quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Em memória da Centena Celestial (19 fotos)

Cinco anos atrás morreu em Kyiv a Centena Celestial — assim na Ucrânia são chamados os manifestantes que foram assassinados ou mortalmente feridos em confronto com polícia do regime do presidente Yanukovych no decorrer do movimento Maydan — principalmente nos dias 18, 19 e 20 de fevereiro de 2014.

Exatamente nesses dias Yanukovych tentava impedir a votação no Parlamento ucraniano (Rada Suprema) pelo retorno à Constituição de 2004 [que limitava os poderes presidenciais e transformava Ucrânia numa república semipresidencialista], apostando na última tentativa desesperada de derrotar o movimento Maydan.

Nos dias 18 e 19 de fevereiro, decorreu a tentativa de assalto das barricadas de Maydan, por parte das forças do regime (destacamento “Berkut”), e em 20 de fevereiro, os manifestantes na rua Institutska foram alvos de armas do exército, principalmente AK e espingardas/rifles de precisão. Yanukovych tentou com todas as suas forças reprimir o Maydan, mas não conseguindo e, assustado com suas próprias ações, acabou por fugir, com todas as suas propriedades para a cidade russa de Rostov. O dia 20 de fevereiro também é considerado o dia da vitória de Maydan – na sua última batalha, os ucranianos não cederam, Maydan sobreviveu e derrotou o tirano.

Como tudo começou?

No dia 18 de fevereiro de 2014 o Parlamento da Ucrânia deveria votar a lei que previa o retorno à Constituição de 2004 – uma das demandas mais importantes de Euromaydan, que privaria Yanukovych do seu poder ditatorial. Do lado de Maydan, colunas de manifestantes se dirigiram ao Parlamento (na rua Hrushevsky) para apoiar os deputados nesta votação – as pessoas estavam vestidas de forma festiva, havia, entre eles, pouca gente pertencente às unidades da autodefesa de Maydan.
A coluna foi atacada por forças de segurança – que, aparentemente, pretendiam, por ordem de Yanukovych, interferir na votação parlamentar. Destacamento da polícia “Berkut” começou espancar todos os cidadãos que estavam se dirigir ao Parlamento. “Berkut” era apoiado pelos bandos chamados de “titushki” (parcialmente polícias vestidos à civil, parcialmente marginais contratados), que espancavam, com muita crueldade, os que caíssem no chão. As primeiras mortes da futura Centena Celestial surgiram naquele momento.
As colunas de manifestantes se retiraram até Maydan, onde sob as coberturas das barricadas tinham único lugar no centro de Kyiv, à salvo da polícia e dos titushki. As forças de segurança pressionavam – aparentemente cumprindo a ordem de Yanukovych – e os manifestantes começaram criar uma cortina de fumaça e de fogo, incendiando os pneus, colchões e até mesmo sacos de roupas quentes.
Em 19 de fevereiro, durante o assalto ao Euromaydan, polícias e SBU queimaram o Prédio dos Sindicatos de Kyiv, que na época era a sede do comando do Euromaydan. Um número, até hoje, indeterminado dos manifestantes ucranianos feridos morreu naquele fogo, pois os andares de cima serviram de hospital de campanha.
Jovens delinquentes, conhecidos como titushki, armados com as pistolas se escondem atrás da polícia ucraniana.
Após o seu ataque frustrado na noite de 18 à 19 de fevereiro, as forças de segurança e “Berkut” deixaram as suas posições apressadamente. Quando os manifestantes novamente foram marchar até o Parlamento, subindo a rua Institutska completamente vazia, foram alvo direcionado de armas automáticas – uma emboscada planeada.
Fogo contra os manifestantes foi aberto por uma unidade especial trajada de preto, muito possivelmente a unidade especial das tropas do Ministério do Interior (VV) da Crimeia, chamada “Tin” [literalmente “Sombra”, aparentemente comandada pelo coronel da polícia ucraniana e SBU Serhiy Asavelyuk, que já em abril de 2014 participou nos primeiros e duríssimos combates da OAT contra os grupos organizados de mercenários russos, demonstrando a bravura em combate]. As forças de segurança atiraram contra as pessoas quase à queima-roupa, esperando que quando matarem os mais ativos, Maydan simplesmente se dispersaria.
Os atiradores do coronel Serhiy "Asa" Asavelyuk
Apesar de serem alvejados por armas de fogo, e tendo apenas os escudos metálicos e até de contraplacado, os manifestantes ucranianos caiam, morriam, mas não recuavam, tentando salvar seus companheiros e carregando os feridos por cima dos escudos. Um dos vídeos mais terríveis foi filmado naquele dia na rua Institutska. Mostra um menino ucraniano muito jovem [músico e estudante Dmytro Holubnichiy de Lviv de apenas 16 anos, o mesmo que aparece no filme documental Winter of Fire] que está na primeira linha de confronto. Vemos uma das barricadas móveis se movendo para frente. Neste momento, Dmytro recebe a chamada da mãe – e diz “sim, mãe, neste momento estamos com o pai à comer no refeitório, ... ouvi que na Institutska estão à disparar, ... mãe, eu te amo”. 
De seguida, ele olha para a barricada – acompanhado pela câmara e, naquele momento, a barricada improvisada já está sob o fogo cerrado das forças de segurança, um dos manifestantes está sendo alvejado mortalmente:

Apesar do fogo da polícia, os manifestantes conseguiram recuperar rapidamente suas posições, perdidas em 18 de fevereiro, e até mesmo expandir o território de Maydan. O movimento Euromaydan sobreviveu.
Dezenas de cadáveres e fogo de armas automáticas no centro de Kyiv impressionaram até mesmo vários membros e ex-membros do “Partido das Regiões” – Yanukovych definitivamente se transformou num ditador como Ceauşescu, e o Parlamento da Ucrânia votou pela sua remoção do poder e pela detenção.
Nos dois dias seguintes, Maydan enterrou os seus heróis mortos – dezenas de milhares de moradores de Kyiv saíram para se despedir daqueles que morreram na rua Institutska. Rada Suprema vota favoravelmente o retorno à Constituição de 2004, saída compulsiva das forças de segurança de Kyiv e retirada do ditador Yanukovich do poder – que, juntamente com vários camiões/caminhões de dinheiro e bens, com ajuda das forças russas foge para a cidade de Rostov.

Centena Celestial

Para não tornar o texto muito longo, falaremos brevemente sobre sete pessoas – tão diferentes, mas muito semelhantes na sua rejeição ao mal e da ditadura.
Até o dia 24/02/2014 foram identificados 81 manifestantes e 12 polícias mortos.
Os manifestantes eram da Ucrânia, Geórgia (3) e Rússia (2).
Vitaly Vasiltsov, 36 anos, pai de duas filhas. Vitaly trabalhou como paisagista, amava a terra, a natureza e as plantas, mas acima de tudo – a esposa Natalia e duas filhas - Ivanka e Darynka. Morreu, atingido pelo disparo do franco-atirador.

Antonina Dvoryanets, 61 anos, reformada/pensionista, da cidade-satélite de Kyiv –Brovary. Foi morta em 18 de fevereiro, quando correu em defesa dos jovens espancados pelo destacamento “Berkut”.

Dmytro Maximov, 19 anos. Medalhista de prata e bronze das Surdolimpíadas de judo/ô. Morreu na noite de 19 a 20 de fevereiro, durante o assalto das forças de segurança ao Maydan – na explosão de uma granada perdeu um braço e morreu por perda de sangue no Edifício dos Sindicatos.

Victor Shvets, 58 anos de idade, reformado/pensionista, vivia nos arredores de Kyiv. Foi ferido na rua Institutska, retirado de debaixo do fogo, mas morreu à caminho de hospital. Na ambulância, mortalmente ferido, Victor conseguiu ligar para a esposa e dizer “está tudo bem comigo”.

Olexander Plekhanov, 22 anos, estudante de Arquitetura, praticava ciclismo e escultura. Morreu em 20 de fevereiro de 2014, atingido pelo franco-atirador nas barricadas da rua Institutska.

Oleksandr Khrapchenko, 26 anos, cidade de Rivne, realizador teatral de formação, trabalhava no Teatro Dramático de Rivne. Foi morto por um franco-atirador na manhã de 20 de fevereiro na primeira barricada na rua Institutska.

Ivan Nakonechny, cidade de Kiev, 83 anos de idade. Na sua juventude, Ivan serviu como marinheiro em Sebastopol, foi formado na escola naval, tornou-se tenente. Ivan estava no Maydan desde início, disse que prestou o juramento militar e deveria estar ao lado de seu povo. Recebeu ferimentos graves no momento do ataque do “Berkut” em 19 de fevereiro de 2014, e morreu, devido aos ferimentos em março do mesmo ano.

Nova Ucrânia. Em vez de epílogo

Em 20 de fevereiro, após Maydan sobreviver o ataque de fogo, ficou óbvio que Euromaydan tinha vencido. Naquele dia uma nova Ucrânia nasceu nas pedras negras da fuligem e das pedras vermelhas do sangue das calçadas de Kyiv. E ao mesmo tempo o acabou o mito do “mundo tríuno russo” – este mito imperial teve o seu fim lógico na rua Institutska. 

Depois se segui a ocupação e anexação da Crimeia – Ucrânia seguiu seu próprio caminho rumo a Europa, e a Rússia de Putin foi na direção oposta – mergulhando cada vez mais nas profundezas da habitual servidão eclesiástico e das sanções.

Foto: GettyImages | arquivos pessoais | Internet | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

Dmytro Holubnichiy em janeiro de 2019 toca a sua bandura na Maydan:

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