sábado, fevereiro 25, 2023

E depois do massacre de Bucha

Um ano depois do fim da cruel e desumana ocupação russa, a cidade ucraniana mártir, a cidade heroica se lembra de tudo, acompanha as investigações e aguarda a punição dos assassinos. 

A rua de Execução

Sua foto já póstuma, publicada no The New York Times, correu ao redor do mundo.

Um ciclista com luvas de algodão laranja, como as que os trabalhadores da construção civil costumam usar, está deitado de costas na rua Yablunska. Perto está uma parte da cerca com colunas de tijolos, uma placa “Casas geminadas” (os imóveis em Bucha sempre foram muito procurados), uma cratera de chegada cheia de água derretida e fragmentos de algo queimado. No fundo da rua, as figuras masculinas se afastam, também com bicicletas, o principal meio do transporte local durante a ocupação... Durante a ocupação mais de que um ciclista foi morto aqui.

Bucha, Mikhaylo Romanyuk, 57 anos.
Foto: Ministério dos Negócios Estrangeiros / das Relações Exteriores da Ucrânia

O autor da foto é Mykhailo Palinchak, fotógrafo documental, fotógrafo pessoal do quinto presidente da Ucrânia, Petró Poroshenko, e criador da comunidade ucraniana de fotografia de rua. Palinchak chegou a Bucha imediatamente após a retirada dos russos e a limpeza da cidade dos sabotadores e cúmplices do exército do agressor pelas forças especiais da Polícia Nacional da Ucrânia. Os corpos dos executados e queimados estavam por toda parte, eles estavam sendo levados para o necrotério. Outros, que foram executados com um tiro na nuca, tinham um trapo branco amarrado nas costas: um pedaço de lençol ou algo parecido. Os civis não se atreviam a sair de casa sem um distintivo na manga. No momento da execução, o mesmo distintivo fazia o papel de amarras.

“Eles ficaram lá por mais de um dia, provavelmente por semanas. Nunca vi nada parecido na minha vida e, espero, nunca mais ver”, disse o fotógrafo à publicação online ucraniana LB.ua. - ... tirei uma semana mais ou menos e não aguentei mais, parei. E essa, aliás, também é uma das diferenças entre os jornalistas ucranianos e ocidentais. Os jornalistas ocidentais vêm aqui em missão profissional, trabalham dois ou três meses e vão embora. Eles trabalham em turnos e têm a oportunidade de sair, descansar, reiniciar e voltar com vigor renovado. E nós moramos aqui e devemos ver, consertar, fazer todos os dias sem parar.”

A famosa rua Vokzalna, onde as forças ucranianas queimaram cerca de 30 blindados russos

De fato, os investigadores do NYT passaram muito tempo em Bucha. Monitoraram as redes sociais, buscaram as mensagens de parentes, amigos, colegas sobre os desaparecidos na cidade desde o final de fevereiro até o final de março de 2022. Verificaram as imagens de drones militares ucranianos e colaboraram com especialistas forenses. Para deixar claro a escala do crime como um todo: os repórteres se comprometeram a identificar apenas aqueles para quem a Rua Yablunska se tornou a rua da Execução - homens, mulheres, crianças - um total de 36 pessoas. No momento do lançamento da publicação interativa, ou seja, em 21 de dezembro de 2022, restavam 4 vítimas não identificadas deste número.

Quem era esse ciclista com luvas laranja ficou conhecido rapidamente: em abril, após um exame de DNA do necrotério da cidade de Bila Tserkva (o necrotério de Bucha transbordou imediatamente), parentes levaram os restos mortais de Mikhaylo Romanyuk, de 57 anos, e enterraram ele em um cemitério que crescia rapidamente.

Pelo menos 465 vidas civis foram ceifadas durante a ocupação, 419 delas foram mortas diretamente pelos militares russos. Entre os mortos estavam 12 crianças e jovens. Mais de cinquenta moradores de Bucha foram encontrados insepultos. Mas como os enterros continuam a ser descobertos até agora, as estatísticas das autoridades locais estão sendo complementadas.

Bucha, vítimas civis.
Foto: Ministério dos Negócios Estrangeiros / das Relações Exteriores da Ucrânia

São mais de mil objetos danificados (as estatísticas baseadas nos materiais do conselho municipal da cidade). Destes, 138 estão completamente destruídos, o restante está em grande parte ou parcialmente danificado. Mais especificamente, 130 são prédios de apartamentos, 974 são casas privados. 44 equipamentos de infraestrutura social foram danificados - hospitais, escolas, creches e outras instituições. E isso sem levar em conta os danos causados ​​à infraestrutura crítica.

“Aqui”, Hanna Grigorievna apontou com uma vara, “eles queimaram uma família. De propósito, eles a trouxeram para mais perto da floresta, porque a mulher não foi apenas morta, mas primeiro torturada, ela gritou, discutiu com eles. Eles cortaram o seu traseiro, quebraram a perna e o braço. A mulher parou de gritar, ela sangrou. Meus vizinhos não tinham medo de sair: “Por favor, não a queime! Permitam-nos a enterrar!” A metralhadora foi lhes apontada - não havia como... Os restos queimados. Cães vadios vieram correndo e começaram os agarrar. E este também (apontou ao gato com um pau) - os vizinhos viram - gato comeu ...

Apanhar Mikhailina Skorik-Shkarivskaya, a vice-prefeita, a “Ministra dos Negócios Estrangeiros / das Relações Exteriores de Bucha” para uma entrevista é considerado um sucesso jornalístico. No passado, a gestora de mídia e ativista social, a “Ministra” Mikhailina, após a ocupação, reuniu-se em Bucha e liderou dezenas de delegações ao redor, chocadas com o que viram: presidentes, primeiros-ministros, altos representantes da ONU, da NATO/OTAN, do Conselho da Europa, da Comissão Europeia. É impossível contar o número de conferências de imprensa em que participou, pontes de vídeo, zooms com potenciais investidores estrangeiros. Da massa de planos, negociações, projetos, finalmente surgiu o “Plano Marshall” para Bucha: “Os investimentos irão. Mas depois do fim da guerra. Até agora, apenas remendando buracos à custa de recursos internos. O grande capital estrangeiro simpatiza com a cidade-herói (esse status foi lhe atribuído em 25 de março de 2022 por decreto do presidente Zelensky), mas leva em consideração seus próprios riscos: hoje investiremos milhões em reconstrução e construção, e os mísseis russos destruirão tudo novamente...

Prédio onde os ocupantes russos montaram a sua sede

— Não há status de “cidade mártir” na Ucrânia. Talvez estivesse mais de acordo com as realidades de Bucha?

— Mas Bucha é uma cidade herói! Das 53.000 pessoas, após a desocupação, 3.700 pessoas permaneceram aqui, a Cruz Vermelha imediatamente compilou um registro. Cerca de 50.000 pessoas se evacuaram através de «corredores verdes» semi-oficiais sob grande risco, e os sobreviventes do terror foram os primeiros a reconstruir a cidade. Muito rapidamente limparam, lavaram, levantaram, na medida do possível, a infraestrutura destruída. No final de maio cidade recebeu luz, gás, água. No dia 1 de junho, no Dia das Crianças, realizamos o primeiro feriado, que foi muito mais massivo do que pensávamos. Perseverança, resistência, vontade de renascer - isso é sobre Bucha. Estrategicamente, agora nós, como ninguém, devemos mostrar a história do sucesso ucraniano. E sim, Bucha lembra de tudo, acompanha as investigações, aguarda a punição dos criminosos. Há testemunhas suficientes.

Eu pergunto se houve em Bucha quem colaborou com o exército de ocupação, apontando com o dedo: o padre “banderista” mora lá, os crentes protestantes lá, aqueles ali apoiaram o Maydan... Na região de Donetsk no início da guerra, nove anos atrás, havia, infelizmente, muitos casos destes.

— “Os russos receberam essas informações com antecedência”, responde o reitor da Igreja de Santo André, da Igreja Ortodoxa da Ucrânia (PCU), arcipreste Andrei (Galavin). 

— Mas também executavam de improviso. Sem nenhuma lista.

Bucha: Serhii, Roman e um desconhecido.
Foto: Ministério do Desenvolvimento Digital da Ucrânia

Ele lembra de um dos enterros espontâneos no parque: uma mulher foi queimada dentro do carro. Os moradores cobriram o corpo com terra e, em vez de uma cruz, colocaram uma placa para facilitar a identificação. Após uma pausa:

— O cantador do nosso templo também foi executado. Eles o torturaram e depois queimaram toda a sua família.

O padre lista as vítimas e as circunstâncias da sua morte em um tom uniforme. Testifica. Para confirmar, ele mostra fotos no seu telefone celular que dão vontade de fechar os olhos. A galeria está cheia dessas fotos.

Bucha, vítimas civis.
Foto: Ministério do Desenvolvimento Digital da Ucrânia

Eu não ousei à perguntar se algum dia ele iria apagá-las de sua memória.

Bucha — Kyiv

As fotos do Oleg Petrasyuk (EPA-EFE), que voltou à cidade e comparou como Bucha estava no dia 2 de abril de 2022 e agora.

Ler mais: https://novayagazeta.eu/articles/2023/02/24/after-bucha-en

Massacre de Bucha: https://www.pillarcatholic.com/after-bucha-massacre-ukrainians-look

1 comentário:

Anónimo disse...

Nessa época era questão de horas para Kyiv cair, segundo os analistas ocidentais. Aos poucos a Ucrânia foi conquistando espaço e atingindo grandes vitórias até retomar Kherson. O próximo passo é o Donbass, Criméia e por fim a grande batalha final junto com a OTAN: Moscou.