segunda-feira, outubro 15, 2018

A verdade sobre comunismo e sobre Holodomor na Ucrânia

https://maxim-nm.livejournal.com/446485.html
O tema histórico que tentam evitar todos os fãs da URSS e das ideologias de esquerda é Holodomor (Grande Fome) na Ucrânia, planeada, organizada e executada por poder central soviético. A fome absolutamente catastrófica decorreu em 1932-33, mas Ucrânia também foi atingida pelas suas ondas menores em 1921-23 e 1946-47. A historiografia oficial soviética mal assinalava estes acontecimentos, a cultura popular soviética, que servia de propaganda do regime, criava diversas obras literárias e cinematográficas, tentando demonstrar a falsa abundância, numa terra profundamente sofrida pela fome, uma acção deliberada do regime comunista soviético.
Slogan: "Avançando ao ataque contra as dificuldade, contra oportunismo da direita"
Hoje eu quero vós falar sobre o Holodomor ucraniano. Parafraseando o epigrafo no monumento em memória do operários polacos da resistência anticomunista de Gdansk: “Aos mortos – como sinal de memória eterna. Aos dirigentes – como sinal de aviso, aos concidadãos – como sinal de esperança de que o mal possa ser derrotado”.

O que é Holodomor?

O Holodomor é o termo usado para descrever a fome em massa de grandes proporções, que ocorreu na Ucrânia, ocupada pelas forças bolcheviques, em 1932-33 e que causou milhões de vítimas civis. A palavra ucraniana Holodomor está incluída em todas as línguas do mundo e não é traduzida, por analogia com a palavra Holocausto. Temos que recordar que, além do mais terrível e conhecido Holodomor de 1932-33, Ucrânia foi atingida por duas outras fomes menores – em 1921-23 e em 1946-47.
O Holodomor foi provocado pelas chamadas “aquisições de grãos” – quando as forças paramilitares soviéticas retiravam, à força, os grãos e mesmo diversos outros alimentos dos camponeses, para enviá-las às cidades e até vendê-las nos mercados ocidentais – com este dinheiro, os poder comunista soviético financiava a sua industrialização, construindo as fábricas civis e militares, fabricando as armas que fornecia aos partidos e depois aos regimes amigos para “libertar o mundo da opressão capitalista”. Os planos estatais de aquisições de grãos eram absolutamente irrealistas e desde logo condenavam os camponeses à fome.

De acordo com os dados da enciclopédia “Britannica”, Holodomor ucraniano de 1932-33 provocou a morte entre 4 à 5 milhões de ucranianos.

Repressões aos insubmissos

O que causou o Holodomor? Na historiografia oficial soviética, como as razões principais da fome em massa na Ucrânia eram apontadas as acções do Comissariado Popular da Agricultura e da liderança de alguns kolkhozes e sovkhozes (fazendas socialistas colectivas), cuja liderança, segundo a propaganda soviética foi “infestada de elementos aleatórios e destruidores”.
Como em geral na União Soviética, culpados sempre são elementos “aleatórios e destruidores”, embora não houvesse nada de “acidental” nas acções estatais – o Holodomor durou cerca de dois anos, e as autoridades soviéticas não poderiam ter ignorado os acontecimentos no terreno. A tese do “desconhecimento” é facilmente derrubada pela existência dos cercos deliberados de várias aldeias famintas, acção efetuada pelas tropas do NKVD, do ministério do interior e dos exército soviéticos, que levavam à morte dos camponeses ucranianos, confinados à estes mesmas zonas de bloqueio.

A causa real do Holodomor foi o massacre bolchevique do campesinato ucraniano insubmisso – os ucranianos se recusavam aderir aos kolkhozes e não desejavam viver de acordo com as leis bolcheviques, por isso o poder comunista da União Soviética decidiu a sua aniquilação pela fome. A mesma coisa, mas em menor escala, ocorreu na própria Rússia e no Cazaquistão, bem como em outras repúblicas da URSS – nas aldeias cercadas pelo exército ou pelo NKVD, os camponeses morriam de fome, os mesmos camponeses que teriam a força moral de dizer ao governo soviético que este poder não é nada popular, e representa a exploração muito pior do que o czarismo russo.

«Tabelas negras» e canibalismo

As aldeias ucranianas mais afectadas pelo Holodomor foram as que não cumpriram com o “plano” de aquisição de grãos – geralmente simplesmente impraticável. Estas aldeias eram colocadas em assim chamadas “tabelas negras” (listas de “não-cumpridores”) – a aldeia era alvo de bloqueio completo por parte do NKVD ou do exército, para lá eram enviados os esquadrões de punição que, entre outras coisas, praticavam a tomada de reféns.
Nós, filhos e filhas do século XXI, nem sequer temos a capacidade intelectual de imaginar o que estava acontecendo nas aldeias bloqueadas e cercadas pelo Exército Vermelho – as famílias inteiras morriam, todas as folhas das árvores tinham sido comidas, nestas aldeias não sobravam os animais domésticos e até mesmo os ratos. Pessoas, enlouquecidas pela fome, foram forçadas à praticar o canibalismo – matando os familiares ou as crianças, ou seus ou dos vizinhos, na esperança de os poderem comer.

Sobrevivente do Holodomor ucraniano, Marfa Tymchenko recorda:

Um vizinho da aldeia contou que uma vez trouxe a comida da cidade [onde a fome praticamente não era sentida] para os seus pais na aldeia, onde também vivia a sua irmã. Entrou na casa, e viu o seu pai e mais dois homens com ele, todos não barbeados, muito escuros. O fogo ardia no fogão, algo estava sendo cozido, ao seu lado, encoberto nos panos ensanguentados estava deitada alguma coisa embrulhada.

            Ele perguntou ao pai: “Onde está a mãe, a irmã?” O pai respondeu: “Já comemos a mãe, sobrou uma parte na panela e irmã acabamos de matar, está naqueles panos”. E um dos homens disse: “Teremos a carne fresca!”
   
São trechos do interrogatório de Vasil Mironovych, que tinha morto suas duas filhas, devido à fome intolerável:
 Em 1932, juntamente com a minha esposa e filho Zahariy, trabalhamos no kolkhoz durante os 400 dias úteis, não faltamos nenhum único dia, pelo que recebemos no outono cerca de 5 kg de milho e 4 kg de farinha, o que durou na minha família por 4-5 dias e para todo o inverno, fiquei sem meios de subsistência. Os filhos mais velhos saíram de casa, eu continuei a trabalhar no kolkhoz, pela que recebia uma vez por dia a comida quente – a sopa borsch de repolho e beterraba, sem pão.

No dia 4 de abril, eu matei a minha filha mais nova – Hrystia, que estava tão exausta que não conseguia mais ficar de pé... O seu corpo, só ossos, eu esquartejei e cozinhei, os comi em dois dias. Eu também dei a carne para comer a minha filha mais velha, Nastya, e no dia 6 de abril, às 5h00 da manhã, eu matei a Nastya. Eu pensei que com isso iria me fortalecer, Nastya mesmo assim, teria morrido de exaustão em um ou dois dias...

Tanto a primeira, como a segunda, eu matei no sono, as tirei da cama, coloquei-as no chão batido de terra e cortei a cabeça com um único golpe de machado... As cabeças e os ossos cortei aos pedaços pequenos e enterrei.
   
Os militares soviéticos iam às casas dos camponeses ucranianos famintos lhes tirar os últimos alimentos, respondendo aos súplicas – “se teremos a pena de vocês, também ficaremos na vossa posição. E nos queremos viver”.

Nas décadas do domínio soviético que se seguiram, toda a memória do Holodomor foi deliberadamente apagada, nenhum livro soviético mencionava a plenitude da tragédia, o máximo que a censura soviética permitia era alguma menção dos “famintos tempos difíceis”, sempre sublinhando que “assim eram os tempos!” Nunca e ninguém mencionava o facto que a culpa não era dos tempos, mas do poder soviético.
O memorial às vítimas do Holodomor em Kyiv  – o monumento de menina sofrida e magra
O Holodomor na Ucrânia gerou um fenómeno terrível, que muitas pessoas hoje chamam de memória apagada – não sobrou literalmente nada e ninguém, nem uma única pessoa, das dezenas de aldeias ucranianas que se extinguiram por completo devido à fome. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu ali – não sobrou mais ninguém que pudesse contar o que se passou. Possivelmente as coisas e situações muito mais terríveis aconteceram lá, do que aquelas que são relatadas pelos sobreviventes, devido as condições um pouco menos mortíferos, nos locais da sua própria residência na época.

Em 1933, após o levantamento de bloqueios, os corpos de camponeses ucranianos inchados de fome foram simplesmente retiradas, e novas pessoas, provenientes de outras regiões da URSS [nomeadamente Belarus e Rússia] se estabeleceram nestas aldeias “libertas”. Aos aqueles que não viam os horrores do Holodomor com os seus próprios olhos, era muito mais fácil abraçar a ideia abstracta de construção do comunismo.

Na Ucrânia actual, o Holodomor é considerado um genocídio, e o dia da memória de suas vítimas é recordado solenemente em 25 de Novembro. Em Kyiv, neste dia, os cidadãos acendem as velas, e muitos vêm até o memorial às vítimas do Holodomor – o monumento de menina sofrida e magra – e colocam aos seus pés as maçãs, espigas de trigo e galhos de viburnum, o símbolo da Ucrânia...

Fotos: arquivo | Texto: Maxim Mirovich (Belarus); Tradução a adaptação: Ucrânia em África

O texto serviu de base da intervenção pública da deputada da Assembleia Municipal de Lisboa, Dra. Aline Gallasch-Hall de Beuvink (eleita em outubro de 2017 pela coligação de CDS-PP, PPM e MPT), lida na Conferência internacional “Fomos mortos por sermos ucranianos” (Lisboa, 12 de outubro de 2018).   

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