Um
dos mitos comunistas sobre a União Soviética é a suposta qualidade dos
alimentos consumidos pelos seus cidadãos — pessoas alegadamente se alimentavam apenas
com produtos naturais e confiáveis, muito superiores aos alimentos capitalistas
atuais.
Na
realidade, a URSS era um país bastante pobre, com a qualidade de vida ao nível
dos restantes países do terceiro mundo, e com a semelhante qualidade dos seus
alimentos. Os alimentos de qualidade ou não existiam ou eram um deficit
terrível – e, para “obtê-los”, era necessário ficar horas e horas nas filas intermináveis.
Como o resultado – toda a cozinha soviética consistia em tentativas de cozinhar
algo mais ou menos decente daquilo que os donos de casa conseguiram “apanhar/pegar”.
Os alimentos industrializados soviéticos
Nas
mercearias soviéticas sempre havia muito pão, que era apresentado pelas
autoridades comunistas como uma conquista incrível, na URSS até mesmo existia um
culto especial do pão. O pão soviético (especialmente longe das grandes
cidades) era um “tijolo” azedo muito pouco apetecível, com a massa cinza-esverdeada
mal cozida – nas aldeias belarusas ou ucranianas das décadas de 1970-90 esse
pão era comprado pelos criadores de porcos como alimento para os seus animais. A
foto abaixo mostra este tipo do pão:
Nas
mercearias havia uma variedade de conservas, na base de vinagre, em abundância,
como tomate ou pepinos, em boas lojas nas capitais republicanas poderia haver comida
enlatada húngara de marca GLOBUS. Também poderia haver enlatados de cevada com
carne ou espadilha em molho de tomate. A abundância de alimentos enlatados nas
prateleiras soviéticas é explicada pelo fa(c)to de que eles eram fabricados
para o ministério da defesa e faziam parte das rações de combate – a indústria
militar era provavelmente a única coisa mais ou menos funcional na URSS.
Sequência da comédia soviética “Cem Gramas para a Bravura” (1976) |
Em
geral, os balcões das lojas soviéticas eram iguais às mostradas na comédia soviética
“Cem Gramas para a Bravura” de 1976 – muito antes da chegada da Perestroika e
dos “malditos anos 1990” do proto-capitalismo liberal.
Sequência do drama soviético “Moscovo não acredita em lágrimas” (1979) |
A
simples mortadela era um tremendo deficit. A foto abaixo mostra uma sequência
do filme “Moscovo não acredita em lágrimas” (de 1979, prémio Óscar de 1981 na
categoria “Melhor filme estrangeiro”), no qual a personagem Katerina corre para
agarrar um pedaço de comida vinda dos fundos da loja – só depois olha o que
exatamente conseguiu “apanhar/pegar”. Eram os reflexos que os cidadãos
soviéticos desenvolveram ao longo das privações permanentes que duraram na URSS
desde a sua fundação até a derrocada final em dezembro de 1991.
Reparem a “qualidade” do frango soviético, que mais parece um gato vadio/vira-lata azul e doente |
Nos
talhos/açougues soviéticos vendiam apenas os ossos da segunda ou da terceira
categoria, os frangos eram um deficit incrível – era considerado um grande
sucesso “apanhar” a carcaça azul-amarela torturada e rasgada de um frango magro
soviético. As
lojas extremamente malcheirosas vendiam a batata congelada [entre outono à
primavera], a cenoura suja, o repolho apodrecido e coberto de bolor negro e a
mesma cebola podre.
Quase única carne razoavelmente comestível era vendida nos bazares, de forma pouco salubre |
As
mercearias também vendiam ovos, a nata diluída, leite e kefir em garrafas, cevada e trigo sarraceno, algumas massas e sopas
liofilizadas – que, aliás, também faziam parte das rações de combate do exército.
Isso praticamente é tudo.
A
imagem acima mostra com precisão o conjunto de alimentos de uma típica família
soviética, praticamente 90% das suas compras diárias – aquele pão azedo verde do
tipo “tijolo”, duas ou três dúzias de ovos, algumas latas de comida enlatada,
um par de garrafas de leite, e provavelmente a nata servida por quilo, trazida
numa lata metálica.
Alimentos nas cantinas soviéticas
As
cantinas soviéticas existiam num ambiente sem concorrência, o que significa que
elas trabalhavam numa velocidade mínima, por assim dizer, de acordo com o
princípio soviético dominante: “para que arrumar a mesa – eles vão tachar tudo na
mesma?!!”
O
menu/cardápio da cantina soviética média era aproximadamente igual – alguma
sopa, à calhar entre a sopa de repolho do chucrute, sopa borsch ou sopa de picles,
sopa de ervilha, sopa de leite com arroz ou macarrão. As sopas de cantinas
soviéticas combinavam bem com o ditado russo: “a sopa [russa] schi – se deseja vai comê-la ou então lava a piça nela”.
Segundo
prato era a carne moída, composta por 60% de pão e 40% restantes de restos da
gordura da carne, temperadas com muito alho (para repelir o cheiro de carne tocada).
Havia “costeletas” feitas de peixe picado – sempre amargas e recheadas com
fragmentos de espinhas. O acompanhamento era papa/mingau, massas e puré de
batatas. Saladas e vegetais eram extremamente raros – na melhor das hipóteses,
podiam cortar repolho e cenoura e despejar algum óleo de cozinha por cima ou
fazer um vinagrete com beterraba e batatas cozidas.
A
dieta do cidadão
soviético. Epílogo
E
aqui chegamos ao ponto mais interessante – a típica dieta diária de um(a) soviético/a.
Os alimentos pobres e insalubres na URSS foram implantados nas mentes dos
cidadãos como norma, desde a sua primeira infância. Aqui está um exemplo da
ração do “típico homem soviético” do livro infantil de propaganda “Língua
pátria”:
Imagem
mostra o pequeno-almoço/café-de-manha típico em forma de algum tipo de papa/mingau
frio e não apetitoso (provavelmente semolina) e um copo de chá com uma tarte. Ao
almoço – algum tipo de balanda [sopa
vazia] com gordura flutuante, o segundo – duas “costeletas” de carne moída e metade
(!) de um pequeno pepino (o resto fica guardado para a festa do Ano Novo!). Ao
jantar – os ovos mexidos e pão com manteiga. É tudo. Sem saladas, sem sobremesas,
sem pratos mais ou menos elaborados, que podemos chamar de culinária – apenas
uma espécie de ração no hospital-prisão para garantir a sobrevivência do
camarada cidadão.
São
as imagens que precisam de serem mostradas aos fãs da URSS que sonham em voltar
para lá – às vezes os livros soviéticos mostravam essa realidade muito melhor
do que qualquer um dos nossos artigos críticos sobre o mesmo tema...
Fotos:
GettyImages | Internet | Texto: Maxim
Mirovich
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