O
projeto italiano Amnésia Gulag na Europa (AGE)
origina-se da necessidade de preencher o lapso de memória que durante décadas, caracterizou
em toda a Europa, a história das perseguições e extermínios cometidos nos
campos de concentração comunistas do GULAG soviético. Este é o objetivo das
diferentes atividades educacionais e científicas do projeto.
Uma
das obras do projeto, co-financiado pela União Europeia no âmbito do programa
“Europa para os Cidadãos”, Acção 4 “Memória Europeia Activa” foi a publicação
em 2015 do livro Remembering the Gulag. Images and imagination, editado pela
coordenadora do projeto Natascia Mattucci.
Como
explica própria Dra. Mattucci no prefácio do livro: “A interseção entre
história, filosofia, literatura, artes visuais – já foi frutífera ao lançar luz
sobre o totalitarismo nazi e a Shoah
como epítome de um século mortalmente violento - é o caminho seguido na
pesquisa metodológica para o projeto europeu AGE, Amnesia in Gulag Europe, como
testemunham os ensaios coletados neste volume”.
Insurgentes
lituanos e ucranianos na luta e na prisão
Após
a reocupação soviética da Lituânia e Ucrânia, em ambos os países as autoridades
soviéticas encontraram forte resistência armada, conhecida genericamente como “irmandade
da floresta” na Lituânia (1944-1953) e Exército Insurgente da Ucrânia, UPA
(1942-1955) na Ucrânia.
Após
a morte de Estaline e com aumento da mais diversa repressão soviética, os dois
movimentos foram bastante enfraquecidos, os caminhos dos insurgentes ucranianos
e lituanos começaram se cruzar no GULAG e nos locais de deportação.
por:
Darius Juodis, historiador lituano, diretor do Museu do Deportações e da
Resistência de Kaunas (Lituânia)
[...]
Representantes
de ambas as nações tinham muitos objetivos semelhantes e um inimigo comum.
Portanto, não foi difícil chegar a um consenso. As memórias dos antigos
prisioneiros políticos lituanos mencionam frequentemente os ucranianos como
companheiros de armas com quem construíram amizades pessoais. Eles foram
principalmente unidos por um destino comum atrás das grades. Como recorda Jonas
Žičkus, um ex-insurgente lituano e prisioneiro de GULAG soviético: «o grupo de
prisioneiros consistia em pessoas de diferentes nacionalidades: lituanos,
letões, estónios, ucranianos e outras. Todos compartilhamos o nosso fardo por
igual e as nossas relações foram normais». Eles eram amigos ao nível humano.
Como lembra Danute Ulozaite presa por atividades de resistência: «nós cortamos
feno com foices e o secamos e o taiga
ressoava com as nossas canções. Foi muito divertido. Nós vivíamos como uma
família. As mulheres ucranianas e russas eram amigáveis, elas aprendiam as palavras
lituanas e nós aprendemos as suas canções».
Lituanos
e ucranianos celebravam feriados religiosos juntos, embora escondiam isso das
autoridades prisionais. O ex-preso político Balys Juknevičius recorda: «O Natal
chegou – não o primeiro e não o último na prisão. Toda a gente dos Estados
Bálticos comemorava, em conjunto, a véspera de Natal. Os ucranianos eram nossos
convidados. Na manhã de Natal, os ucranianos saíram para trabalhar usando
apelidos/sobrenomes lituanos e lituanos ficaram nas barracas para celebrar o
Natal. Os chekistas ficaram surpresos
que todos os lituanos saíram para trabalhar durante a festa [pensando] que os
ucranianos ortodoxos ficaram nas barracas». Foi assim que eles mostraram sua
solidariedade para com outros.
Às
vezes havia situações problemáticas. Leonas Vilutis, membro do movimento de
resistência lituana lembra como a administração dos campos de trabalho tentou
colocar as diferentes nacionalidades umas contra as outras, devido ao medo da
unificação e das revoltas. Vilutis recorda um conflito entre lituanos e
ucranianos num dos campo de GULAG, que foi incitado pela administração do
campo. Os dois lados estavam armados e esperavam apenas uma escaramuça, mas
tudo foi resolvido pacificamente e a administração do campo ficou insatisfeita.
Segundo as suas recordações: «depois desse teste, os lituanos e os ucranianos
uniram as forças». Suas relações amistosas só se fortaleceram. Há evidências de
que os presos políticos lituanos e ucranianos lutaram juntos contra a hierarquia
dos criminosos comuns [frequentemente apoiados e até armados pela administração dos
campos] e venceram.
A
unificação foi politicamente motivada. Administração do GULAG e os criminosos
comuns se referiam aos lituanos e ucranianos pejorativamente como “fascistas”.
Isso incentivou ainda mais a unificação contra um inimigo comum. A unidade das
duas nações foi vista durante as revoltas em GULAG, em que os lituanos e os
ucranianos participaram ativamente lutando pelos seus direitos. Pranas
Skeiveris, um ex-membro da resistência lituana lembra que na revolta de Kengir
em 1954 (em que participaram os lituanos e ucranianos, e os ucranianos foram
eleitos para o Conselho da revolta): «A frente unida dos prisioneiros durante a
revolta foi um enorme consenso político e nacional. Uma noite de amizade entre
as nações foi realizada mais tarde, durante a qual recordamos as batalhas
comuns contra os invasores e percebemos que nosso objetivo comum era a luta
pela liberdade”.
A
cooperação entre ucranianos e lituanos também foi notada nas revoltas em Norilsk
e Vorkuta
em 1953. Bronius Zlatkus, um prisioneiro político lituano, testemunha a
situação nos campos de trabalho de Norilsk, onde havia uma relação amigável
entre lituanos e ucranianos ocidentais [ucranianos oriundos da Ucrânia Ocidental], e eles
se juntavam as forças. A partir de 1952, grupos de resistência foram formados
para examinar a situação no campo.
Exemplos
atestam que representantes de ambas as nações lutaram de várias maneiras para a
independência de seus países e nunca esqueceram as suas aspirações. Tais
interesses não tinham objetivos opostos, mas se tornaram a base de uma frente
unida durante o seu encarceramento [no GULAG comunista soviético].
Remembering the Gulag.
Images and imagination
Editado
por Natascia Mattucci
ISBN:
978-88-6056-415-3
Primeira
edição (italiana): fevereiro de 2015
©2015 EUM Edizioni
Università di Macerata
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