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Num
país com os índices de leitura mais baixos da Europa, num país de invencíveis
analfabetos, alguns doutorados, de repente, mil e um especialistas em história
da Europa Central brotaram do chão.
por:
Bruno Vieira Amaral, Observador.pt
Esta
manhã, enquanto preparava o pequeno-almoço, recebi uma mensagem alarmante:
“Cabrões
dos nazis! Allez les bleues [sic]!”
Como
demoro sempre a entrar no ritmo, continuei a fazer o café, as torradas e o sumo
de bagas colhidas minutos atrás nos arbustos defronte da minha casa. O
remetente da mensagem, pessoa que nunca me dera motivos para desconfiar da sua
sanidade mental, insistiu:
“Que
nojo de país! Detesto a história dos gajos! Vão ser goleados.”
Neste
momento, fiquei um pouco perturbado, mas aprecio tanto o ritual do meu café
pela manhã que nenhum lunático, mesmo que recentemente assumido, é capaz de mo
estragar. A meio da manhã, terceira mensagem:
“Vais
torcer por quem? Pelos nazis?”
Ontem,
ao final da noite, quando me fui deitar depois de ver o jogo e escrever a
crónica, tinha deixado o mundo entretido com um Mundial. De manhã, estávamos de
volta à Segunda Guerra Mundial, com hordas de internautas a apontar o dedo à
Croácia e aos jogadores croatas, como se nas últimas quatro semanas Modrić,
Rebić, Mandzukić e os outros tivessem aproveitado os intervalos entre jogos e
treinos para conduzir judeus para as câmaras de gás, como se festejassem os
golos brandindo exemplares d’A Minha Luta, como se tivessem suásticas tatuadas
no meio da testa.
Num
país com os índices de leitura mais baixos da Europa, num país de invencíveis
analfabetos, alguns deles doutorados, de repente, mil e um especialistas em
história da Europa Central brotaram do chão. Ontem, a Croácia adormeceu
eufórica. Hoje, pelo menos aqui para os nossos lados, acordou anatemizada,
considerada indigna de pertencer ao concerto das nações por causa do que
aconteceu durante a Segunda Guerra (coisas terríveis, fascistamente terríveis,
até a resistência croata aos nazis tinha qualquer coisa de nazi). Da Croácia
disse-se hoje o que o Irão não disse dos Estados Unidos – o Grande Satã –
quando as selecções dos dois países se enfrentaram no Mundial de França.
Ah,
os franceses! Claro. Parece que temos o dever multicultural de torcer pela
França porque a diversidade da seleção vai inspirar todos os cidadãos e os
filhos dos imigrantes sentir-se-ão de imediato membros de pleno direito da
República. Não haverá mais atentados, nem motins, nem caixotes do lixo
incendidados. Não foi esse, afinal, o efeito da vitória de 1998? Se for a
Croácia a ganhar, adivinham-se tempos negros para a Europa.
O
fascismo alastrará por todo o continente já não de botas cardadas, mas de
chuteiras. Já não de uniforme cinzento, mas envergando as enganadoramente
simpáticas camisolas axadrezadas. Felizmente para o mundo, um conjunto de
heróicos resistentes, comandados por um punhado de irredutíveis portugueses [e já agora brasileiros], impedirá a
consumação da tragédia e rechaçará com galhardia e pundonor a ofensiva croata,
obrigando-os a regressar à sua condição clandestina de nazis nos clubes
europeus em que se movimentam, condição essa mui oportunamente denunciada
graças à perspicácia e à intuição lusas [e
naturalmente brasileiras] de alguns dos nossos mais brilhantes
compatriotas, que, como os áugures liam o futuro no voo das aves, conseguiram
decifrar o código insidiosamente inscrito nos passes fascistas de Modrić, nas
defesas totalitárias de Subasić, na pérfida disposição da equipa num 4-2-3-1
riefenstahliano.
Por
mim, está decidido. Vou torcer pela França. E também pela Croácia. E que fique
registado que, ganhe quem ganhar, ofereço-me desde já para colaborar
activamente com as autoridades do país vencedor no dia a seguir à final. Como
disse um imperador bem conhecido dos gauleses: “Veni! Vidi! Vichy!”
Blogueiro:
a brilhante crónica do Bruno Vieira Amaral aplica-se, por inteiro, quer à
Ucrânia (onde até a resistência ucraniana aos nazis é vista pela esquerda caviar como a coisa faxista),
quer à esquerda Ballantines brasileira, que também, e muito repentinamente
produziu mil e um especialistas em história da Ucrânia e da Europa Central.
Ler
a resposta
da Embaixada da Ucrânia no Brasil à um destes “especialistas”.
Ler a resposta ucraniana |
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