Em 1992 a jornalista
investigativa, cientista política, escritora e mulher da rádio, Yevgenia Albats
(atualmente a editora-chefe da edição russa da revista The New Times Magazine),
publicou o livro “Mina de ação retardada. Retrato político do KGB da URSS” (editora
Russlit, ISBN 5865080091).
20 anos depois é
possível constatar que vários métodos criados e usados pelo KGB nas décadas de
1960 – 1990 são diariamente usados pelos seus sucessores. Dai a necessidade de
voltar ao trabalho de Albats para perceber melhor como um dos mecanismos do
poder gradualmente se transformou no poder em si...
KGB e Igreja Ortodoxa
Russa
KGB recrutava os
informadores entre a hierarquia da igreja: agente “Abado” é chefe do
Departamento editorial da Patriarquia de Moscovo, Metropolita Pitirim,
agente “Drozdov” era último patriarca da IOR, Alexis II, em
relação ao qual, como testemunham os documentos do KGB de 1988 foi “preparada a
ordem do chefe do KGB da URSS sobre a condecoração do agente “Drozdov” com a
“Diploma de Honra”. “Nenhuma candidatura do bispo, ainda mais de alta
hierarquia, muito menos o membro do Sínodo Sagrado, não passava sem a
confirmação do Comité Central do PCUS e do KGB,” – testemunha o ex-chefe do
Conselho das religiões do Conselho de Ministros da URSS, Konstantin Kharchev.
“Os contatos com KGB, para não dizer pior – o trabalho para KGB era a condição
indispensável para a subida na carreira na IOR: praticamente não havia
exceções”, – afirma padre Gleb
Yakunin.
KGB e a opinião pública
mundial
“Além da informação, PGU gasta os
seus esforços para a criação de desinformação. Para isso existe o serviço
especial das “ações ativas”. Este serviço estava infiltrado entre os
“movimentos da paz” fora da URSS, desempenhando entre eles um papel importante.
O Serviço “A” trabalhava com a disseminação de notícias falsas, principalmente
nos países do terceiro mundo. Uma delas é a versão do que SIDA foi o resultado
dos experimentes americanos com as armas biológicas. Em 1986-87 essa versão foi
ativamente propalada nos jornais soviéticos. “Gazeta Literária” publicou,
“Moscow news” resistia como podia. “MN” na altura era órgão da Agência de
Imprensa Novosti (APN), cujo chefe era ex-secretário do Comité Central do PCUS,
ex-embaixador da URSS na RFA, Valentim Falin, pessoa bastante educada e
intelectual. Falin praticamente “torcia as mãos” ao editor do “MN”, Yegor
Yakovlev, o obrigando publicar o artigo sobre “crime hediondo do militarismo
americano”. Yakovlev resistiu, parcialmente graças à opinião do acadêmico
imunologista Rem Petrov, que nas conversas privadas chamava essa versão de “invenção
doentia”.
Os dados da
Procuradoria-geral da Rússia apontam que entre 1981 e 1991 a pobre URSS
transferiu aos partidos comunistas e de esquerda, mais de 200 milhões de USD.
Por exemplo, KGB informava que “em resultado das eleições legislativas em Sri
Lanka, o principal partido oposicionista do país – Partido da Liberdade da Sri
Lanka (PLSL),
encabeçada pela Sirimavo
Bandaranaike, recebeu a ajuda financeira para a condução da campanha
eleitoral do partido (Deliberação do Comité Central do PCUS № 216 K/OB de
3.02.89), aumentando a sua representatividade no órgão legislativo de 8 para 67
deputados. Além disso, com o nosso auxílio material, no parlamento foi colocado
um certo número dos contatos de confiança do KGB da URSS, quer do PLSL, quer do
Partido Nacional Unido (PNU).
“Caros camaradas! Nós
próprios, claro, tentamos receber os recursos financeiros, nomeadamente através
dos pagamentos de resgates pelos representantes da oligarquia local, quando os
conseguimos raptar. Mas o desenvolvimento da luta armada contribui para que
quase todos eles deixassem o país e agora vivessem no estrangeiro”, com essa
espontaneidade infantil escrevem os pedintes de um país latino-americano
(Estenograma da audição parlamentar de investigação das atividades económicas
do PCUS, p. 8).
KGB e a juventude
O 5° Departamento (contrainteligência
ideológica) controlava os principais estabelecimentos de ensino de Moscovo. A
faculdade filológica da Universidade Estatal de Moscovo era conhecida como a
“faculdade das esposas diplomadas”, concorrida pelos filhos da nomenclatura
comunista e estatal. Os camaradas sabiam que faculdade era servida pelo KGB,
por isso ligavam-nos. Nas comissões de admissão sempre estava gente do KGB,
agentes, pessoas de confiança ou “contatos”. KGB lhes entregava a lista, quem
deveria entrar ou quem não deveria…
Quem não deveria,
obviamente não entrava. “Durante a verificação prévia dos candidatos que
concorriam ao Instituto de Literatura, em relação de alguns deles foram
recebidos os materiais que os comprometiam. Na base destes dados, os candidatos
Romanchuk, Kasianov, Chernobrovkin, Osipova foram barrados à admissão durante o
processo de exames de admissão”, informava o departamento em 1985. Tudo isso
continuava durante a Perestroica, “junho-agosto eram os meses mais quentes, mas
muitos fizeram a sua carreira nisso, os pais sabiam agradecer”, conta um dos
veteranos do KGB.
KGB: estado dentro do estado
KGB possuía:
inteligência, contrainteligência, polícia secreta, comunicações governamentais,
exército de guarda-fronteira, departamentos de investigação, contando com o
Departamento da luta contra o crime organizado, exército. Além disso, tinham uma
rede fechada de institutos de investigação e uma rede aberta, executando os
pedidos do KGB. Em 1991 o KGB tinha a intensão de criar a Direção ecológica. E
claro, tinham todo o resto, desde a religião até o desporto.
Os dados do Ministério
dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa apontam que dos 3.900 funcionários
do MNE da URSS, 2.200 trabalhavam para KGB e GRU. Boris Pankin, o ex-embaixador
soviético na Checoslováquia, último Ministro dos Negócios Estrangeiros
soviético e desde 1991 embaixador russo na Grã-Bretanha conta: “Nas embaixadas
cerca de metade do pessoal eram “aqueles rapazes”. Eles controlavam o coletivo,
por vezes até os embaixadores estavam nas suas mãos. Na Checoslováquia
chegou-se ao ponto de até os diplomatas de carreira, para aumentar o seu
rating, difundiam um rumor: eu não estou cá de qualquer maneira, estou pela
ordem (do KGB)”.
País dos informadores
Após a abertura dos
arquivos, foi sabido que a Stasi da RDA tinha 180.000 agentes no universo
populacional de 16,5 milhões; StB
na Checoslováquia possuía 140.000 informadores, entre eles 12 membros do
parlamento e 14 ministros e vice-ministros, no universo de 15,5 milhões de
habitantes. Usando a mesma proporção, podemos chegar a conclusão do que na URSS
com o KGB colaboravam no mínimo 2.900.000 cidadãos. O coronel do KGB na
reforma, Yaroslav Karpovich, que toda a sua vida trabalhou na
contrainteligência ideológica afirma que cerca de 30% da população adulta da
URSS de uma ou de outra maneira, como a pessoa de confiança ou como “ajudante
informal”, trabalhou para KGB.
As raízes do KGB
O Conselho dos
Comissários do Povo aprovou a deliberação oficial sobre o Terror Vermelho em 5
de setembro de 1918. Desde ai, a sigla VCheKa era decifrada
popularmente como – o Fim de Cada Homem… “O nosso terror é um terror forçado, –
afirmavam os líderes bolcheviques. Não é terror do CheKa, mas o terror da
classe operária”. Os líderes do CheKa eram mais honestos: “Com a vassoura de
ferro iremos varrer toda a canalhice da Rússia Soviética, – escrevia na revista
“Terror Vermelho” de 1 de novembro de 1918, o chefe do CheKa ucraniana, Martin Latsis. — Não
procurem no caso do acusado as provas se ele se sublevou contra os Sovietes com
as armas ou com as palavras. Primeiramente, vocês se devem perguntar, à que
classe social ele pertence, qual é a sua origem social, qual é a sua formação
acadêmica e qual é a sua profissão. Estas perguntas devem ditar o destino do
acusado. Nisso está o significado do Terror Vermelho”.
Já em 29 de abril de
1969, o futuro líder soviético, Yuri Andropov escreveu a carta ao Comité
Central do PCUS, propondo a abertura de uma rede das clínicas psiquiátricas
para a defesa do “regime estatal e social soviético”.
Uso do legado nazi
Após a vitória na
“Grande Guerra Patriótica”, milhares de prisioneiros soviéticos libertados dos
campos de concentração nazis foram enviados em massa aos campos de concentração
soviéticos na Sibéria. Além disso, apenas 3 mesas apos a capitulação da
Alemanha nazi, no dia 12 de agosto de 1945, no campo de concentração de Buchenwald apareceram os
primeiros prisioneiros da NKVD. A URSS também usou o campo de concentração de Sachsenhausen
e outros, no total 11, onde pelos dados da RFA morreram cerca de 65.000 homens,
mulheres e crianças.
Os arquivos do NKVD – KGB
O espião se tornou a
profissão mais massificada na URSS. Os dados do NKVD apontam que nos três anos,
de 1934 à 1937 o número de presos pela espionagem aumentou em 35 vezes (entre
eles à favor do Japão em 13 vezes, Alemanha – 20 vezes, Letônia – 40 vezes).
Os arquivos do KGB
contam por vezes coisas impensáveis. Sobre a prisão do alfaiate por colocar o
forro errado, do músico por tocar mal no concerto e desagradar o chefe do NKVD,
da professora que atribuiu a nota “errada” à filha do investigador…
Contam sobre o uso dos
clisteres de água escaldante, das celas de 50 x 50 sentimentos como no NKVD da
Ossétia do Norte. Contam que tortura não significa necessariamente o
espancamento brutal. É possível não bater, mas não deixar de ir à casa de banho
durante as interrogações intermináveis – “assinas – vou deixar” (tática usada em
menor escala e intensidade ainda nos anos 1980). Deixar sem comida durante
vários dias e almoçar em frente do interrogado. Não deixar dormir durante dias. Proibir mexer com os dedos das mãos ou
pês. Oferecer a água de sanita à pessoa que sente a sede insuportável. Mandar
para os “banhos frios” com o chão de cemento, algemar ao aquecedor quente e
prometer fazer o mesmo com a filha… Tudo isso são métodos de “trabalho” de apenas
um investigador do NKVD-MGB.
O escritor Lev Razgon assinou tudo. O
investigador não o batia, apenas o informou que se ele não assinar, a sua
esposa Oksana, que tinha uma forma grave de diabetes, será privada de insulina.
“Claro que eu concordei: privar Oksana de insulina significava mata-la”, dizia
Razgon. Ela foi privada de insulina na mesma e morreu durante a etapa, no
caminho para o campo de concentração. Tinha 22 anos.
Um outro processo:
“Interrogavam toda a noite – 17 horas… Sem dormir, sem comer… Exigiam o testemunho
falso…” Ano 1988! Moscovo…
A ciência de violar a
vida privada
A colocação do sistema
de escutas nos apartamentos que permitia saber, escutar e ver tudo o que lá
acontecia era um processo bastante caro. Primeiro, se deveria saber quem vivia nos
apartamentos ao lado, nos andares de cima e de baixo, por vezes em todo o
prédio. Depois se devia criar a possibilidade de afastar estes moradores. Nos
seus locais de trabalho combinava-se com o departamento de recursos humanos
para lhes conceder as férias, respetivamente se obtinham as guias para um
sanatório ou casa de repouso decente. Por vezes se dizia às pessoas que por
causa da segurança estatal eles deveriam ir para a sua casa de campo ou em
missão de serviço. Depois vinha o pessoal da 12° departamento e colocava os
aparelhos: microcâmara era colocada através do teto do apartamento de cima ou
em algum ponto que não dava nas vistas, por exemplo atrás do guarda-roupa. Um pintor
especial pintava ou colava partes danificadas, de maneira que o objeto destas
ações nunca desconfiava do sucedido. Tudo isso, se a pessoa do interesse do KGB
não estava na cidade. Caso contrário, a pessoa era bloqueada por um grupo do
KGB no serviço, outro bloqueava o serviço da esposa (marido) e a terceiro se
introduzia em casa e executava a tarefa.
KGB e finanças
A 6ª Direção do KGB
trabalhava com as empresas joint-venture. O dinheiro do KGB e do PCUS, qua
usavam os fundos do país ao seu prazer, foram aplicados como o capital inicial
dos cerca de 80% de novos bancos, bolsas e empresas comerciais soviéticas. O
papel de liderança nestes empreendimentos pertencia ao KGB, por um lado, a 6ª
Direção tinha como os consultores os melhores economistas soviéticos, por outro
lado tinha a experiência prática na criação de empresas e firmas de fachada
para os seus agentes ilegais em todo o mudo, em todo o tipo das economias do
mercado.
Em 1992 se sabia sobre 600
empresas comerciais e bancos, onde foram colocados cerca de 3 biliões de rublos
do PCUS e do KGB. Quantas empresas foram criadas na URSS e no estrangeiro sobre
as quais nunca se saberão as suas origens?
Em desafio do sistema
Em março de 1939 na
Ossétia do Norte foi aberto o “processo juvenil”, habitual caso falsificado,
que permitiu fuzilar os líderes da juventude comunista local. O advogado de um
dos acusados, Yasinskiy, tentou argumentar que o seu constituinte foi alvo de
métodos ilegais de investigação. Foi um ato da coragem de cidadania e do
desespero, o seu cliente foi fuzilado. O próprio advogado foi preso no dia
seguinte após o fim do processo, condenado pelas “calúnias” e morreu no campo
de concentração.
Mas será que havia no
NKVD – KGB as pessoas que se recusavam a espancar, torturar, maltratar as
pessoas? Havia! O chefe da Direção do NKVD da região do Extremo Oriente,
Tereniy Deribas se recusou prender as pessoas baseando-se nos testemunhos
falsos – foi fuzilado. Investigador Glebov se recusou recolher “os testemunhos”
contra o comandante Iona Yakir.
Foi fuzilado. Os chefes das direções provinciais do
NKVD – Kapustin e Volkov se suicidaram. O procurador da cidade de Vitebsk
(Belarus Soviética) teve e ideia “descabida” de verificar a legalidade da
detenção dos cidadãos nas celas do NKVD provincial. Fuzilado.
A ideologia do KGB
Os dados do inquérito
do laboratório sociológico do KGB da URSS, conduzido em maio – junho de 1991
apontam que:
— 50% dos estudantes da
escola superior do KGB da URSS seguiam a dupla moralidade, acreditando que
existe a moral para os seus e para os alheios; 35,5% acreditavam que “meta
justifica os meios”; 33,3% consideravam que moral do KGB difere da moral dos
cidadãos;
— 77,6% acreditavam que
a sabotagem era a causa da situação difícil do país; 19,3% culpavam disso os
serviços secretos ocidentais; 13,4% acreditavam que os líderes informais
radicais eram financiados pela CIA global; 42,3% culpavam a CIA em
relacionamentos interétnicos cada vez mais tensos na URSS;
— 62,6% aprovavam o uso
da força para dispersar as manifestações pacíficas, mesmo se isso significaria
verter a sangue, como aconteceu em abril de 1989 em Tbilissi.
Porquê KGB permitiu o
colapso da URSS?
Se KGB era tão
poderoso, porquê não evitou a derrocada da URSS. O livro da Yevgenia Albats explica isso
assim: “O segundo escalão do poder, não participando no golpe, consegui retirar
da cena política aqueles, que nele tiveram os papéis principais. Temo que
exatamente agora, na situação de caos e da falta total do poder, exatamente
este segundo escalão do poder, não comprometido com o golpe, irá chegar aos
mecanismos da direção do país”.
Fragmentos do livro:
Texto integral do
livro: