O
entomologista e melitologista russo Viktor Grebennikov foi
um dos prisioneiros dos campos de concentração comunistas, ele publicou as suas
memórias e desenhos. O GULAG comunista em nada diferia dos campos nazis — os
nazis queimavam as pessoas nos crematórios e os comunistas — atiravam os corpos
dentro de minas abandonadas ou os enterravam nas valas comuns anónimas.
Viktor
Grebennikov entrou no GULAG soviético aos 20 anos, presenciando todos os
horrores dos campos comunistas na sua própria experiência – em 1947, e para
não morrer de fome, ele falsificou um talão
de racionamento. Foi apanhado, julgado como “inimigo político do Estado” e enviado
para GULAG por 20 anos. Inicialmente trabalhou na mina de cobre de Karabash,
em poucos meses se transformou num “acabado”, após disso foi admitido na
unidade “cultural e educacional” do seu campo, para produzir a propaganda visual
– o que salvou a sua vida. Viktor passou seis anos no GULAG e foi libertado, com
a remoção completa das acusações, em 1953, após a morte do Estaline.
Em
liberdade Victor Grebennikov tornou-se um conhecido entomologista, especialista
em reprodução e proteção dos insetos, e durante algum tempo dirigiu a escola de
arte para as crianças.
Mas
até o fim de seus dias, Victor era atormentado por pesadelos do GULAG, ele
sonhava, de forma recorrente – que polícia secreta soviética o prende à noite
[como era a prática recorrente do NKVD-MGB], e o leva de volta aos campos de
concentração para “servir” os restantes 14 anos da sua pena “estalinista”. No fim da
URSS Victor publicou as memórias e desenhos, que mostram o GULAG soviético
por dentro, visto pelas suas vítimas, na sua maioria pessoas completamente
inocentes.
Auto-retrato
e «Minhas Universidades»
Neste
auto-retrato Victor Grebennikov tem 22 anos, ele escreveu:
«Agora
tenho 61 anos, mas ainda duas ou três vezes por semana tenho sonhos terríveis
com detalhes naturalistas: os tempos mudaram, fui levado à cumprir os meus 14
anos “estalinistas” e estou novamente no GULAG, na etapa ou transferido entre
os campos. Tudo isso — vividamente, super-real, com um anseio terrível e desesperado
por filhos, netos, coisas inacabadas, livros inacabados, tristeza por todos os
infelizes, mais uma vez impelidos por novos déspotas atrás do arame farpado, estes pesadelos me impedem de trabalhar, de concentrar-se e eu vivo por
muito tempo nestes dois mundos simultaneamente – atual e GULAGianao”.
O
mapa dos campos do GULAG que Victor chamou com a triste ironia de “Minhas
Universidades” [em alusão ao livro homónimo do Maksim
Gorki].
1. Miass,
1947. Tenho 20 anos. A prisão. “Celas da Detenção Preliminar” (KPZ), os
primeiros horrores prisionais.
2.
Zlatoust, 1947-1948. Uma das maiores e piores prisões da URSS. A investigação. A
sessão externa do tribunal regional: 20 anos de campos de concentração. Etapa
para a cidade de Chelyabinsk.
3.
Chelyabinsk. 1948. Transferência entre os campos. Eu já sou um “acabado”, quase
morto, espiritualmente quebrado.
4.
Karabash,
1948–1950. Campo: o comandante é major Durakov (literalmente tolo, estúpido), um
monstro sádico. Os criminosos comuns e os prisioneiros do artigo 58º
(políticos), 1000-1200 pessoas. Minas de cobre, mineração de turfa, carreira de
cal, carpintaria. Depois de um curto período de tempo parei no “campo zero” – praticamente
a morte certa (as zonas fechadas em Karabash permaneceram ativas até o fim da
URSS, não se sabe como estão agora).
5. Kyshtym, 1950–1951. Campo: cerca de 800 «inimigos
do povo» e criminosos comuns. Transbordo do minério e do cobre da bitola estreita
para a larga. Trabalho como pintor na unidade “cultural e educacional”.
6.
Uvildy. 1951–1953. Campo:
cerca de 1000 prisioneiros, políticos e criminosos comuns. Comandante – major
Lavrov (um pessoa nada má – um caso raro). Trabalhos de construção civil, na
fábrica de grafite, outras unidades, no abate de madeira. Sou um pintor, um
topógrafo. Morreu Estaline, e no verão mais feliz de 1953, estou livre.
7.
Odlyan – campo para jovens. De lá, até os campos de adultos regularmente eram
enviadas as gerações crescidas com uma boa “experiência”. Odlyan até hoje continua
o seu terrível “trabalho” mesmo agora (referindo-se aos últimos anos da URSS).
8.
Linhas de alta tensão Taiginka — Uvildy. Não suspeitava que em 1952-1953 eu
erguesse com as minhas próprias mãos um monumento aos aqui detidos – a linha de
alta tensão. Que este meu memorial de muitos quilómetros (em vez de cruzes – torres)
fica aqui para sempre.
9.
«Chelyabinsk-40»
(desde 1994 a cidade se chama de Ozyorsk). Primeira na URSS fábrica da morte
atómica. Diversos campos de concentração. Aqui trabalhavam os [de facto] condenados à
morte.
Como
realmente vivia o GULAG soviético?
«Em
cada dos muitos campos do sul dos Urais, havia cerca de mil pessoas – exceto nos
campos maiores. Aquele em que entrei, com o nome de gozação “1º de maio”, foi
misturado: os criminosos comuns foram mantidos juntos com os prisioneiros do artigo
58º “inimigos do povo”. Poucos sobreviveram aqui. Após o primeiro, segundo mês
– o campo ficava visivelmente com poucas pessoas. Os meus beliches ficavam na
tal posição que, pelo canto da janela, podia-se ver como, à noite, os cadáveres
eram retirados da zona em trenós, puxados por um touro negro com apenas um
chifre.
O
guarda que entrega os cadáveres – um punhado de quase esqueletos congelados vindos
do necrotério – afasta a lona, e o receptor os conta, partindo os crânios com
um martelo ferroviário de cabo longo: por assegurar que ninguém saia vivo e para
a facilidade de contagem. Verificando os números num pedaço de papel, saem do
portão».
Nossos cadáveres são retirados do campo, perfurando as cabeças com um martelo. Karabash, 1948 |
«Transportavam,
dessa forma não para muito longe, até o depósito velho de minério de uma mina
de cobre abandonada. Assim até a próxima etapa, quando os vagões de carga,
cheios de pessoas, chegavam através da bitola estreita e a zona mais uma vez
ficava lotada.
Uma
vez um guarda bêbado me confidenciou: receberam 14 cadáveres, mas transportaram
até o destino... 13! Afinal de contas, perfuraram as cabeças de todos – onde é
que os maldito zek (prisioneiro) se
meteu? Acompanhantes são dois, um não confia no outro, voltaram. Fizeram metade
do caminho: “aqui está ele, mardito, nu, numa vala à beira da estrada – escorregou,
como um pedaço de gelo, enquanto trenó estava saltando no caminho. Ficamos
encantados: partimos lhe a cabeça com força com um ferro, chegamos ao local,
empurramos todos os 14 mina abaixo. Inicialmente ficamos com bastante medo,
depois disso estávamos muito bem e calmos».
O “acabado” da categoria “nula”. Muitos deles ferviam o pão desfeito da sua dose diária em água salgada. O resultado – inchaço, necrotério, o poço da mina abandonada. Karabash, 1948 |
«Eu
sobrevivi por um milagre. Sobreviver um ano na categoria “nula” (a categoria de
prisioneiros incapazes de trabalhar devido a fome e sofrimento) e não ficar no
fundo da velha mina com a cabeça quebrada me ajudaram os estónios. Uma barraca estava
totalmente ocupado por eles; todos eram condenados ao abrigo do artigo 58º, se mantinham
juntos, unidos, e dos caçadores das encomendas de casa – “urki”, “semicoloridos”, “chacais” – se defendiam de uma maneira
organizada, usando os bastões.
Eu
lhes pintava os pequenos retratos a lápis, que eles conseguiam, de alguma forma,
enviar para a liberdade, contornando a censura, para a sua distante Estónia.
Talvez, os filhos ou netos desses maravilhosos modelos ainda mantenham os meus
desenhos de GULAG. Ganhando, assim, o meu próprio pedaço de pão, eu tinha
certeza de que os criminosos comuns não o tirariam: eu praticamente não saía da
barraca dos estónios durante alguns meses. A distrofia “nula”, escorbuto,
pelagra começaram a diminuir, a tuberculose desapareceu...»
Categoria
“nula” no banho. Nós tínhamos a caudas reais – sobressaia o cóccix. Eu conseguia fechar com as palmas das mãos a minha cintura – os dedos se tocavam. Karabash, 1948 |
«Outro
quadro. Alinhamento, isto é, a saída até a zona para trabalhar. Os portões do
campo estão abertos, atrás deles estão os guardas armados, gritos ásperos dos guardas
e latidos caninos de cortar o coração. O sol baixo matinal vai dourando, de
forma indiferente as montanhas, as torres e o vapor da boca das brigadas em
construção. À esquerda – a nossa orquestra: trompete, trombone, acordeão,
tambor, violino, o maestro-violinista era um prisioneiro idoso, o estónio Rimus,
que usava pince-nez/pincenê.
—
De pé! Em sentido! Dar as mãos! Música! Os cinco primeiros – para frente! Woof, woof! Os cinco à seguir: Woof! uau! uau! Terceiros!... Toca a marcha,
os pastores alemães latem roucamente, cinco, cinco, rapidamente, quase
correndo... À direita do portão, para que todos possam ver, estão dois novos cadáveres,
com grossas pontas de perfurações de AK – à queima-roupa – buracos no peito, no
estômago, no rosto; acima está uma placa de contraplacado, na qual eu (já era
pintor na unidade “cultural e educacional”) escrevi: “Assim será com todos que
tentarem fugir”. Do lado de fora do portão, os guardas gritam ao alto a fórmula
que recordo para sempre:
—
Brigada, aviso! A tentativa de fuga, o não cumprimento das exigências dos guardas
no caminho e no local do trabalho, os guardas usarão armas! Passo à esquerda,
passo à direita são considerados uma fuga! Sigam em frente!
—
Tu, corre lá para buscar a tábua!
—
Chefe, mas vais me matar...
—
O que, queres eu te repetir? – e o pobre coitado, provavelmente sentindo que isso
é a morte, ia até lá quase com alegria. De repente, os guardas ordenam: —
Brigada, deite-se! – e uma longa rajada acima de suas cabeças com um cheiro
forte de pólvora, e aquele que foi buscar a tábua – levou nas costas, na cabeça,
no peito, e depois com as botas, com a coronha, com os cães... Não acho que
apenas o sadismo fosse um incentivo para as execuções dos “fugitivos”, diziam que
para abatido os guardas recebiam o dinheiro do Estado soviético. Seria muito
necessário estabelecer agora quais dos incentivos realmente funcionavam».
«Desde
1948, já não fomos mais atirados/jogados em minas, mas enterrados na terra. Há
minhas contribuições modestas para este procedimento triste. Produzia duas
etiquetas de contraplacado para os mortos: uma letra e um número de dois ou
três dígitos, uma etiqueta maior – para cavilha no cemitério, a outra com um
buraco, pequeno – era amarrado, com a corda de juta, à perna do cadáver.
Em
cada seção das barracas eram pendurados os “Deveres e direitos dos presos” – um
terrível documento assinado pelo Ministro do Interior da URSS, Lavreniy Beria.
Alguém guardou uma cópia daquele documento sinistro? Eu, recebia regularmente,
do chefe da unidade “cultural e educacional” um novo conjunto de advertências, avisos
e apelos do GULAG, que escrevia com a guache em letras grossas nas quatro
paredes acima dos beliches superiores de cada seção. “Só pelo trabalho honesto
você ganhará o direito à liberdade condicional” – isso era um escárnio, dado
que as compensações (por exemplo, por cada ano e meio de GULAG, ao prisioneiro
eram contabilizados dois anos, o que, por exemplo, era praticado no Kolyma para
os criminosos comuns, de condenações relativamente curtas), simplesmente não
eram praticadas nos Urais.
Naturalmente
não conheço nenhum único nome dos guardas sádicos. Esqueci os seus patentes,
nomes dos comandantes de supervisão, do comando, dos agentes. E mesmo assim,
lembro me de um deles. Este é o comandante do campo, major Durakov (literalmente
tolo, bobo, estúpido; sem brincadeira, o sobrenome real), cujo hobbie era
“inspecionar” os corpos dos prisioneiros abatidos em “fuga”; o meu supervisor
imediato da unidade “cultural e educacional”, o 1º tenente Ryazantsev —
intelectualmente limitado e mal-intencionado oficial dos quadros de Beria; dos
guardas internos, os sargentos com os nomes de Stolbinsky e Haylo
distinguiam-se pela crueldade e ódio aos prisioneiros».
Victor
Grebennikov termina o livro de suas memórias assim
«Por
que os criminosos de guerra nazis(tas) que exterminaram os soviéticos foram condenados,
os ainda escondidos – são procurados, mas o comando do GULAG de Beria, dos
campos, das prisões, os guardas, as escoltas, que fizeram virtualmente o mesmo
em relação aos seus sofridos soviéticos, estão vivos e bem com medalhas, boas
reformas? Afinal de contas, esses sátrapas estalinistas, semianalfabetos no seu
passado, se escondendo por trás de jovens apoiantes e adoradores, podem se unir
e causar os danos irreparáveis. Ah, como eu hoje reconheço a voz deles nas
publicações de alguns jornais e revistas!
...Saindo
do GULAG em 1953, eu me comprometi, por escrito, perante o estado soviético de
que não revelarei tudo que passei. Fiquei em silêncio, especialmente na era
Brejnev, quando o nome de Estaline novamente provocava ovações e aplausos no
Palácio dos Congressos [em Moscovo], quando novamente, apareceu o legado monstruoso de Trofim
Lysenko, e o povo novamente começou olhar para trás das costas e falar sussurrando.
E agora, na época de Glasnost e já velho, eu me considero livre em esquecer aquela
assinatura e contar tudo o que vi e presenciei, através dos meus próprios
desenhos documentais».
Victor Grebennikov (1927 — 2001) | Wikipédia |
Os
desenhos e textos-memórias de Victor Grebennikov foram publicados, pela
primeira vez, na revista soviética “Nauka
e Zhizn” (Ciência e Vida) em
1990. Na Wikipédia, no artigo sobre Viktor Grebennikov, não se mencionam, nem a
sua passagem pelo GULAG, nem os desenhos do GULAG por ele produzidos...
Imagens:
Victor Grebennikov | Texto: Maxim Mirovich |
Tradução: Ucrânia em África
Blogueiro: podemos imaginar que os apoiantes do
comunismo irão dizer: “Victor Grebennikov cometeu um crime e pagou pelo mesmo”. Tal,
como NKVD soviético, os comunistas atuais dividem as pessoas (os prisioneiros
do GULAG) em duas categorias: “inimigos do povo” e “cidadãos socialmente
próximos”. Quando um criminoso socialmente próximo rouba, mata ou estupra, os
comunistas dizem que “entendem a lógico do roubo”, já sobre as vítimas do
comunismo afirmam “que Estaline fuzilou é pouco”. Como sempre, os comunistas não
pensam que um dia poderá chegar a sua vez...
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