Muitos
fãs da URSS acreditam veemente que a União Soviética era um estado de alta moral
comunista onde não existia e nem poderia existir a prostituição. Naturalmente, a prostituição
sempre existia na “pátria do socialismo triunfante”, apenas se encontrando na clandestinidade,
a profundeza desta, dependia e muito, da situação política de cada momento.
No
longínquo ano de 1956, o 9º Departamento da Milícia criminal de Leninegrado possuía o dossier
operativo de 600 prostitutas que trabalhavam na cidade (são apenas as que foram
apanhadas pela milícia de segurança pública); 40,5% tinham uma
residência, mas não trabalham; 37,3% possuíam a residência e o emprego e 25,3% estavam
sem a ocupação fixa e sem o local de residência.
02.
O processo da procura dos clientes não era muito diferente daquilo que as suas companheiras
praticassem nos outros países — as meninas procuravam os clientes nas estações
de comboios, nos parques públicos, nos restaurantes e cafés, os levando às suas casas
ou aos locais especiais, geralmente nalgum apartamento de uma avozinha que
vivia sozinha e que recebia uma determinada taxa por cada cliente. Além disso, havia a possibilidade de praticar o sexo num táxi (o motorista também recebia o seu
quinhão), ou mesmo nas escadas de algum prédio calmo ou num quintal esquecido
(a cidade de Leninegrado tinha vários).
Os
preços na década de 1950 variavam entre 25 aos 100 rublos, que após a
reforma monetária de 1961 equivaliam aos 2,5 – 10 rublos (4,23 – 16,95
dólares). À título de comparação, uma garrafa de vodca custava na URSS (até
1972) os 2,87 rublos; um bom almoço numa cantina cerca de 1 rublo.
Por
sua vez, na cidade de Moscovo, apenas no 3º trimestre de 1958 pelas “visitas aos quartos
onde viviam os turistas estrangeiros e cidadãos soviéticos, bem como pelo assédio
agudo de homens nas ruas e nas praças junto às estações de caminhos-de-ferro de
Moscovo, foram detidas 278 mulheres de comportamento fácil”. Destas, 191 vivia em
Moscovo, 52 na província de Moscovo e 35 nas outras cidades soviéticas. Em termos
de ocupação, 98 nem trabalhavam, nem estudavam; 17 eram estudantes do ensino médio e
superior. Do universo de todas as mulheres detidas, 8 foram presas por violação do sistema
de registo domiciliar, 9 deportadas da cidade de Moscovo e da região de Moscovo
(na base da Deliberação № 1578-796s do Conselho de Ministros da URSS de 10 de
dezembro de 1956) e 42 foram atuadas criminalmente, acusadas de atos de pequeno
hooliganismo, na base da Deliberação do Presídio do Conselho Supremo da Rússia
Soviética de 19 de outubro de 1956.
Em
1961 a União Soviética adapta o Decreto “Sobre o reforço da luta contra as pessoas
que se evadem do trabalho socialmente útil e levam uma vida anti-social
parasitária”, as prostitutas soviéticas são alvos de repressões severas,
geralmente as deportações forçadas fora dos grandes centros urbanos.
Quando
em 1965, após a queda do Khrushov, este decreto deixou de funcionar de facto, as
prostitutas novamente foram alvos de medidas, geralmente educativas, de cariz ideológico.
Em algumas cidades, eram pendurados os “jornais do povo”, com as imagens, regra
geral, de uma mulher pintada e seminua, exposta à vergonha, apontando o seu local
de trabalho e endereço residencial. Dado que os cidadãos estavam algo
baralhados, sobre a ideia da existência (ou não) da prostituição na União
Soviética, por vezes tinham a dificuldade de entender se isso era uma anti-propaganda
visual ou a publicidade (fonte).
02.
Ao mesmo tempo, a prostituição não era proibida, nem reconhecida oficialmente na
URSS até 1986. De jure, este fenómeno social não existia na União Soviética, e
o Código Penal não tinha os artigos que o criminalizassem. O conceito foi
simplesmente retirado da jurisprudência soviética, pela decisão da alta
liderança do partido comunista, para mostrar ao mundo que URSS não padecia dos males
do “capitalismo burguês petrificante”.
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As profissionais de alta classe em algum hotel nos meados da década de 1980 |
Como
tal, as prostitutas eram atuadas criminalmente por “delitos relacionados”
menores, como alcoolismo, comportamento ruidoso, conduta desordenada e outros semelhantes.
Em geral, a situação neste domínio não é muito diferente das outras esferas da
vida na União Soviética – tudo estava guiado pelo princípio de “há cú, mas não
há o termo”. A “caça” às prostitutas e seu castigo posterior sob o peso dos
artigos “relacionados” era efetuado não somente pela polícia, mas também por todos
os tipos de “vigilantes voluntários”, os destacamentos da juventude comunista Komsomol
e as “brigadas de ajudantes da milícia”. Muitas vezes, as cenas engraçadas de
prostitutas trazidas às esquadras de milícia de segurança pública podem ser vistas
no cinema soviético da época de Perestroika.
03.
Uma etapa interessante na vida de prostitutas soviéticas começou no início da
década de 1970. Segundo pesquisa de criminologistas, naquela época emergiu uma nova
classe dos chamados “prostitutas de luxo” que trabalharam com os estrangeiros,
cobrando os seus serviços em divisas. Neste negócio estava envolvido toda uma
infra-estrutura, incluindo os gestores de hotéis, que facilitavam os locais dos
encontros, gerentes dos restaurantes (que tinham o poder absoluto de reservar as
mesas), etc. É claro que todas as pessoas envolvidas beneficiavam dos rendimentos
das prostitutas.
Sensivelmente
na mesma época KGB percebeu que seria proveitoso usar a situação decorrente, após
disso muitas “prostitutas de elite” que servem estrangeiros se tornaram as
informantes e colaboradoras não oficiais do KGB. As tarefas podiam ser diferentes
– tentar descobrir essa ou aquela informação, seguir alguém, fazer fotocópias
de certos documentos, e assim por diante. Bem, ou simplesmente recolher a o kompromat,
ou seja a informação confidencial e potencialmente prejudicial à reputação de uma
determinada pessoa.
A
ligação prostitutas-KGB funcionava particularmente ativamente durante os poucos
eventos internacionais realizados na URSS, como os Jogos Olímpicos de 1980. No
decorrer dos Jogos Olímpicos de Moscovo as prostitutas recrutadas trabalhavam nos
hotéis moscovitas “Russia”, “Metropol”, “Intourist”, “Belgrado”. Na capital da Ucrânia,
de um dos melhores hotéis de Kyiv, “Rus”, nas vésperas dos JO foram retiradas
(e deportadas fora da cidade) todas as prostitutas, sem tocar nas “de elite”, permitindo-lhes
o acesso total ao hotel aberto os estrangeiros a absolutamente fechado ao comum
cidadão soviético.
04.
Sobre a hierarquia do negócio. A do período soviético não difere muito da
existente atualmente. Classe superior as que cobram em divisas, operando em
hotéis caros. Classe menor – as prostitutas que cobravam em rublos. Ao
contrário as de “elite”, estas senhoras encaravam a prostituição como um
“negócio extra”, além do seu emprego principal. A “casta inferior” eram as
prostitutas que trabalhavam nas ruas, estações de comboios ou as prostitutas das
auto-estradas, servindo camionistas/camionhoneiros de logo curso e os motoristas
em geral. A “casta inferior” tinha a taxa mais alta de mortes e doenças
sexualmente transmissíveis, muitas vezes elas trabalhavam em conivência com o
crime organizado, cujas vítimas eram os motoristas e camionistas.
05.
No final da década de 1980, com o início da Perestroika, as prostitutas
começaram agir com mais ousadia e de forma aberta, muitas vezes provocando a
inveja de cidadãos soviéticos comuns, e até mesmo dos funcionários e oficiais da milícia de segurança pública:
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A jovem prostituta em Moscovo nas proximidades da praça Vermelha |
“Em
1983-1989 um ato com a prostituta de elite custava $50 dólares, a noite valia $200-300...
Eram as meninas de primeira classe, com conhecimento de línguas, e todas registadas
num departamento especial da milícia (não eram admitidas as “turistas”)”.
Por
volta da mesma época, o início da política de Glasnost, as revistas soviéticas,
começaram publicar diversos materiais sobre o fenómeno anteriormente tabu,
apareciam também uma grande quantidade de material cartoonista sobre as prostitutas:
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"Elas cá estabeleceram a ditadura feminina!" |
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"Desculpe, senhor, começaram nos levar para a safra de batata!" |
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Anúncio: "a Fábrica precisa de moleiros, moldadores, tecnólogos, putanas"
– Nada à fazer: a empresa precisa de divisas... |
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À esquerda: "Saudamos a subida de preços!" | À direita: "Nos temos as relações do mercado" |
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– Juntamo-nos para ir à aldeia à descansar. – Que inveja. Nos vamos para Sochi à trabalhar... |
Bónus: uma anedota
daquela época (+18).
Uma
prostituta se desloca de táxi, na hora de pagar, em vez de tirar os 25 rublos (o
valor do taxímetro), está dando os 100 (salários mensal de uma professora) ao
taxista e diz que este pode ficar com os trocos.
Taxista
em choque – onde que você trabalha?
Mulher
– sou operadora de minetes...
Taxista
– cê chupa as piças ou algo assim?
Mulher
– meu bem, qual é o seu salário?
Taxista
– uns 200 rublos por mês.
Mulher
– então, você é que chupa as piças, eu sou operadora de minetes...