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"Meias NÃO HÁ" | "Calçado NÃO HÁ" |
O
sistema de racionamento soviético nasceu antes do próprio surgimento do “primeiro
estado dos operários e camponeses”.
Herdados diretamente do “czarismo marvado”, os “cartões”, “talões”, “cupões” e
outros meios de distribuição e controlo, sobreviveram a queda da União
Soviética e em algumas regiões russas foram usados até 1993.
Do czarismo à revolução proletária
Os
primeiros cartões de racionamento alimentar surgiram na Rússia czarista na
primavera de 1916. Império russo, quebrado economicamente e psicologicamente com os resultados da I G.M. entrou numa crise alimentar e introduziu os talões
para a compra de açúcar. [Os cartões eram distribuídos aos cidadãos de forma
gratuita, no caso de perda não eram restituídos e deveriam ser entregues ao lojista no ato
de compra. Quem tivesse apenas o dinheiro, não podia comprar o produto.] Principalmente
devido ao facto de que as fábricas açucareiras da Polónia e Ucrânia Ocidental [nas
regiões que faziam parte do império russo] se tornaram o palco de batalhas
contra exércitos da Alemanha e do Império Austro-Húngaro.
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Petrogrado, cartão para a compra de de açúcar, 3 libras por pessoa (3 copos ou cerca de 550 gr), outubro, novembro, dezembro de 1916 |
Após
o golpe bolchevique de 1917, a Rússia adotou as políticas do “comunismo de
guerra” e sistema de cartões foi usado de uma forma maciça, em algumas regiões
até o pão era vendido apenas aos portadores dos cartões de racionamento. Situação
só mudou em 1921, com a introdução do NEP (Nova Política Económica) que aboliu
o racionamento e encheu as lojas de produtos alimentares e manufatureiros. A
chegada ao poder do Estaline acabou com experiência “proto-capitalista” e
sistema de cartões foi novamente imposto, a União Soviética simplesmente não
produzia a quantidade suficiente de mercadorias para saciar a procura da sua
própria população.
Além
do sistema de cartões, o estalinismo introduziu as “normas” de venda de
produtos por cada comprador — desde abril de 1940 um comprador tinha direito de
comprar não mais que 1 kg de carne e não mais que 0,5 kg de mortadela em cada
compra. Para recordar, em 1940 já tinham passado 23 anos desde o golpe
bolchevique, mas o país não conseguia viver de forma plena e feliz.
No
decorrer da II G.M. o sistema de racionamento apenas se tornou mais severo e
mais desumano. O cidadão que perdesse os seus talões, ou à quem estes fossem
roubados, estava condenado à uma morte de fome, situação várias vezes descrita
na literatura soviética.
A
vida sem cartões, época de fartazana soviética
Em
1947 o sistema de cartões foi abolido, mas, de uma ou de outra forma, os
elementos de racionamento do consumo alimentar ou manufatureiro persistiam por
décadas. Por exemplo, o cidadão soviético não poderia simplesmente ir à loja e comprar
o automóvel. Primeiro, teria que ficar numa “fila” [que poderia durar 5-7 anos (sim, anos!)], segundo, deveria pagar um valor bastante alto [por exemplo, a
viatura Gaz-21 “Volga” custava 10.000 rublos ou 16,949 dólares ao câmbio
oficial da época] e terceiro, teria que receber uma espécie de permissão de
compra, emitida pelos órgãos locais do poder soviético, documento existente
pelo menos até a década de 1960.
No
início da década “brejnevista” de 1970, o sistema de racionamento não existia.
A década se caraterizou pela alta de preços de petróleo e URSS recebeu uma “almofada
de divisas”, que usava para comprar os produtos manufatureiros ocidentais e
estrangeiros: jeans FUZZ, sapatos Salamander
e cassetes BASF da Alemanha Federal, mobílias da Roménia, chouriço fino da
Finlândia, café brasileiro e outra mercadoria, comprada graças ao “petrodólares”.
Realmente,
era a época dourada soviética — altos preços de petróleo permitiram ao URSS
saciar a alta procura do consumo doméstico.
No
entanto, a liderança soviética cometeu o erro fatal, os excedentes da venda de
petróleo não foram usados para desenvolver e fortalecer a economia nacional. Em
vez de modernizar as fábricas de açúcar na Ucrânia ou instalar as linhas de
transformação de batata em Belarus, URSS comprava o açúcar em Cuba, financiando
deste modo os “regimes amigos”. Com a queda dos preços de petróleo e aumento
dos gastos militares na guerra de Afeganistão ou em África, a economia soviética começou se
aproximar ao seu colapso.
Retorno
de talões «ao pedido dos trabalhadores»
No
fim da década de 1970, os talões de racionamento voltaram, não em toda a União
Soviética, mas em várias regiões, principalmente da federação socialista russa.
A compra de carne, manteiga e açúcar só poderia ser feita pelos portadores dos
talões. Depois, as coisas apenas pioraram, o racionamento foi alargado aos
novos grupos de bens e alimentos.
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"Alimentação é efetuada APENAS com os talões de fábrica" |
Nem
todos os talões eram chamados de “talões”. O poder local optava pelos nomes mais
simpáticos, como “Cartão de comprador”; “Reserva” ou mesmo “Convite para a
compra”. Naturalmente estávamos perante a hipocrisia soviética — ninguém fazia “pedidos”,
ninguém reservava nada às suas compras, nem pedia “cartões” — assim era
camuflada a existência do sistema de distribuição dos bens da primeira
necessidade.
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"Apresente o documento" (com direito de fazer compras no local) |
Na
década de 1980, o racionamento geralmente abrangia carne e boa manteiga, a
margarina barata e de má qualidade sempre estava em venda livre. Depois, a lista
engrossou com açúcar (tornou-se um grande défice por causa de aumento brutal de
produção de aguardente caseiro) e praticamente todo o tipo de álcool — um
cidadão adulto recebia o talão que lhe permitia comprar 1 garrafa de vodca e 2
de vinho por mês (Sic!).
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O povo soviético na fila para comprar vodca e/ou vinho |
Naquela época, todos compravam álcool, mesmo os que não
bebiam, dado que uma garrafa de vodca que custava na loja 3,5 rublos (5,9
dólares), facilmente era vendida por 15-25 rublos (25,4 – 42,3 dólares ao
câmbio oficial). Além disso, álcool se tornou, em quase toda a URSS, uma moeda universal
aceite como meio de pagamento por quase qualquer tipo de serviço formal ou informal.
Década de 1990
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Convite para comprar um par de botas masculinas nas lojas do distrito em 1990-93 |
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Imagem com as legendas em cima e original em baixo |
Cerca
de 1993 na maior parte do espaço pós-soviético começou funcionar a economia do mercado,
mesmo que imperfeito e surgiu a concorrência — os talões e cupões desapareceram.
Como acontece sempre e em toda a parte, onde o Estado não interfere nos
processos económicos – de alguma forma tudo é ajustado, por, a tal odiada pela
esquerda “mão invisível do mercado”. Provavelmente, simplesmente porque as
pessoas não são tão maus/ruins e impotentes quanto os comunistas imaginam que os cidadãos
sejam :-)
Recentemente,
várias páginas da Internet russa noticiaram que em 2019 Rússia poderá reintroduzir
o sistema de cartões para os pobres – em vez de uma pensão ou salário decente e
digno, as pessoas receberão cartões que poderão usar para a compra de alimentos
(possivelmente subsidiados). Embora no valor de apenas cerca de 10.000 rublos (160
dólares) ao ano. O sistema de racionamento próximo ao existente na URSS; possivelmente
os sonhadores com “URSS 2.0” ficarão felizes – irão às lojas, munidos de cartões
e cupões para comprar açúcar e vodca :-)
Fotos:
Internet | Texto Maxim
Mirovich e [Ucrânia em África]
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