A
Crimeia costumava ser uma pacífica região solarenga. Ninguém imaginara que, um
dia, aquele resort costeiro se encontrasse sob ocupação, tornando-se numa base
militar atrás de arame farpado. Mas tal aconteceu.
por:
Inna Ohnivets, Embaixadora da Ucrânia em Portugal
Há
uns anos atrás, respondendo à sua própria pergunta “Onde terminam as fronteiras
da Rússia?”, Putin disse, em tom jocoso, que “As fronteiras da Rússia não
terminam em ponto nenhum”. É claro que os impérios não gostam nada de ter as
suas fronteiras delimitadas, e sempre as desejam expandir.
Recorrendo
à violação flagrante dos princípios e normas do Direito Internacional, a Rússia
decidiu expandir o seu território por conta do território ucraniano.
Ora
bem. A Crimeia, península ucraniana, tem uma história rica e cativante e é o
lar de muitas minorias e de populações indígenas, como os tártaros da Crimeia.
Como é sabido, a história da península pode ser traçada ao longo de 3.000 anos,
enquanto a sua associação ao império russo e soviético remonta a apenas dois
séculos e meio, durante os quais os tártaros da Crimeia sofreram vários
genocídios e, em 1944, muitos foram deportados para regiões a milhares de
quilómetros para leste, só podendo voltar a casa quando a Ucrânia conquistou a
sua independência.
É,
portanto, um facto objectivo e documentado que os russos não são uma população
originária da Crimeia, mas, em 2014, inventaram e lançaram o mito da “Crimeia
sempre foi russa”, um mito político que engloba um sistema de falsos conceitos
históricos destinados a validar o direito exclusivo da Rússia para se apoderar
da Crimeia, com o objetivo de justificar a ocupação russa aos olhos do mundo. A
Crimeia costumava ser uma pacífica região solarenga. Ninguém imaginara que, um
dia, aquele resort costeiro se encontrasse sob ocupação, tornando-se numa base
militar atrás de arame farpado. Mas tal aconteceu.
O
mês de fevereiro de 2014 tornou-se um ponto de viragem para a história europeia
moderna: a Rússia levou a cabo uma intervenção militar no território soberano
da Ucrânia e ocupou parte dele. Soldados russos de uniforme sem insígnia
bloquearam unidades militares ucranianas nas suas próprias bases. Ao mesmo
tempo, os oficiais russos falsificaram os resultados do referendo na Crimeia,
alegando que os residentes tinham concordado em juntar-se à Rússia. Hoje, todos
sabemos que o chamado referendo foi conduzido sob a mira das armas russas. O
próprio Presidente russo assumiu publicamente este facto. Foi assim que a Rússia
iniciou uma guerra híbrida não declarada, usando táticas militares e de
informação não convencionais, com o objectivo de mudar as fronteiras legais da
Ucrânia.
A
comunidade internacional não podia aceitar tal audácia russa, condenando,
portanto, a ocupação ilegal da Crimeia numa série de deliberações de
organizações internacionais, incluindo a ONU, o Conselho da Europa e a OSCE.
Contudo, tal não preveniu a Rússia de ir ainda mais longe.
Depois
da ocupação e da tentativa de anexação da península da Crimeia e da invasão
subsequente em Donbas, em 2014, a Rússia abriu uma nova frente, agora no mar,
destinada à ocupação do Mar de Azov e do Estreito de Kerch, efetuando a
militarização acelerada da região, o que já teve consequências no equilíbrio da
segurança da mesma.
A
situação dos direitos humanos na Crimeia, após a ocupação russa, tem-se
degradado. A atmosfera de medo, intimidação, pressão física e psicológica
forçou cerca de 35-40 mil cidadãos ucranianos (incluindo cerca de 25 mil
tártaros da Crimeia) a deixar a Crimeia ocupada e a instalar-se noutras regiões
da Ucrânia. As autoridades russas usam tais métodos para eliminar qualquer
dissidência ou oposição pública à ocupação da Crimeia.
O
Kremlin continua a manter nas suas prisões os reféns ucranianos. Entre eles,
nomeadamente, estão agora os 24 marinheiros ucranianos que foram feitos
prisioneiros de guerra, o Prémio Sakharov, Oleg Sentsov, bem como tártaros da
Crimeia, que neste momento estão a passar por um segundo genocídio e uma
segunda deportação.
A
guerra russa contra a Ucrânia já quase entrou no seu sexto ano. Porém, apesar
de todos os acontecimentos dos últimos cinco anos, em particular os acima
descritos, continua a haver pessoas pelo mundo, jornalistas, políticos, etc., a
acreditar nos mitos russos, apoiando as ações do Kremlin e negando a verdadeira
natureza dos referidos acontecimentos. E é por isso que a luta ucraniana contra
os mitos políticos russos é uma condição essencial para a própria existência do
nosso país. Se nós não chamarmos as coisas pelos seus nomes, o Kremlin irá
ainda mais longe, e isto preocupará não apenas a Ucrânia. Se a Ucrânia não
resistir, isto apenas irá fomentar os apetites imperiais russos por outras
partes do mundo, incluindo a Europa.
A
autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
O
título original do artigo: “Cinco anos de ocupação”.
Bónus
Inna Ohnivets, terceira à esquerda com a camisa do SLB com o seu nome |
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