sobre o interlocutor
mais fraco, não engenhoso, não muito brilhante”.
A URSS na década de 1970-1980, os supermercados cheios de uma única mercadoria sem nenhum comprador, os pequenos bustos de Lenine, feitos de gesso |
Lenine não gostava de pessoas, e
pensava que poderia facilmente dispor de suas vidas, para isso se deveria apenas
os “desumanizar”, usando alguma palavra pejorativa. Em 1918 contra a tirania
soviética se revoltaram os camponeses da região russa de Penza – Lenine imediatamente
os chamou de kulaks e escreveu assim – “é necessário enforcar (enforcar
claramente, de modo que as pessoas vejam) e não menos que os notórios kulaks, os ricaços,
os sanguessugas”. No mesmo telegrama, Lenine ordena a tomada de reféns das
famílias de camponeses, assim como a apreensão de todos os bens daqueles que serão
suspeitos apenas de “simpatia” para com o movimento camponês rebelde.
Como vocês podem ver – o verdadeiro
Ulianov – Lenine estava muito longe de ser a pessoa retratada pela propaganda
soviética e comunista.
1 comentário:
Não tinha conhecimento dessa historia .
Enviar um comentário