sábado, outubro 06, 2018

GULAG: o sistema de campos de concentração do regime comunista soviético

O entomologista e melitologista russo Viktor Grebennikov foi um dos prisioneiros dos campos de concentração comunistas, ele publicou as suas memórias e desenhos. O GULAG comunista em nada diferia dos campos nazis — os nazis queimavam as pessoas nos crematórios e os comunistas — atiravam os corpos dentro de minas abandonadas ou os enterravam nas valas comuns anónimas.

Viktor Grebennikov entrou no GULAG soviético aos 20 anos, presenciando todos os horrores dos campos comunistas na sua própria experiência – em 1947, e para não morrer de fome, ele falsificou um talão de racionamento. Foi apanhado, julgado como “inimigo político do Estado” e enviado para GULAG por 20 anos. Inicialmente trabalhou na mina de cobre de Karabash, em poucos meses se transformou num “acabado”, após disso foi admitido na unidade “cultural e educacional” do seu campo, para produzir a propaganda visual – o que salvou a sua vida. Viktor passou seis anos no GULAG e foi libertado, com a remoção completa das acusações, em 1953, após a morte do Estaline.

Em liberdade Victor Grebennikov tornou-se um conhecido entomologista, especialista em reprodução e proteção dos insetos, e durante algum tempo dirigiu a escola de arte para as crianças.

Mas até o fim de seus dias, Victor era atormentado por pesadelos do GULAG, ele sonhava, de forma recorrente – que polícia secreta soviética o prende à noite [como era a prática recorrente do NKVD-MGB], e o leva de volta aos campos de concentração para “servir” os restantes 14 anos da sua pena “estalinista”. No fim da URSS Victor publicou as memórias e desenhos, que mostram o GULAG soviético por dentro, visto pelas suas vítimas, na sua maioria pessoas completamente inocentes.

Auto-retrato e «Minhas Universidades»

Neste auto-retrato Victor Grebennikov tem 22 anos, ele escreveu: 

«Agora tenho 61 anos, mas ainda duas ou três vezes por semana tenho sonhos terríveis com detalhes naturalistas: os tempos mudaram, fui levado à cumprir os meus 14 anos “estalinistas” e estou novamente no GULAG, na etapa ou transferido entre os campos. Tudo isso — vividamente, super-real, com um anseio terrível e desesperado por filhos, netos, coisas inacabadas, livros inacabados, tristeza por todos os infelizes, mais uma vez impelidos por novos déspotas atrás do arame farpado, estes pesadelos me impedem de trabalhar, de concentrar-se e eu vivo por muito tempo nestes dois mundos simultaneamente – atual e GULAGianao”.

O mapa dos campos do GULAG que Victor chamou com a triste ironia de “Minhas Universidades” [em alusão ao livro homónimo do Maksim Gorki].
1. Miass, 1947. Tenho 20 anos. A prisão. “Celas da Detenção Preliminar” (KPZ), os primeiros horrores prisionais.
2. Zlatoust, 1947-1948. Uma das maiores e piores prisões da URSS. A investigação. A sessão externa do tribunal regional: 20 anos de campos de concentração. Etapa para a cidade de Chelyabinsk.
3. Chelyabinsk. 1948. Transferência entre os campos. Eu já sou um “acabado”, quase morto, espiritualmente quebrado.
4. Karabash, 1948–1950. Campo: o comandante é major Durakov (literalmente tolo, estúpido), um monstro sádico. Os criminosos comuns e os prisioneiros do artigo 58º (políticos), 1000-1200 pessoas. Minas de cobre, mineração de turfa, carreira de cal, carpintaria. Depois de um curto período de tempo parei no “campo zero” – praticamente a morte certa (as zonas fechadas em Karabash permaneceram ativas até o fim da URSS, não se sabe como estão agora).
5. Kyshtym, 1950–1951. Campo: cerca de 800 «inimigos do povo» e criminosos comuns. Transbordo do minério e do cobre da bitola estreita para a larga. Trabalho como pintor na unidade “cultural e educacional”.
6. Uvildy. 1951–1953. Campo: cerca de 1000 prisioneiros, políticos e criminosos comuns. Comandante – major Lavrov (um pessoa nada má – um caso raro). Trabalhos de construção civil, na fábrica de grafite, outras unidades, no abate de madeira. Sou um pintor, um topógrafo. Morreu Estaline, e no verão mais feliz de 1953, estou livre.
7. Odlyan – campo para jovens. De lá, até os campos de adultos regularmente eram enviadas as gerações crescidas com uma boa “experiência”. Odlyan até hoje continua o seu terrível “trabalho” mesmo agora (referindo-se aos últimos anos da URSS).
8. Linhas de alta tensão Taiginka — Uvildy. Não suspeitava que em 1952-1953 eu erguesse com as minhas próprias mãos um monumento aos aqui detidos – a linha de alta tensão. Que este meu memorial de muitos quilómetros (em vez de cruzes – torres) fica aqui para sempre.
9. «Chelyabinsk-40» (desde 1994 a cidade se chama de Ozyorsk). Primeira na URSS fábrica da morte atómica. Diversos campos de concentração. Aqui trabalhavam os [de facto] condenados à morte.

Como realmente vivia o GULAG soviético?

«Em cada dos muitos campos do sul dos Urais, havia cerca de mil pessoas – exceto nos campos maiores. Aquele em que entrei, com o nome de gozação “1º de maio”, foi misturado: os criminosos comuns foram mantidos juntos com os prisioneiros do artigo 58º “inimigos do povo”. Poucos sobreviveram aqui. Após o primeiro, segundo mês – o campo ficava visivelmente com poucas pessoas. Os meus beliches ficavam na tal posição que, pelo canto da janela, podia-se ver como, à noite, os cadáveres eram retirados da zona em trenós, puxados por um touro negro com apenas um chifre.

O guarda que entrega os cadáveres – um punhado de quase esqueletos congelados vindos do necrotério – afasta a lona, ​​e o receptor os conta, partindo os crânios com um martelo ferroviário de cabo longo: por assegurar que ninguém saia vivo e para a facilidade de contagem. Verificando os números num pedaço de papel, saem do portão».
Nossos cadáveres são retirados do campo, perfurando as cabeças com um martelo. Karabash, 1948
«Transportavam, dessa forma não para muito longe, até o depósito velho de minério de uma mina de cobre abandonada. Assim até a próxima etapa, quando os vagões de carga, cheios de pessoas, chegavam através da bitola estreita e a zona mais uma vez ficava lotada.

Uma vez um guarda bêbado me confidenciou: receberam 14 cadáveres, mas transportaram até o destino... 13! Afinal de contas, perfuraram as cabeças de todos – onde é que os maldito zek (prisioneiro) se meteu? Acompanhantes são dois, um não confia no outro, voltaram. Fizeram metade do caminho: “aqui está ele, mardito, nu, numa vala à beira da estrada – escorregou, como um pedaço de gelo, enquanto trenó estava saltando no caminho. Ficamos encantados: partimos lhe a cabeça com força com um ferro, chegamos ao local, empurramos todos os 14 mina abaixo. Inicialmente ficamos com bastante medo, depois disso estávamos muito bem e calmos».
O “acabado” da categoria “nula”. Muitos deles ferviam o pão desfeito da sua dose diária em água salgada.
O resultado – inchaço, necrotério, o poço da mina abandonada. Karabash, 1948
«Eu sobrevivi por um milagre. Sobreviver um ano na categoria “nula” (a categoria de prisioneiros incapazes de trabalhar devido a fome e sofrimento) e não ficar no fundo da velha mina com a cabeça quebrada me ajudaram os estónios. Uma barraca estava totalmente ocupado por eles; todos eram condenados ao abrigo do artigo 58º, se mantinham juntos, unidos, e dos caçadores das encomendas de casa – “urki”, “semicoloridos”, “chacais” – se defendiam de uma maneira organizada, usando os bastões.

Eu lhes pintava os pequenos retratos a lápis, que eles conseguiam, de alguma forma, enviar para a liberdade, contornando a censura, para a sua distante Estónia. Talvez, os filhos ou netos desses maravilhosos modelos ainda mantenham os meus desenhos de GULAG. Ganhando, assim, o meu próprio pedaço de pão, eu tinha certeza de que os criminosos comuns não o tirariam: eu praticamente não saía da barraca dos estónios durante alguns meses. A distrofia “nula”, escorbuto, pelagra começaram a diminuir, a tuberculose desapareceu...»
Categoria “nula” no banho. Nós tínhamos a caudas reais – sobressaia o cóccix.
Eu conseguia fechar com as palmas das mãos a minha cintura – os dedos se tocavam. Karabash, 1948
«Outro quadro. Alinhamento, isto é, a saída até a zona para trabalhar. Os portões do campo estão abertos, atrás deles estão os guardas armados, gritos ásperos dos guardas e latidos caninos de cortar o coração. O sol baixo matinal vai dourando, de forma indiferente as montanhas, as torres e o vapor da boca das brigadas em construção. À esquerda – a nossa orquestra: trompete, trombone, acordeão, tambor, violino, o maestro-violinista era um prisioneiro idoso, o estónio Rimus, que usava pince-nez/pincenê.

De pé! Em sentido! Dar as mãos! Música! Os cinco primeiros – para frente! Woof, woof! Os cinco à seguir: Woof! uau! uau! Terceiros!... Toca a marcha, os pastores alemães latem roucamente, cinco, cinco, rapidamente, quase correndo... À direita do portão, para que todos possam ver, estão dois novos cadáveres, com grossas pontas de perfurações de AK – à queima-roupa – buracos no peito, no estômago, no rosto; acima está uma placa de contraplacado, na qual eu (já era pintor na unidade “cultural e educacional”) escrevi: “Assim será com todos que tentarem fugir”. Do lado de fora do portão, os guardas gritam ao alto a fórmula que recordo para sempre:
Ida das equipas/es aos locais de trabalho. Karabash, Chelyabinsk, 1950. Vou caminhando, como geodesista, instalar uma linha de alta tensão, entre a fábrica de grafite até o campo, escoltado, na qualidade do prisioneiro condenado à uma longa pena de prisão. Aos moços à direita, isso já não se aplica, eles são semi-libertos, Taiginka-Uvildy, 1952
— Brigada, aviso! A tentativa de fuga, o não cumprimento das exigências dos guardas no caminho e no local do trabalho, os guardas usarão armas! Passo à esquerda, passo à direita são considerados uma fuga! Sigam em frente!

— Tu, corre lá para buscar a tábua!
— Chefe, mas vais me matar...
— O que, queres eu te repetir? – e o pobre coitado, provavelmente sentindo que isso é a morte, ia até lá quase com alegria. De repente, os guardas ordenam: — Brigada, deite-se! – e uma longa rajada acima de suas cabeças com um cheiro forte de pólvora, e aquele que foi buscar a tábua – levou nas costas, na cabeça, no peito, e depois com as botas, com a coronha, com os cães... Não acho que apenas o sadismo fosse um incentivo para as execuções dos “fugitivos”, diziam que para abatido os guardas recebiam o dinheiro do Estado soviético. Seria muito necessário estabelecer agora quais dos incentivos realmente funcionavam».
Os “inimigos do povo” – os habitantes da barraca estónia. À esquerda – o violinista chamado Rimus. Karabash, 1949. Propaganda visual nos portões do campo (a placa de identificação da minha autoria). Karabash, 1949
«Desde 1948, já não fomos mais atirados/jogados em minas, mas enterrados na terra. Há minhas contribuições modestas para este procedimento triste. Produzia duas etiquetas de contraplacado para os mortos: uma letra e um número de dois ou três dígitos, uma etiqueta maior – para cavilha no cemitério, a outra com um buraco, pequeno – era amarrado, com a corda de juta, à perna do cadáver.

Em cada seção das barracas eram pendurados os “Deveres e direitos dos presos” – um terrível documento assinado pelo Ministro do Interior da URSS, Lavreniy Beria. Alguém guardou uma cópia daquele documento sinistro? Eu, recebia regularmente, do chefe da unidade “cultural e educacional” um novo conjunto de advertências, avisos e apelos do GULAG, que escrevia com a guache em letras grossas nas quatro paredes acima dos beliches superiores de cada seção. “Só pelo trabalho honesto você ganhará o direito à liberdade condicional” – isso era um escárnio, dado que as compensações (por exemplo, por cada ano e meio de GULAG, ao prisioneiro eram contabilizados dois anos, o que, por exemplo, era praticado no Kolyma para os criminosos comuns, de condenações relativamente curtas), simplesmente não eram praticadas nos Urais.
Desenho slogans na seção (quarto) de uma barraca residencial. Nossos beliches de quatro níveis; As roupas já várias vezes remendadas. Karabash, 1950. Comandante do campo major A. Durakov. Mutas vezes bêbado, e todo o caminho da latrina até a administração prisional, abotoando as calças, não conseguia as fechar. Karabash, 1949
Naturalmente não conheço nenhum único nome dos guardas sádicos. Esqueci os seus patentes, nomes dos comandantes de supervisão, do comando, dos agentes. E mesmo assim, lembro me de um deles. Este é o comandante do campo, major Durakov (literalmente tolo, bobo, estúpido; sem brincadeira, o sobrenome real), cujo hobbie era “inspecionar” os corpos dos prisioneiros abatidos em “fuga”; o meu supervisor imediato da unidade “cultural e educacional”, o 1º tenente Ryazantsev — intelectualmente limitado e mal-intencionado oficial dos quadros de Beria; dos guardas internos, os sargentos com os nomes de Stolbinsky e Haylo distinguiam-se pela crueldade e ódio aos prisioneiros».

Victor Grebennikov termina o livro de suas memórias assim

«Por que os criminosos de guerra nazis(tas) que exterminaram os soviéticos foram condenados, os ainda escondidos – são procurados, mas o comando do GULAG de Beria, dos campos, das prisões, os guardas, as escoltas, que fizeram virtualmente o mesmo em relação aos seus sofridos soviéticos, estão vivos e bem com medalhas, boas reformas? Afinal de contas, esses sátrapas estalinistas, semianalfabetos no seu passado, se escondendo por trás de jovens apoiantes e adoradores, podem se unir e causar os danos irreparáveis. Ah, como eu hoje reconheço a voz deles nas publicações de alguns jornais e revistas!

...Saindo do GULAG em 1953, eu me comprometi, por escrito, perante o estado soviético de que não revelarei tudo que passei. Fiquei em silêncio, especialmente na era Brejnev, quando o nome de Estaline novamente provocava ovações e aplausos no Palácio dos Congressos [em Moscovo], quando novamente, apareceu o legado monstruoso de Trofim Lysenko, e o povo novamente começou olhar para trás das costas e falar sussurrando. E agora, na época de Glasnost e já velho, eu me considero livre em esquecer aquela assinatura e contar tudo o que vi e presenciei, através dos meus próprios desenhos documentais».
Victor Grebennikov (1927 — 2001) | Wikipédia
Os desenhos e textos-memórias de Victor Grebennikov foram publicados, pela primeira vez, na revista soviética “Nauka e Zhizn” (Ciência e Vida) em 1990. Na Wikipédia, no artigo sobre Viktor Grebennikov, não se mencionam, nem a sua passagem pelo GULAG, nem os desenhos do GULAG por ele produzidos...

Imagens: Victor Grebennikov | Texto: Maxim Mirovich | Tradução: Ucrânia em África

Blogueiro: podemos imaginar que os apoiantes do comunismo irão dizer: “Victor Grebennikov cometeu um crime e pagou pelo mesmo”. Tal, como NKVD soviético, os comunistas atuais dividem as pessoas (os prisioneiros do GULAG) em duas categorias: “inimigos do povo” e “cidadãos socialmente próximos”. Quando um criminoso socialmente próximo rouba, mata ou estupra, os comunistas dizem que “entendem a lógico do roubo”, já sobre as vítimas do comunismo afirmam “que Estaline fuzilou é pouco”. Como sempre, os comunistas não pensam que um dia poderá chegar a sua vez...

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