Apesar
da forte crença dos fãs do comunismo na suposta superioridade científica soviética sobre os países
ocidentais, a União Soviética era um país “anti-científico”, principalmente na época
estalinista: 1930-1950. Se no domínio técnico (útil à corrida armamentista e
espacial) URSS ainda se desenvolvia, já nas ciências fundamentais a situação
era péssima. As ciências avançadas eram banidas, o resto era olhado através do
prisma marxista-leninista. Qualquer ciência que chocasse com os dogmas comunistas era apelidada imediatamente de “gaja venal da burguesia” e proibida.
Aproximadamente,
desde o início da década de 1930, na URSS se estabeleceu um abrangente culto da
personalidade de Estaline, cuja personalidade abraçou praticamente todas as
esferas da vida soviética – com as citações dos discursos de Estaline começavam
as transmissões radiofónicas matinais e as mesmas citações eram usadas nos
posfácios dos manuais práticos de ordenha das vacas leiteiras. O camarada Estaline
na sua meninice foi espancado pelo pai, o menino cresceu com uma personalidade
complexada e rancorosa, não obteve uma boa educação formal – tudo isso teve um
efeito direto nas suas ações após à chegada ao poder.
Tudo
começou com a propagação do mito de que o camarada Estaline é um “grande
cientista” – na URSS eram publicadas dezenas de volumes de alegações do
camarada chefe sobre todos os aspectos da ciência: desde a física quântica à
linguística. Descobriu-se que aluno medíocre do seminário eclesiástico, Iosif Dzhugashvili
era bem versado em todas as ciências e tinha uma opinião sobre cada uma deles –
ele rejeitou quase completamente e proibiu a genética, denunciou a teoria da
relatividade de Einstein devido às suas “alicerces burgueses hostis à ideologia
marxista”, e amaldiçoava a cibernética praticamente às piores obscenidades,
discutindo com essa ciência como um bêbado discute com um espelho.
Estaline – membro honorário da Academia de Ciências da URSS ("eleito" em 22/12/1939) |
Além
disso, após a sua chegada ao poder, Estaline e sua camarilha (as mesmas almas
medíocres, conspiradoras e amantes de teorias de conspiração) perceberam, de
repente, que no país existia uma Academia de Ciências, que de muitas maneiras
ainda operava de acordo com os padrões pré-revolucionárias – os cientistas tinham
a sua própria opinião sobre muitas questões, eles tinham a ousadia de discordar
dos propagandistas soviéticos, lá trabalhava um tal de Pavlov, o prémio Nobel
(algum nome burguês), que tinha a ousadia de ser de contra. Estes cientistas
ainda se atreviam à realizar as reuniões independentes – se calhar estavam à preparar
uma contra-revolução!
Académico e prémio Nobel Ivan Pavlov: crítico do Lenine, Trotsky e a totalidade de "experiência bolchevique" (na carta ao Conselho dos Comissários Políticos da URSS de 21/12/1934) |
Já
em em 1926, sob a intervenção direta de Estaline, a Academia de Ciências da
URSS perdeu sua autonomia e o seu estatuto foi revogado. Em 1929, cientistas
foram acusados de que o “seu progresso está atrasado em relação à prática”. Em
1930, o “grande cientista” Estaline afirmou que não aceita os princípios
genéticos de August Weismann,
o que deu o sinal à proibição da genética na URSS.
Genética
— «a gaja venal da burguesia»
A
proibição direta da genética na URSS foi iniciada pessoalmente por Estaline. Para
a sua proibição foram criadas “fundamentos legais” e iniciadas as discussões,
alegadamente “científicas”. “As discussões” decorriam de seguinte forma: os
cientistas geneticistas eram atacados, de forma vil e hostil, pelo lúmpen-marxistas,
que citando a correspondência de Engels com Kautsky, acusavam os cientistas
mundialmente reconhecidos e famosos de “popularizar a prostituta do imperialismo
e do sionismo mundial, no intuito de parar o desenvolvimento da sociedade socialista”.
Em resultado de tais “discussões”, naturalmente ganharam os estalinistas.
Estaline, Andreev, Mikoyan e Kossior (líder comunista ucraniano fuzilado em 26/02/1939) estão à ouvir o discurso de Lysenko em 29 (?) de dezembro de 1938 (?) |
Um
dos mais ferrenhos era Trofim
Lysenko, pseudocientista, cuja doutrina foi apresentada na URSS como a “substituição
revolucionária-proletária da genética burguesa”. Este cretino entendia pouco da
ciência, mas aprendeu, de coração, os princípios de sobrevivência na URSS – caluniava
os seus concorrentes, procurava e denunciava os inimigos, argumentava que os
cidadãos do “grande país soviético” não podiam ter doenças hereditárias e toda a
conversa sobre genes é tudo “a base do racismo”. Um dos truques preferidos
deste canalha era, primeiro deixar os seus oponentes falarem, para depois ler o
seu próprio discurso de “críticas devastadoras da genética” e, no final,
acrescentar que este discurso foi aprovado pessoalmente pelo camarada Estaline.
Deste modo, aqueles que se opunham ao Lysenko – agiam como se fosse
pessoalmente contra Estaline.
Nikolay Vavilov após a sua prisão em 1940, arquivo de NKVD |
Em
1937, muitos geneticistas soviéticos foram presos, muitos (por exemplo, o académico
Georgii Nadson, fuzilado
em abril de 1939, acusado de “sabotagem anti-soviética”) foram mortos. Em 1940
foi detido o académico Nikolai
Vavilov, dado que no passado ele trabalhou num laboratório na Inglaterra,
foi preso como “espião inglês”. Em 1943, Vavilov morreu de inanição na cadeia
de Saratov, o mesmo aconteceu aos diversos outros cientistas proeminentes [o
legado desastroso do Lysenko na agrobiologia foi definitivamente derrubado na
URSS apenas em 1965-66].
A
proibição da cibernética
Tanto
a URSS comunista, como a Alemanha nazista eram dominadas por ideologias
totalitárias, construídas de acordo com um princípio semelhante: a sociedade era
dividida em partes, uma das quais era culpada de todos os males e problemas, e
como tal, teria que ser destruída. Na URSS, os culpados eram “burguesas” e as classes
altas da sociedade, na Alemanha nazi – eram judeus e outros “sub-humanos”. Estes,
se viam privados dos seus direitos não pelas suas próprias ações, mas apenas
por algo que não dependia deles e era predeterminado antes do seu nascimento –
pertença à uma determinada raça/nação (na Alemanha nazi) ou à uma certa classe (na
URSS).
Para
fixar este estado de coisas de forma legal e legislativa, ambos regimes
totalitários tentaram obter o apoio da ciência: os pseudocientistas hitleristas
mediam os crânios com as réguas e produziam milhares de trabalhos
pseudocientíficos sobre a “superioridade da raça ariana”, na URSS estalinista se
tentou, de todas as maneiras possíveis, criar a “base científica” que apoiasse
a “sociedade classista” de Marx e a sua “dialética materialista”.
A
cibernética que surgiu na década de 1940 assustou os propagandistas soviéticos,
já que minava os fundamentos do marxismo e do materialismo soviético: se as
pessoas eventualmente pudessem serem substituídos pelos robôs, então, onde
colocar todas as histórias sobre a “eterna luta dos trabalhadores pelos seus
direitos”, onde então amarrar todas estas “classes sociais”? Assim, o “comunismo”
soviético não seria um objetivo eterno e final, mas simplesmente – um dos
estágios no desenvolvimento da sociedade que poderia ser ultrapassado. E então,
se um computador poderia controlar a produção e até o estado, então por que são
precisos o Bureau Político e até o camarada Estaline?
“A
cibernética é uma ciência judia estranha ao marxismo”, disse uma vez o “grande
líder e erudito”, após disso essa ciência foi banida na URSS, até os meados da
década de 1950. A tecnologia da computação foi mais ou menos desenvolvida na
URSS, mas era desprovida de sua base teórica e, como resultado, ficou muito
aquém dos países desenvolvidos.
Destruição
da filosofia
Antes
de 1917 a Rússia possuía várias boas escolas filosóficas, algumas mesmo com ideias
muito originais (por exemplo, do nascido na Ucrânia Nikolai Berdiaev),
mas na década de 1920 tudo acabou. Em 1922 um grupo de proeminentes filósofos e
intelectuais foi deportado da Rússia soviética nos famosos navios filosóficos
[foram deportados mais de 160 intelectuais, cada pessoa tinha direito de levar
consigo dois pares de calças interiores, dois pares de meias, jaqueta, calças,
casaco, chapéu e dois pares de sapatos; todo o seu dinheiro e o resto dos seus
bens eram confiscados ao favor do Estado]. O lúmpen, que no entanto chegou ao
poder, dizia que nada precisava além do marxismo-leninismo: prendendo,
fuzilando ou deportando os restantes filósofos.
“O
grande cientista” Dzhugashvili era bem versado não só na genética e na
cibernética, mas também na filosofia, especialmente, porque era uma excelente
chance de se vingar, por fim, de todas as humilhações e duvidas em assuntos
filosóficos no seminário teológico. O camarada Estaline gostava de aparecer nas
reuniões de filósofos soviéticos, onde, depois de os ouvir, lavrava a sua sentença
– chamando alguns de “idealistas minoritários” e outros – “extremamente viciados
em dialética”. Após os sábios comentários do “grande líder”, a filosofia
soviética imediatamente tomava o curso “certo” de seu desenvolvimento.
Falando
seriamente – na URSS simplesmente não existia a filosofia. A tarefa dos “filósofos”
soviéticos era apenas “fundamentar teoricamente” as ideias do comunismo e da
sociedade de classes, para isso foram utilizados todos os tipos de truques
demagógicos e introduzidos dogmas, proibidos de questionar. Em todas as
instituições filosóficas do ensino superior, sob a forma de dogma religioso,
foi ensinado o “Curso Curto da História do PC (b)”, em continha os ensaios de
Estaline. Neste curso, foi dada a “verdadeira interpretação” de todas as
questões do marxismo-leninismo que não permitia nenhumas interpretações livres.
Após
a morte de Estaline os seus ensaios desapareceram do “curso curto”, mas o
dogmatismo da filosofia soviética permaneceu viva até 1991.
Para
não tornar essa postagem demasiadamente longa não falaremos sobre a linguística,
teoria da informação, crítica literária – todas essas ciências (especialmente
no período entre 1930 e 1955) distorciam, de uma ou de outra maneira, a imagem real
do mundo, dando-lhe o cunho “marxista-leninista”. A sociologia, não existia
como tal – foi substituída por um simulacro chamado “ciências sociais marxistas”.
Em 1938 foi fechado o Instituto de Demografia de Kyiv, fundado em 1919, pois
mostrava os dados reais das perdas populacionais da Ucrânia em resultado do
Holodomor de 1932-33 (ver La
population de l´Ukraine jusqu´en 1960); os funcionários do Instituto sofreram
as repressões, vários foram fuzilados. Não havia na URSS a ciência histórica – essa
foi substituída por mitos “marxistas-leninistas” – de que há cinco mil anos atrás
as pessoas já sonhavam com o comunismo.
Assim
se pode continuar indefinidamente. Como podemos ver, todas as histórias de que
a URSS era algum tipo de “Estado das Ciências” não são mais do que mitos. O
escritor polaco/polonês Stanisław Lem uma
vez observou que qualquer estado totalitário existe até a próxima revolução
tecnológica. Exatamente como aconteceu com a URSS – todos os “estudos
científicos” na URSS foram subordinados ao marxismo-leninismo e, quando mais se
desenvolvia a ciência no resto do mundo, mais tremiam as “teorias soviéticas”,
criadas isoladamente do resto da civilização.
E
vocês, queridos leitores do nosso blogue ainda acreditam em algum mito soviético?
Fotos
@GettyImages | Internet | Texto @Maxim
Mirovich e [@Ucrânia em África]
Bónus
Os
EUA contam com 358 prémios Nobel, Rússia juntamente com a URSS com apenas 7.
Seguramente deve existir alguma explicação marxista deste fenómeno burguês ;-)
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