domingo, outubro 21, 2018

Os preservativos soviéticos: entre tabu estalinista e Perestroika

Os preservativos na URSS eram um produto de baixa qualidade e mesmo assim muito escasso. Praticamente tabu na sociedade soviética, a situação que levou aos níveis realmente assustadores da propagação de epidemia de HIV SIDA/AIDS na Rússia atual (a 3ª taxa mais alta do mundo).   

De onde veio o “produto número dois”?

Os preservativos na URSS começaram a ser produzidos em massa na década de 1930 – a propaganda comunista de “liberdade sexual” da década de 1920 levou ao aumento brutal das doenças de transmissão sexual / sexualmente transmissíveis (DTS/DST), e as autoridades soviéticas tinham que agir para evitar a sua disseminação. Na década de 1930, os preservativos soviéticos eram fabricados na fábrica “Chervoniy Rezinshik” (literalmente Borracheiro Vermelho), hoje localizada em Kyiv na Ucrânia, com o nome de “Kiyvrezyna” (Borracha de Kyiv), Lda, mais tarde começou a produção de preservativos na fábrica de borracha Bakovsky, inaugurada na região de Moscovo em 1936.
O surgimento dos preservativos soviéticos praticamente não melhorou os níveis da prevalência das DTS/DST – a absoluta maioria da população soviética, de baixa escolaridade, olhava o preservativo como uma curiosidade incompreensível e desnecessária, o preservativo era usado em casos bastante raros. Além disso – os preservativos soviéticos eram um produto muito escasso, e as suas características “táticas e técnicas” deixavam muito a desejar.

O seu nome popular “produto número dois” provêm de lenda urbana soviética de que a máscara de gás era o produto número um, o produto número dois era preservativo, o produto número três era a borracha escolar e o produto número quatro eram as galochas. Na realidade, os primeiros preservativos soviéticos eram produzidos em três tamanhos. Número um – era muito pequeno e ninguém o comprava por vergonha. Número dois – era médio e, portanto, o mais popular. O número três era gigantesco – e por esse motivo também ficava nas prateleiras das farmácias.

Como resultado, apenas o 2º tamanho médio permaneceu à venda e a inscrição “Produto de borracha. Número dois” começou a ser lida e percebida como uma única sentença, razão pela qual nasceu a lenda urbana sobre um certo “classificador” oficial.

«Produto número dois» de 1973

O “produto número dois” da foto, bastante conhecido aos cidadãos nascidos na URSS, foi produzido na fábrica de Bakovsky em agosto de 1973, é um pacote duplo de preservativos, custando dois copeques por preservativo (ou seja, o pacote custava cerca de 7 cêntimos do dólar americano, segundo o câmbio oficial da época). Os preservativos soviéticos sempre eram vendidos num pacote duplo, brincava-se que o homem soviético tinha direito às duas tentativas.
45 anos depois, o preservativo naturalmente secou – a sua embalagem de papel foi a co-responsável. Mas mesmo dentro do prazo de validade o “produto número dois” soviético muitas vezes perdia as suas propriedades protetoras – devido ao facto de que a embalagem do papel facilmente se rasgava, permitindo a entrada do ar.

Num dos fóruns russos, certa vez apareceu a história sentimental sobre como, durante um escândalo familiar, um pai confessou ao filho que este – era apenas o fruto indesejado de um preservativo que se rasgou no momento errado. Um verdadeiro Drama se desencadeou nos comentários )
Em comparação com os preservativos modernos – a borracha do preservativo soviético era muito espessa. De acordo com o GOST (padrão estatal de qualidade) soviético, tão apreciado pelos fãs do comunismo e da União Soviética, a espessura do preservativo soviético não deveria ser menor que 0,09 milímetros, enquanto os preservativos modernos têm a espessura não superior aos 0,05 milímetros.
Isto é, os preservativos soviéticos eram duas vezes mais grossos que os modernos. Ao olho nu é perceptível que a borracha é muito grossa, quase “blindada”.
Os preservativos soviéticos – nas suas propriedades se assemelham às luvas medicinais – a espessura da sua borracha é quase igual. Os preservativos soviéticos eram polvilhados com o pó de talco.  O que possivelmente contribuiu para a baixa popularidade do produto – o seu uso certamente trazia muito sofrimento, principalmente às mulheres.
Na Internet russa são publicadas as histórias de como nas décadas de 1960-70 no interior da Rússia Soviética (RSFSR), os preservativos eram usados ​​mais que uma vez – lavados e secados juntamente com a roupa (como até hoje acontece em certas partes da África), mas vamos colocar essas histórias na categoria de lendas urbanas.

O preservativo soviético do fim da década de 1980

A embalagem não possui a data da produção, apenas é indicado que o preservativo é válido até ano [19]90. Dado que o prazo de validade dos preservativos, geralmente, se situa entre 3 à 5 anos – este modelo possivelmente foi produzido entre 1985 e 1988, exatamente na época da Perestroika.
A revolução sexual gradualmente penetrava na URSS – os preservativos já não se vendiam em pacotes modestos de duas unidades, mas com esse tipo de “cartucheiras”, uma dúzia em cada pacote. [Nos primeiros quiosques, que surgiram em forma de cooperativas e que praticavam o comércio privado, já era possível comprar quer apenas um preservativo, quer toda a “cartucheira”].
O preservativo ficou muito melhor preservado. Por um lado, é 15 anos mais jovem do que o “produto número dois” de 1973, mas também devido ao facto de que a embalagem de papel é coberta, por dentro, com uma camada de celofane – o que cria a estanqueidade e impede o acesso do ar. A embalagem diz ser “verificada por meios eletrónicos”, e também informa que os preservativos foram processados ​​com látex – no sexagésimo aniversário do poder comunista, os fabricantes soviéticos finalmente perceberam que o pó talco não era o melhor acompanhamento para o sexo.
O próprio preservativo da era Perestoika é um pequeno anel alongado, que por sinal é visivelmente maior que o “produto número dois” de 1973 – não se sabe se é por caso de que os preservativos mais antigos encolheram devido à secagem ou porque o “tamanho número dois” soviético era bastante reduzido.
Uma outra lenda urbana soviética dizia que os preservativos produzidos na URSS tinham o chamado “duplo propósito” – supostamente durante a guerra [quando a pátria socialista for atacada pelos imperialistas e seus lacaios], os preservativos poderiam ser usados ​​como a pinça hemostática ou um recipiente para transportar 2-5 litros de água. 
O preservativo na foto explodiu após receber cerca de 500 mililitros (0,5 l) de água.

Posfácio...

Na URSS as camisinhas quase nunca eram compradas pelas mulheres, pois o bom povo soviético considerava que só as “mulheres da vida” (as prostitutas) fariam uma “coisa dessas”, e todo o tema do sexo e sexualidade era um grande tabu – como se dizia publicamente “na URSS não existia sexo” e não havia nenhum programa de esclarecimento aos jovens e adolescentes. Os filmes soviéticos eram muitíssimo pudicos, censura comunista cortava toda e qualquer cena ligeiramente erótica ou simplesmente sensual.
Naturalmente, a realidade era muito diferente da propaganda, os níveis de DTS/DST na URSS eram muito altos – as filas nas clínicas estatais que tratavam as DTS/DST eram enormes. Não existia nenhuma educação sexual na escola secundária [naturalmente não estamos falar de impingir o sexo às crianças da primária], tudo relacionado com o sexo e sexualidade era considerado um “tópico proibido” e deixado ao acaso.

Muito possivelmente tudo isso contribuiu para que a Rússia atual possuísse uma das maiores taxas mundiais de prevalência de HIV SIDA/AIDS (a terceira taxa mais alta do mundo). Na Rússia atual (tal como em várias partes da África) são fortes os movimentos populares de “HIV dissidentes” – pessoas que acreditam que HIV SIDA/AIDS simplesmente não existe. Particularmente, os “dissidentes” russos acreditam que HIV SIDA/AIDS é uma fabricação e difamação do Departamento de Estado americano. As crenças que continuam à contribuir para a disseminação de uma terrível epidemia...

Fotos e texto: Maxim Mirovich | [Ucrânia em África]

Blogueiro: além disso, os preservativos eram usados na URSS como uma espécie de tampas nos frascos de compotas, doces ou sumos caseiros, devido à escassez de tampas plásticas ou metálicas. Alguns donos de animais de estimação (os pets), usavam o «produto número um» soviético (os preservativos pequenos) para colocar nas patas dos seus cães/cachorros durante os passeios no inverno, quando as ruas soviéticas eram polvilhadas com o sal (para cidadãos não escorregarem), o que naturalmente era bastante prejudicial à saúde animal.

Sem comentários: