85 anos atrás, em 27 setembro de 1938 foi preso Sergei
Korolev – o pai do programa espacial soviético, o homem que lançou o
primeiro satélite e mandou Gagarin ao espaço. Mas antes disso, Korolev foi espancado
e torturado pelo NKVD, enviado ao GULAG, da onde voltou, apenas graças à uma coincidência
histórica.
Quem
era Sergei Korolev?
Sergei
Korolev nasceu em 1906, na cidade ucraniana de Zhytomyr, localizada à cerca de
140 quilómetros ao oeste de Kyiv, o pai de Sergei veio de Mogilev, em Belarus. Sergei
estudou nos ginásios de Kyiv e Odessa, após golpe bolchevique de 1917 continuou
a educação em casa – os seus pais eram professores. Já na escola Sergei se interessava
pela aviação e aos 17 anos desenhou o projeto de um avião não motorizado. Na
década de 1920 Korolev estudou no Instituto Politécnico de Kyiv e na Universidade
Bauman (MVTU) de Moscovo – ainda estudante, ele projetou alguns aviões e se
interessou em desenvolvimento de foguetes e mísseis.
CV manuscrito (em ucraniano) do Korolev na epoca dos seus estudos no Instituto Politécnico de Kiyv. 3. Nacionalidade: Ucraniana |
No
início da década de 1930, Sergei Korolev desenvolveu vários protótipos de
mísseis, e mais tarde, após a sua libertação dos campos de concentração
soviéticos de GULAG, tem trabalhado na zona de ocupação soviética na Turíngia,
onde estudou o equipamento alemão, capturado pelos soviéticos no fim da II G.M.
Em 1946 e para estudar os mísseis alemães FAU-2 na cidade de Nordhausen foi
criado o instituto soviético-alemão sob o nome de “Nordhausen”. Neste instituto
e na base do modelo alemão do foguete V-2, foi criado o primeiro grande míssil
balístico soviético R-1 – na realidade apenas uma modificação do foguete
alemão.
Na
década de 1950, Korolev trabalhou em várias modificações de mísseis R-1, terminado
o desenvolvimento do míssil R-5 e começou a desenhar o míssil intercontinental
R-7. Além de aprimoramento da tecnologia alemã, Korolev também introduziu
inovações – criando os primeiros mísseis balísticos que usavam os componentes
de combustível estável. Em 1957, usando o foguete R-7, o primeiro satélite
artificial da Terra chamado “Sputnik” foi lançado em órbita.
Mais
tarde, diversos outros satélites foram criados na base dos projectos do Korolev,
e em 1961, com a ajuda de míssil “Vostok-1”, Korolev enviou para a órbita da Terra
o cosmonauta Yuri Gagarin (embora existam versões de que Gagarin nunca foi ao
espaço, mas isso é uma outra história).
Sergey
Korolev era uma pessoa muito genial e inovadora, mas tudo isso poderia não
acontecer. Os livros soviéticos nunca falavam disso – mas no final da década de
1930 Korolev foi preso, torturado e condenado aos 8 anos do GULAG sob acusações
comunistas absolutamente delirantes.
Quem
e porque prendeu Korolev?
No
final da década de 1930 as repressões comunistas alargaram a sua escala,
iniciando o Grande Terror estalinista – às centenas eram detidos escritores, poetas,
cientistas, políticos, artistas, etc. Eram acusados de espionagem (por vezes, a
suposta espionagem ao serviço de várias agências estrangeiras simultaneamente),
participação nas “organizações trotskistas” ou “organização de atos de
sabotagem”.
Trecho do protocolo № 68 da Reunião Especial do NKVD da URSS de 10/VII/1940 |
Bastava
ter em casa um dicionário de palavras estrangeiras para ser acusado de
espionagem, como pretexto para acusações de pertencer à um “organização
trotskista” bastava a conversa telefónica com esposa, criticando o aumento dos
preços da manteiga. Quanto à “sabotagem” – tudo podia servir de pretexto aos carrascos
de NKVD – desde neve não recolhida do quintal até a quebra de uma ferramenta num
torno mecânico.
A
hora do Sergei Korolev chegou em 27 de junho de 1938, quando ele foi preso sob acusação
de “sabotagem”.
Como
Sergei Korolev foi torturado na prisão
Os
métodos de interrogatórios do NKVD se baseavam numa só ideia: “a confissão é a rainha
de provas”. Já no segundo dia após a sua prisão, em 28 de junho de 1938, o
investigador Shestakov tinha chamado Korolev de “bastardo fascista”, após disso,
o cientista foi colocado na “linha contínua” – quando o acusado durante dias
não bebe, não come, não dorme, ficando de pé em frente de “investigadores”, que
estavam mudando, para comer, beber e descansar.
Na cadeia moscovita de Butyrka em 27/06/1938, no momento da sua prisão |
No
decorrer dessa tortura o futuro académico soviético era espancado com
mangueiras de borracha, levava golpes na virilha, lhe cuspiam no rosto. O
investigador Shestakov era apoiado pelo ajudante chamado Bykov. No dia 13 de
junho, o próprio Korolev descreveu as torturas, de forma muito discreta, na
carta dirigida ao Estaline – “Shestakov e Bykov me sujeitaram às represálias
físicas e aos abusos”.
Os
carrascos forçavam Korolev à “confessãr” que este era membro da “unidade de
combate” de uma “organização anti-soviética clandestina subversiva”. Korolev foi
implicado na participação dessa suposta organização pela confissão do engenheiro-chefe Georgy Langemak [criador do sistema soviético
de mísseis Katyusha, futuros Grad; cientista que desenvolvia a pólvora sem fumo, inventor
da palavra cosmonáutica, entre outros], após doze dias de tortura, completamente
fora de contato com a realidade, num estado de inconsciência dinâmica.
O engenheiro-chefe Georgy Langemak na prisão do NKVD |
Korolev
aguentou por três meses – o seu julgamento teve lugar em 27 de setembro de
1938, levou 15 minutos e decidiu a condenação do Sergei Korolev aos 8 anos de
GULAG em regime severo. O engenheiro Langemak, que sob tortura denunciou Korolev,
foi executado com uma bala na nuca após o mesmo “julgamento” em janeiro de 1938
– ele foi morto numa cela de execuções e enterrado numa vala comum no local especial
do NKVD “Kommunarka”, na estrada de Kaluga, nos arredores de Moscovo.
Kolyma,
antes de depois
Sergey
Korolev foi enviado para trabalhar na mina de ouro de Madyak, na Kolyma – local
considerado “suicida” – quase ninguém voltava de lá vivo. Korolev também não
iria conseguir sobreviver os seus 8 anos – 2 anos depois ele ficou nas suas últimas
forças, perdeu os dentes devido ao escorbuto, não conseguia ir ao trabalho.
Ler mais |
Do
GULAG o “bastardo fascista” Korolev escrevia as cartas ao Estaline, mas não para
pedir a sua própria libertação. Ele contava como NKVD falsificou o seu caso,
falava sobre a próxima guerra, pedia a oportunidade de terminar o seu
avião-foguete, que garantiria à URSS a superioridade militar sobre o inimigo. Korolev
não sabia que Estaline, praticamente pessoalmente assinou a ordem de sua prisão,
perseguido pelas suas próprias visões paranóicas – de alegada existência da “organização
clandestina Moscovo-Centro”, que supostamente incluía proeminentes engenheiros e
cientistas.
Korolev na prisão moscovita de Butyrka em 29/02/1940 |
Em
1940, Korolev foi transferido para o “sharashka”
[bureao de construção em forma de prisão] do NKVD – o famoso “sharashka Tupolev”,
onde ele se dedicou à algum trabalho decente e, finalmente, a URSS se recordou
de cientista em 1946, quando tornou-se necessário encontrar alguém que pudesse
entender o dispositivo do motor de foguete do alemão V-2 – os carrascos de NKVD
não eram muito versáteis em ciências...
O
sucesso posterior do Korelev é amplamente conhecido
Para
o resto da sua vida Sergei Korolev não consegia abrir bem a boca – uma das consequências
de ferimentos sofridos durante a tortura de NKVD [numa das secções os
torturadores soviéticos lhe partiram o maxilar], então o mais provável, que Korolev
não poderia desfrutar plenamente o sabor do sorvete soviético, o mais saboroso do
mundo...
1 comentário:
engraçado parecem as ditaduras militares na america do sul
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