Enciclopédia da vida ucraniana histórica e contemporânea
quinta-feira, outubro 04, 2018
O golpe e contragolpe armado de Moscovo, outubro de 1993 (36 fotos)
30 anos atrás, em outubro de 1993, a cidade de Moscovo viveu o golpe e contragolpe do Estado, impasse militar entre o Parlamento (Conselho Supremo), dominado pela
antiga nomenclatura comunista e Boris Yeltsin, dado, cada vez mais, aos tiques
autoritários e que, no fim das contas, resultou em fortalecimento do poder
ilimitado do presidente e da derrocada final da democracia liberal na Rússia.
Moscovo, metro Smolenskaya, a manif e barricadas antigovernamentais, 2/10/1993
Slogan: "Somos russos! Deus está connosco!"
Em
dezembro de 1992, o Supremo Conselho recusou-se a aprovar o candidato de
Yeltsin, Yegor Gaidar (1956-2009),
ao posto de chefe de governo. Em março de 1993, Yeltsin fez um discurso
televisivo anunciando a suspensão da constituição russa. O parlamento, em
resposta, tentou anunciar o impeachment
do Yeltsin, mas a ideia foi apoiada por apenas 617 deputados, dos 689 votos necessários, e então os deputados decidiram
realizar o referendo popular de não-confiança em Boris Yeltsin e em suas
políticas. O referendo
foi realizado em 25 abril de 1993, o desempenho do Boris Yeltsin foi aprovado
por 59,9% dos votos; as suas políticas por 54.3%; além disso 51,2% votaram
contra as eleições presidenciais antecipadas e 69,1% se manifestaram ao favor das
legislativas antecipadas. O vice-presidente russo, Alexander Rutskoi, herói
popular da guerra soviética no Afeganistão, se opôs abertamente ao Yeltsin. Em
resposta, Yeltsin demitiu Rutskoi – mas a decisão foi contestada pelo Conselho
Supremo. Como resultado, o vice-presidente e a maioria do parlamento russo se uniram
contra Boris Yeltsin, o acusando de tentar usurpar o poder e violar a
constituição. O poder estatal na federação russa ficou paralisado.
Os deputados russos do Conselho Supremo na "Casa Branca",
após a corte de eletricidade, água e telefones (desde 23/09/2018)
Moscovo, metro Smolenskaya, a manif e barricadas antigovernamentais, 2/10/1993
Desde
o dia 1 de maio de 1993, as manifestações comunistas, apoiados pelos
nacionalistas, nazis e fascistas russos entravam com confrontos esporádicos,
mas permanentes com a polícia moscovita.
Moscovo, manif anti-governamental, rompimento dos cordões policiais, 03/10/1993
Em 21 de setembro de 1993, Yeltsin emitiu o decreto № 1400 sobre a dissolução do Conselho Supremo. O Conselho Supremo votou pela cessação da autoridade de Yeltsin e pela transferência de poder ao vice-presidente russo Alaxander Rutskoi. A decisão do parlamento foi apoiada, não oficialmente, por alguns líderes das regiões russas. O Tribunal Constitucional apoiou o Conselho Supremo. No dia 27 de setembro os opositores ao Boris Yeltsin saíram às ruas de Moscovo, alguns deles estavam armados com caçadeiras e AK, principalmente os elementos da segurança dos deputados, do parlamento e do vice-presidente Rutskoi. Boris Yeltsin, em geral, controlava a situação em Moscovo, onde era apoiado pelo prefeito da cidade, Yury Luzhkov.
Polícia russa primeiro foge, mas depois se reorganiza responde com fogo
No
dia 23 de setembro de 1993 um grupo de manifestantes, liderados pelo chefe do
grupo nacional-comunista “União dos Oficiais”, ultra marxista e assessor do
“ministro da defesa” do governo papalelo do Rutskoi, Stanislav Terekhov (1955-2017)
tomou a decisão de ocupar o quartel-general das Forças Armadas Unificadas dos
países da CEI (ex-URSS). No ataque morreu um polícia, um dos agressores e uma mulher
civil, vítima de bala perdida. Após o ataque, o governo do Boris Yeltsin declarou
os defensores do parlamento de grupo armado ilegal, estabeleceu um cordão de
isolamento em redor da “Casa Branca” (sede do Governo russo, ocupado pelo apoiantes
do Parlamento) e mandou desmantelar as barricadas dos seus defensores.
Momento em que o vice-presidente russo Rutskoi exorta tomar a prefeitura de Moscovo e TV Ostankino.
Ele foi responsável moral pelas dezenas de mortos. Mais tarde ele comentará este episódio:
“Claro, foi um erro. Eu não queria sangue. Mas os nervos estavam tensos”.
Num dos camiões/caminhões abandonados pelos militares, o líder ultra comunista Victor Anpilov
(1945-2018) com megafone nas mãos leva os seus apoiantes à atacar a TV Ostankino.
No
dia 2 de outubro de 1993, na praça (junto à estação do metro) Smolenskaya, em
Moscovo, foram erguidas as barricadas e decorreram os confrontos com a polícia.
Mas tudo se precipitou em 3 de outubro de 1993, quando a multidão de dezenas de
milhares de manifestantes, após a manif
na praça de Outubro marchou rumo à “Casa Branca”. Os cordões, formados pela polícia
e militares do Ministério do Interior, armados apenas com escudos e bastões foram
facilmente rompidos. Polícias estavam fugindo, perseguidos pela multidão
enfurecida. Polícia e militares eram espancados, lhes arrancavam escudos, capacetes,
cassetetes. Manifestantes usavam os escudos para golpear os jovens militares.
Alguns dos principais líderes da rebelião anti-Yeltsin em 3-4/10/1993, de esquerda à direita:
Viktor Anpilov, Ilya Konstantinov (1956) e Albert Makashov (1938)
A
multidão revoltosa consegui ocupar o edifício da prefeitura de Moscovo. Sob o
comando do notório anti-semita, ex-general e nacional-comunista russo Albert Makashov (1938),
a multidão nacional-comunista armada com AK e pelo menos um morteiro PG-7VR com duas
cargas explosivas se dirigiu para ocupação e controlo de TV russa em Ostankino
(atual 1º canal da TV estatal russa).
Nacional-comunistas armados com AK na entrada de Ostankino
A unidade de polícia de choque “Vityaz”
Entendendo
a gravidade da situação, o governo do presidente Yeltsin reforçou a defesa de Ostankino,
às 19 horas do dia 3 de outubro de 1993, o complexo de edifícios foi guarnecido
por cerca de 480 policiais e militares do Ministério do Interior, com a
presença da unidade de polícia de choque “Vityaz” e forças especiais. As forças
russas da lei e ordem dispunham de cerca de 320 AK, metralhadoras, espingardas/rifles
de precisão, 130 pistolas, 12 morteiros, incluindo um morteiro antitanque
RPG-7, com uma quantidade suficiente de munição. Eles também dispunham de seis
veículos blindados tipo BTR, meios de comunicação, sistemas de proteção pessoal
e meios especiais de ataque e defesa. O comando geral foi exercido pelo
vice-comandante das tropas do Ministério do Interior, que dispunha de poderes
correspondentes.
O momento em que a polícia russa responde com fogo indiscriminado
Os
manifestantes nacional-comunistas tentaram entrar no edifício, derrubando as
portas da entrada com uso de um camião/caminhão. Em algum momento os atacantes
dispararam contra o prédio, usando o morteiro RPG, as forças especiais abriram
fogo cerrado em resposta. Como foi estabelecido mais tarde pela investigação, um
militar das forças especiais que defendia prédio foi morto por um disparo na nuca,
devido à um acidente, ou então, sacrificado pelos seus, para justificar a
resposta armada dos defensores. As forças especiais russas abriram fogo indiscriminado
contra a multidão que se aglomerava na entrada de Ostankino. Entre 46 à 50 pessoas
foram mortas, incluindo dois jornalistas ocidentais (no total em Ostankino morreram três cidadãos ocidentais).
As barricadas das forças anti-Yeltinin junto à "Casa Branca", 2/10/1993
Um dos feridos nas ruas de Moscovo
Os primeiros mortos e feridos entre as forças anti-Yeltinin junto à "Casa Branca", 3/10/1993
Oficial do serviço de bombeiros, ferido pelos defensores da "Casa Branca"
Junto
à “Casa Branca”, os seus defensores nacional-comunistas reforçavam as
barricadas, esperando o ataque dos militares, fiéis ao governo central russo.
As barricadas dos apoiantes do governo central russo do Boris Yeltsin, 2-3/10/1993
Eram erguidas as barricadas na rua moscovita Tverskaya, onde se esperava o ataque dos neonazis russos do grupo Unidade Nacional Russa (RNE) do Alexander Barkashov (em 2014-15, o mesmo grupo se “destacou” em assassinatos e torturas dos ucranianos no leste da Ucrânia, onde atuou sob o nome de “Exército Ortodoxo Russo”).
Os neonazis russos do grupo Unidade Nacional Russa (RNE), em 2014-15 o grupo
atuou no leste da Ucrânia sob o nome de “Exército Ortodoxo Russo”
O
dia seguinte, 4 de outubro de 1993, foi marcado pelo tiroteio nas proximidades
da embaixada americana, os rumores falavam dos míticos “franco-atiradores nos
telhados”. Policiais, usando os capacetes do exército disparavam às longas
rajadas, usando AK, contra os andares superiores de um dos arranha-céus na
avenida Kalinin, contra o suposto franco-atirador escondido.
“Casa Branca” alvejada pelos tanques da divisão Tamanskaya, 4/10/1993
Destacamento "Alfa" do FSB se prepara ao assalto final da "Casa Branca"
Filtração dos revoltosos
"Alfa" supervisiona a saída dos deputados da "Casa Branca"
Polícia do serviço de proteção da "Casa Branca"
A guerra civil acabou, "Casa Branca" começa ser restaurada
De
seguida, e no mesmo dia, o exército russo posicionou os blindados da divisão
Tamanskaya em frente da “Casa Branca”, onde estavam entrincheirados os
deputados do Conselho Supremo e os seus apoiantes nacional-comunistas, os
tanques começaram atirar, à queima roupa, contra o edifício. Milhares de
pessoas estavam em redor como meros espetadores de mais um pesadelo russo, com
mortos e feridos de ambos os lados. Uma câmara da CNN na avenida Kutuzovsky
filmava tudo desapaixonadamente, permitindo aos milhões de espetadores em todo
o mundo assistirem à revolta russa “sem sentido e sem a piedade”. A jornalista
americana disse algo que na tradução russa soou assim: “mais uma vez na
história, os russos se matam uns aos outros”...
No
total, no decorrer do golpe e do contragolpe de Moscovo, de acordo com os dados
oficiais, morreram 158 pessoas e 423 ficaram feridas.
De
acordo com o ativista russo dos direitos humanos Yevgeny Yurchenko, um dos
fundadores da sociedade histórica russa “Memorial”, nos eventos de setembro –
outubro de 1993, e tomando em consideração apenas os casos dos desaparecimentos comprovados ou de existência das testemunhas da morte, morreram 829 pessoas. Possivelmente essa lista está incompleta, escreve a página russa russian7.
"Casa Branca" à arder após ser alvejada pelo blindados | foto: russian7.ru
Como
consequência direta da sua vitória, Boris Yeltsin mudou a constituição, aboliu
o cargo de vice-presidente e elegeu um parlamento mais obediente. A propaganda
estatal russa transformou a palavra “democrata” e “democracia” em palavrões, Rússia
começou gradualmente perder as liberdades civis, o poder estava concentrado nas
mãos de Yeltsin e do circuito próximo, alguns oligarcas e siloviki (exército, polícia, FSB).
Boris Yeltsin em 1993 | foto: ITAR-TASS
Já
no ano seguinte Boris Yeltsin enviou as tropas russas à Chechénia – também sem
hesitação, sem planos, sem preparação, o ministro da defesa russo Pavel Grachov prometia a tomada
da cidade de Grozny em apenas algumas horas. O poder de Yeltsin se tornou
ilimitado. As duas guerras na Chechénia, que se seguiram, se transformaram numa
aventura sangrenta e se saldaram em dezenas de milhares de mortos. Na base de
todo esse sangue derramado, um ex-oficial do baixo escalão do KGB tomou o poder
autocrático das mãos de um alcoólico/alcoólatra...
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