sábado, outubro 07, 2017

Como União Soviética destruía a ciência

Apesar da forte crença dos fãs do comunismo na suposta superioridade científica soviética sobre os países ocidentais, a União Soviética era um país “anti-científico”, principalmente na época estalinista: 1930-1950. Se no domínio técnico (útil à corrida armamentista e espacial) URSS ainda se desenvolvia, já nas ciências fundamentais a situação era péssima. As ciências avançadas eram banidas, o resto era olhado através do prisma marxista-leninista. Qualquer ciência que chocasse com os dogmas comunistas era apelidada imediatamente de “gaja venal da burguesia” e proibida.

Aproximadamente, desde o início da década de 1930, na URSS se estabeleceu um abrangente culto da personalidade de Estaline, cuja personalidade abraçou praticamente todas as esferas da vida soviética – com as citações dos discursos de Estaline começavam as transmissões radiofónicas matinais e as mesmas citações eram usadas nos posfácios dos manuais práticos de ordenha das vacas leiteiras. O camarada Estaline na sua meninice foi espancado pelo pai, o menino cresceu com uma personalidade complexada e rancorosa, não obteve uma boa educação formal – tudo isso teve um efeito direto nas suas ações após à chegada ao poder.

Tudo começou com a propagação do mito de que o camarada Estaline é um “grande cientista” – na URSS eram publicadas dezenas de volumes de alegações do camarada chefe sobre todos os aspectos da ciência: desde a física quântica à linguística. Descobriu-se que aluno medíocre do seminário eclesiástico, Iosif Dzhugashvili era bem versado em todas as ciências e tinha uma opinião sobre cada uma deles – ele rejeitou quase completamente e proibiu a genética, denunciou a teoria da relatividade de Einstein devido às suas “alicerces burgueses hostis à ideologia marxista”, e amaldiçoava a cibernética praticamente às piores obscenidades, discutindo com essa ciência como um bêbado discute com um espelho.
Estaline – membro honorário da Academia de Ciências da URSS ("eleito" em 22/12/1939)
Além disso, após a sua chegada ao poder, Estaline e sua camarilha (as mesmas almas medíocres, conspiradoras e amantes de teorias de conspiração) perceberam, de repente, que no país existia uma Academia de Ciências, que de muitas maneiras ainda operava de acordo com os padrões pré-revolucionárias – os cientistas tinham a sua própria opinião sobre muitas questões, eles tinham a ousadia de discordar dos propagandistas soviéticos, lá trabalhava um tal de Pavlov, o prémio Nobel (algum nome burguês), que tinha a ousadia de ser de contra. Estes cientistas ainda se atreviam à realizar as reuniões independentes – se calhar estavam à preparar uma contra-revolução!
Académico e prémio Nobel Ivan Pavlov: crítico do Lenine, Trotsky e a totalidade de "experiência bolchevique"
(na carta ao Conselho dos Comissários Políticos da URSS de 21/12/1934)
Já em em 1926, sob a intervenção direta de Estaline, a Academia de Ciências da URSS perdeu sua autonomia e o seu estatuto foi revogado. Em 1929, cientistas foram acusados de que o “seu progresso está atrasado em relação à prática”. Em 1930, o “grande cientista” Estaline afirmou que não aceita os princípios genéticos de August Weismann, o que deu o sinal à proibição da genética na URSS.

Genética — «a gaja venal da burguesia»

A proibição direta da genética na URSS foi iniciada pessoalmente por Estaline. Para a sua proibição foram criadas “fundamentos legais” e iniciadas as discussões, alegadamente “científicas”. “As discussões” decorriam de seguinte forma: os cientistas geneticistas eram atacados, de forma vil e hostil, pelo lúmpen-marxistas, que citando a correspondência de Engels com Kautsky, acusavam os cientistas mundialmente reconhecidos e famosos de “popularizar a prostituta do imperialismo e do sionismo mundial, no intuito de parar o desenvolvimento da sociedade socialista”. Em resultado de tais “discussões”, naturalmente ganharam os estalinistas.
Estaline, Andreev, Mikoyan e Kossior (líder comunista ucraniano fuzilado em 26/02/1939)
estão à ouvir o discurso de Lysenko em 29 (?) de dezembro de 1938 (?)
Um dos mais ferrenhos era Trofim Lysenko, pseudocientista, cuja doutrina foi apresentada na URSS como a “substituição revolucionária-proletária da genética burguesa”. Este cretino entendia pouco da ciência, mas aprendeu, de coração, os princípios de sobrevivência na URSS – caluniava os seus concorrentes, procurava e denunciava os inimigos, argumentava que os cidadãos do “grande país soviético” não podiam ter doenças hereditárias e toda a conversa sobre genes é tudo “a base do racismo”. Um dos truques preferidos deste canalha era, primeiro deixar os seus oponentes falarem, para depois ler o seu próprio discurso de “críticas devastadoras da genética” e, no final, acrescentar que este discurso foi aprovado pessoalmente pelo camarada Estaline. Deste modo, aqueles que se opunham ao Lysenko – agiam como se fosse pessoalmente contra Estaline.
Nikolay Vavilov após a sua prisão em 1940, arquivo de NKVD
Em 1937, muitos geneticistas soviéticos foram presos, muitos (por exemplo, o académico Georgii Nadson, fuzilado em abril de 1939, acusado de “sabotagem anti-soviética”) foram mortos. Em 1940 foi detido o académico Nikolai Vavilov, dado que no passado ele trabalhou num laboratório na Inglaterra, foi preso como “espião inglês”. Em 1943, Vavilov morreu de inanição na cadeia de Saratov, o mesmo aconteceu aos diversos outros cientistas proeminentes [o legado desastroso do Lysenko na agrobiologia foi definitivamente derrubado na URSS apenas em 1965-66].

A proibição da cibernética

Tanto a URSS comunista, como a Alemanha nazista eram dominadas por ideologias totalitárias, construídas de acordo com um princípio semelhante: a sociedade era dividida em partes, uma das quais era culpada de todos os males e problemas, e como tal, teria que ser destruída. Na URSS, os culpados eram “burguesas” e as classes altas da sociedade, na Alemanha nazi – eram judeus e outros “sub-humanos”. Estes, se viam privados dos seus direitos não pelas suas próprias ações, mas apenas por algo que não dependia deles e era predeterminado antes do seu nascimento – pertença à uma determinada raça/nação (na Alemanha nazi) ou à uma certa classe (na URSS).
Para fixar este estado de coisas de forma legal e legislativa, ambos regimes totalitários tentaram obter o apoio da ciência: os pseudocientistas hitleristas mediam os crânios com as réguas e produziam milhares de trabalhos pseudocientíficos sobre a “superioridade da raça ariana”, na URSS estalinista se tentou, de todas as maneiras possíveis, criar a “base científica” que apoiasse a “sociedade classista” de Marx e a sua “dialética materialista”.

A cibernética que surgiu na década de 1940 assustou os propagandistas soviéticos, já que minava os fundamentos do marxismo e do materialismo soviético: se as pessoas eventualmente pudessem serem substituídos pelos robôs, então, onde colocar todas as histórias sobre a “eterna luta dos trabalhadores pelos seus direitos”, onde então amarrar todas estas “classes sociais”? Assim, o “comunismo” soviético não seria um objetivo eterno e final, mas simplesmente – um dos estágios no desenvolvimento da sociedade que poderia ser ultrapassado. E então, se um computador poderia controlar a produção e até o estado, então por que são precisos o Bureau Político e até o camarada Estaline?

A cibernética é uma ciência judia estranha ao marxismo”, disse uma vez o “grande líder e erudito”, após disso essa ciência foi banida na URSS, até os meados da década de 1950. A tecnologia da computação foi mais ou menos desenvolvida na URSS, mas era desprovida de sua base teórica e, como resultado, ficou muito aquém dos países desenvolvidos.

Destruição da filosofia

Antes de 1917 a Rússia possuía várias boas escolas filosóficas, algumas mesmo com ideias muito originais (por exemplo, do nascido na Ucrânia Nikolai Berdiaev), mas na década de 1920 tudo acabou. Em 1922 um grupo de proeminentes filósofos e intelectuais foi deportado da Rússia soviética nos famosos navios filosóficos [foram deportados mais de 160 intelectuais, cada pessoa tinha direito de levar consigo dois pares de calças interiores, dois pares de meias, jaqueta, calças, casaco, chapéu e dois pares de sapatos; todo o seu dinheiro e o resto dos seus bens eram confiscados ao favor do Estado]. O lúmpen, que no entanto chegou ao poder, dizia que nada precisava além do marxismo-leninismo: prendendo, fuzilando ou deportando os restantes filósofos.
“O grande cientista” Dzhugashvili era bem versado não só na genética e na cibernética, mas também na filosofia, especialmente, porque era uma excelente chance de se vingar, por fim, de todas as humilhações e duvidas em assuntos filosóficos no seminário teológico. O camarada Estaline gostava de aparecer nas reuniões de filósofos soviéticos, onde, depois de os ouvir, lavrava a sua sentença – chamando alguns de “idealistas minoritários” e outros – “extremamente viciados em dialética”. Após os sábios comentários do “grande líder”, a filosofia soviética imediatamente tomava o curso “certo” de seu desenvolvimento.

Falando seriamente – na URSS simplesmente não existia a filosofia. A tarefa dos “filósofos” soviéticos era apenas “fundamentar teoricamente” as ideias do comunismo e da sociedade de classes, para isso foram utilizados todos os tipos de truques demagógicos e introduzidos dogmas, proibidos de questionar. Em todas as instituições filosóficas do ensino superior, sob a forma de dogma religioso, foi ensinado o “Curso Curto da História do PC (b)”, em continha os ensaios de Estaline. Neste curso, foi dada a “verdadeira interpretação” de todas as questões do marxismo-leninismo que não permitia nenhumas interpretações livres.

Após a morte de Estaline os seus ensaios desapareceram do “curso curto”, mas o dogmatismo da filosofia soviética permaneceu viva até 1991.

Para não tornar essa postagem demasiadamente longa não falaremos sobre a linguística, teoria da informação, crítica literária – todas essas ciências (especialmente no período entre 1930 e 1955) distorciam, de uma ou de outra maneira, a imagem real do mundo, dando-lhe o cunho “marxista-leninista”. A sociologia, não existia como tal – foi substituída por um simulacro chamado “ciências sociais marxistas”. Em 1938 foi fechado o Instituto de Demografia de Kyiv, fundado em 1919, pois mostrava os dados reais das perdas populacionais da Ucrânia em resultado do Holodomor de 1932-33 (ver La population de l´Ukraine jusqu´en 1960); os funcionários do Instituto sofreram as repressões, vários foram fuzilados. Não havia na URSS a ciência histórica – essa foi substituída por mitos “marxistas-leninistas” – de que há cinco mil anos atrás as pessoas já sonhavam com o comunismo.

Assim se pode continuar indefinidamente. Como podemos ver, todas as histórias de que a URSS era algum tipo de “Estado das Ciências” não são mais do que mitos. O escritor polaco/polonês Stanisław Lem uma vez observou que qualquer estado totalitário existe até a próxima revolução tecnológica. Exatamente como aconteceu com a URSS – todos os “estudos científicos” na URSS foram subordinados ao marxismo-leninismo e, quando mais se desenvolvia a ciência no resto do mundo, mais tremiam as “teorias soviéticas”, criadas isoladamente do resto da civilização.

E vocês, queridos leitores do nosso blogue ainda acreditam em algum mito soviético?

Fotos @GettyImages | Internet | Texto @Maxim Mirovich e [@Ucrânia em África]

Bónus

Os EUA contam com 358 prémios Nobel, Rússia juntamente com a URSS com apenas 7. Seguramente deve existir alguma explicação marxista deste fenómeno burguês ;-) 

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