segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Amnésia do GULAG na Europa: lutar contra o esquecimento

O projeto italiano Amnésia Gulag na Europa (AGE) origina-se da necessidade de preencher o lapso de memória que durante décadas, caracterizou em toda a Europa, a história das perseguições e extermínios cometidos nos campos de concentração comunistas do GULAG soviético. Este é o objetivo das diferentes atividades educacionais e científicas do projeto.

Uma das obras do projeto, co-financiado pela União Europeia no âmbito do programa “Europa para os Cidadãos”, Acção 4 “Memória Europeia Activa” foi a publicação em 2015 do livro Remembering the Gulag. Images and imagination, editado pela coordenadora do projeto Natascia Mattucci.

Como explica própria Dra. Mattucci no prefácio do livro: “A interseção entre história, filosofia, literatura, artes visuais – já foi frutífera ao lançar luz sobre o totalitarismo nazi e a Shoah como epítome de um século mortalmente violento - é o caminho seguido na pesquisa metodológica para o projeto europeu AGE, Amnesia in Gulag Europe, como testemunham os ensaios coletados neste volume”.

Insurgentes lituanos e ucranianos na luta e na prisão

Após a reocupação soviética da Lituânia e Ucrânia, em ambos os países as autoridades soviéticas encontraram forte resistência armada, conhecida genericamente como “irmandade da floresta” na Lituânia (1944-1953) e Exército Insurgente da Ucrânia, UPA (1942-1955) na Ucrânia.

Após a morte de Estaline e com aumento da mais diversa repressão soviética, os dois movimentos foram bastante enfraquecidos, os caminhos dos insurgentes ucranianos e lituanos começaram se cruzar no GULAG e nos locais de deportação.

por: Darius Juodis, historiador lituano, diretor do Museu do Deportações e da Resistência de Kaunas (Lituânia)

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Representantes de ambas as nações tinham muitos objetivos semelhantes e um inimigo comum. Portanto, não foi difícil chegar a um consenso. As memórias dos antigos prisioneiros políticos lituanos mencionam frequentemente os ucranianos como companheiros de armas com quem construíram amizades pessoais. Eles foram principalmente unidos por um destino comum atrás das grades. Como recorda Jonas Žičkus, um ex-insurgente lituano e prisioneiro de GULAG soviético: «o grupo de prisioneiros consistia em pessoas de diferentes nacionalidades: lituanos, letões, estónios, ucranianos e outras. Todos compartilhamos o nosso fardo por igual e as nossas relações foram normais». Eles eram amigos ao nível humano. Como lembra Danute Ulozaite presa por atividades de resistência: «nós cortamos feno com foices e o secamos e o taiga ressoava com as nossas canções. Foi muito divertido. Nós vivíamos como uma família. As mulheres ucranianas e russas eram amigáveis, elas aprendiam as palavras lituanas e nós aprendemos as suas canções».

Lituanos e ucranianos celebravam feriados religiosos juntos, embora escondiam isso das autoridades prisionais. O ex-preso político Balys Juknevičius recorda: «O Natal chegou – não o primeiro e não o último na prisão. Toda a gente dos Estados Bálticos comemorava, em conjunto, a véspera de Natal. Os ucranianos eram nossos convidados. Na manhã de Natal, os ucranianos saíram para trabalhar usando apelidos/sobrenomes lituanos e lituanos ficaram nas barracas para celebrar o Natal. Os chekistas ficaram surpresos que todos os lituanos saíram para trabalhar durante a festa [pensando] que os ucranianos ortodoxos ficaram nas barracas». Foi assim que eles mostraram sua solidariedade para com outros.

Às vezes havia situações problemáticas. Leonas Vilutis, membro do movimento de resistência lituana lembra como a administração dos campos de trabalho tentou colocar as diferentes nacionalidades umas contra as outras, devido ao medo da unificação e das revoltas. Vilutis recorda um conflito entre lituanos e ucranianos num dos campo de GULAG, que foi incitado pela administração do campo. Os dois lados estavam armados e esperavam apenas uma escaramuça, mas tudo foi resolvido pacificamente e a administração do campo ficou insatisfeita. Segundo as suas recordações: «depois desse teste, os lituanos e os ucranianos uniram as forças». Suas relações amistosas só se fortaleceram. Há evidências de que os presos políticos lituanos e ucranianos lutaram juntos contra a hierarquia dos criminosos comuns [frequentemente apoiados e até armados pela administração dos campos] e venceram.

A unificação foi politicamente motivada. Administração do GULAG e os criminosos comuns se referiam aos lituanos e ucranianos pejorativamente como “fascistas”. Isso incentivou ainda mais a unificação contra um inimigo comum. A unidade das duas nações foi vista durante as revoltas em GULAG, em que os lituanos e os ucranianos participaram ativamente lutando pelos seus direitos. Pranas Skeiveris, um ex-membro da resistência lituana lembra que na revolta de Kengir em 1954 (em que participaram os lituanos e ucranianos, e os ucranianos foram eleitos para o Conselho da revolta): «A frente unida dos prisioneiros durante a revolta foi um enorme consenso político e nacional. Uma noite de amizade entre as nações foi realizada mais tarde, durante a qual recordamos as batalhas comuns contra os invasores e percebemos que nosso objetivo comum era a luta pela liberdade”.

A cooperação entre ucranianos e lituanos também foi notada nas revoltas em Norilsk e Vorkuta em 1953. Bronius Zlatkus, um prisioneiro político lituano, testemunha a situação nos campos de trabalho de Norilsk, onde havia uma relação amigável entre lituanos e ucranianos ocidentais [ucranianos oriundos da Ucrânia Ocidental], e eles se juntavam as forças. A partir de 1952, grupos de resistência foram formados para examinar a situação no campo.

Exemplos atestam que representantes de ambas as nações lutaram de várias maneiras para a independência de seus países e nunca esqueceram as suas aspirações. Tais interesses não tinham objetivos opostos, mas se tornaram a base de uma frente unida durante o seu encarceramento [no GULAG comunista soviético].

Remembering the Gulag. Images and imagination
Editado por Natascia Mattucci
ISBN: 978-88-6056-415-3
Primeira edição (italiana): fevereiro de 2015
©2015 EUM Edizioni Università di Macerata

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