quarta-feira, fevereiro 13, 2019

Os segredos da maravilhosa culinária soviética

Um dos mitos comunistas sobre a União Soviética é a suposta qualidade dos alimentos consumidos pelos seus cidadãos — pessoas alegadamente se alimentavam apenas com produtos naturais e confiáveis, muito superiores aos alimentos capitalistas atuais.

Na realidade, a URSS era um país bastante pobre, com a qualidade de vida ao nível dos restantes países do terceiro mundo, e com a semelhante qualidade dos seus alimentos. Os alimentos de qualidade ou não existiam ou eram um deficit terrível – e, para “obtê-los”, era necessário ficar horas e horas nas filas intermináveis. Como o resultado – toda a cozinha soviética consistia em tentativas de cozinhar algo mais ou menos decente daquilo que os donos de casa conseguiram “apanhar/pegar”.

Os alimentos industrializados soviéticos

Nas mercearias soviéticas sempre havia muito pão, que era apresentado pelas autoridades comunistas como uma conquista incrível, na URSS até mesmo existia um culto especial do pão. O pão soviético (especialmente longe das grandes cidades) era um “tijolo” azedo muito pouco apetecível, com a massa cinza-esverdeada mal cozida – nas aldeias belarusas ou ucranianas das décadas de 1970-90 esse pão era comprado pelos criadores de porcos como alimento para os seus animais. A foto abaixo mostra este tipo do pão:
Nas mercearias havia uma variedade de conservas, na base de vinagre, em abundância, como tomate ou pepinos, em boas lojas nas capitais republicanas poderia haver comida enlatada húngara de marca GLOBUS. Também poderia haver enlatados de cevada com carne ou espadilha em molho de tomate. A abundância de alimentos enlatados nas prateleiras soviéticas é explicada pelo fa(c)to de que eles eram fabricados para o ministério da defesa e faziam parte das rações de combate – a indústria militar era provavelmente a única coisa mais ou menos funcional na URSS.
Sequência da comédia soviética “Cem Gramas para a Bravura” (1976)
Em geral, os balcões das lojas soviéticas eram iguais às mostradas na comédia soviética “Cem Gramas para a Bravura” de 1976 – muito antes da chegada da Perestroika e dos “malditos anos 1990” do proto-capitalismo liberal.
Sequência do drama soviético “Moscovo não acredita em lágrimas” (1979)
A simples mortadela era um tremendo deficit. A foto abaixo mostra uma sequência do filme “Moscovo não acredita em lágrimas” (de 1979, prémio Óscar de 1981 na categoria “Melhor filme estrangeiro”), no qual a personagem Katerina corre para agarrar um pedaço de comida vinda dos fundos da loja – só depois olha o que exatamente conseguiu “apanhar/pegar”. Eram os reflexos que os cidadãos soviéticos desenvolveram ao longo das privações permanentes que duraram na URSS desde a sua fundação até a derrocada final em dezembro de 1991.
Reparem a “qualidade” do frango soviético, que mais parece um gato vadio/vira-lata azul e doente
Nos talhos/açougues soviéticos vendiam apenas os ossos da segunda ou da terceira categoria, os frangos eram um deficit incrível – era considerado um grande sucesso “apanhar” a carcaça azul-amarela torturada e rasgada de um frango magro soviético. As lojas extremamente malcheirosas vendiam a batata congelada [entre outono à primavera], a cenoura suja, o repolho apodrecido e coberto de bolor negro e a mesma cebola podre.
Quase única carne razoavelmente comestível era vendida nos bazares, de forma pouco salubre
As mercearias também vendiam ovos, a nata diluída, leite e kefir em garrafas, cevada e trigo sarraceno, algumas massas e sopas liofilizadas – que, aliás, também faziam parte das rações de combate do exército. Isso praticamente é tudo.
A imagem acima mostra com precisão o conjunto de alimentos de uma típica família soviética, praticamente 90% das suas compras diárias – aquele pão azedo verde do tipo “tijolo”, duas ou três dúzias de ovos, algumas latas de comida enlatada, um par de garrafas de leite, e provavelmente a nata servida por quilo, trazida numa lata metálica.

Alimentos nas cantinas soviéticas

As cantinas soviéticas existiam num ambiente sem concorrência, o que significa que elas trabalhavam numa velocidade mínima, por assim dizer, de acordo com o princípio soviético dominante: “para que arrumar a mesa – eles vão tachar tudo na mesma?!!

O menu/cardápio da cantina soviética média era aproximadamente igual – alguma sopa, à calhar entre a sopa de repolho do chucrute, sopa borsch ou sopa de picles, sopa de ervilha, sopa de leite com arroz ou macarrão. As sopas de cantinas soviéticas combinavam bem com o ditado russo: “a sopa [russa] schise deseja vai comê-la ou então lava a piça nela”.
Segundo prato era a carne moída, composta por 60% de pão e 40% restantes de restos da gordura da carne, temperadas com muito alho (para repelir o cheiro de carne tocada). Havia “costeletas” feitas de peixe picado – sempre amargas e recheadas com fragmentos de espinhas. O acompanhamento era papa/mingau, massas e puré de batatas. Saladas e vegetais eram extremamente raros – na melhor das hipóteses, podiam cortar repolho e cenoura e despejar algum óleo de cozinha por cima ou fazer um vinagrete com beterraba e batatas cozidas.

A dieta do cidadão soviético. Epílogo

E aqui chegamos ao ponto mais interessante – a típica dieta diária de um(a) soviético/a. Os alimentos pobres e insalubres na URSS foram implantados nas mentes dos cidadãos como norma, desde a sua primeira infância. Aqui está um exemplo da ração do “típico homem soviético” do livro infantil de propaganda “Língua pátria”:
Imagem mostra o pequeno-almoço/café-de-manha típico em forma de algum tipo de papa/mingau frio e não apetitoso (provavelmente semolina) e um copo de chá com uma tarte. Ao almoço – algum tipo de balanda [sopa vazia] com gordura flutuante, o segundo – duas “costeletas” de carne moída e metade (!) de um pequeno pepino (o resto fica guardado para a festa do Ano Novo!). Ao jantar – os ovos mexidos e pão com manteiga. É tudo. Sem saladas, sem sobremesas, sem pratos mais ou menos elaborados, que podemos chamar de culinária – apenas uma espécie de ração no hospital-prisão para garantir a sobrevivência do camarada cidadão.

São as imagens que precisam de serem mostradas aos fãs da URSS que sonham em voltar para lá – às vezes os livros soviéticos mostravam essa realidade muito melhor do que qualquer um dos nossos artigos críticos sobre o mesmo tema...

Fotos: GettyImages | Internet | Texto: Maxim Mirovich

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